Belo Monte: a "usina do barulho" arrisca-se a "perderr mais um ano"

Usina do barulho


O Ministério Público Federal dará entrada hoje em duas ações civis públicas para interromper o processo de construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Os procuradores querem o cancelamento da licença prévia, concedida pelo Ibama, e do leilão do empreendimento, que faz parte do rol das obras que o governo se empenha para ver saírem do papel. A pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez com que a obra fosse autorizada, apesar dos pareceres técnicos do Ibama, da Funai e de um conselho de especialistas contrários à construção.

Entre as várias irregularidades apontadas pelo MPF, estão os estudos de impacto ambiental “cheios de furos” que corroboram a concessão da licença. Os pareceres técnicos ignorados são unânimes ao apontar a inviabilidade ambiental, social e econômica da hidrelétrica. Outro problema seria a falta de audiência pública para ouvir a população diretamente atingida pelo alagamento e pela área que ficará seca após o desvio do rio na região de Volta Grande do Xingu. Por se tratar de terra indígena, tanto os índios quanto o Congresso Nacional deveriam ter sido ouvidos.

Para complicar ainda mais a construção da usina, ontem a Camargo Corrêa e a Odebrecht anunciaram que estão fora do leilão previsto para o próximo dia 20. Com isso, o único consórcio na disputa é formado pela Andrade Gutierrez, a Neoenergia (Iberdrola, Previ e o Banco do Brasil), a Vale e a Votorantim. Ou seja, o leilão virou carta marcada.

Luiz Carlos Azedo in Correio Braziliense - 08/04/2010

Belo Monte corre o risco de perder mais um ano


Uma das principais preocupações de um possível adiamento do leilão da Hidrelétrica de Belo Monte é o regime de chuvas da Região Norte. Se perder a janela hidrológica, o governo perde um ano inteiro de trabalho, como ocorreu no ano passado. A ideia inicial era fazer o leilão em dezembro de 2009 para que as vencedoras tivessem tempo de conseguir a licença de instalação durante o período chuvoso, que começa em janeiro. Mas a dificuldade para conseguir a licença prévia atrapalhou os planos e atrasou o cronograma de construção da usina.

O risco de perder mais um ano voltou a rondar Belo Monte ontem, com a decisão do consórcio Odebrecht/Camargo Corrêa de desistir do leilão, marcado para o dia 20, e com a notícia de que o Ministério Público do Pará vai pedir a anulação da licença concedida pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). No setor, já se comenta que o leilão deverá ser adiado.

O prejuízo disso tudo é que, se o cronograma sofrer alguma alteração, o governo terá de se virar para suprir a quantidade de energia que a hidrelétrica injetaria no sistema nacional a partir de 2015. As experiências anteriores não trazem boas lembranças. Em 2007 e 2008, quando havia uma escassez de projetos hidrelétricos para serem leiloados, o governo foi obrigado a contratar energia de usinas térmicas a óleo diesel e óleo combustível, caras e extremamente poluentes, para atender à demanda do mercado.

Isso representou uma mudança na matriz energética brasileira, conhecida por ser predominantemente de energia renovável. No período, foram contratados cerca de 10 mil megawatts (MW). A intenção do governo é usar o leilão de Belo Monte, que terá capacidade de 11.233 MW, para reverter o processo. Mas, se houver atraso nas obras e dificuldade para licenciar outras 13 hidrelétricas previstas para ir a leilão este ano, não há garantias de que as térmicas não sejam requisitadas de novo.

Outra grande preocupação é o avanço do consumo de eletricidade no País. A demanda dos serviços de energia elétrica já superou os níveis do pré-crise. Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em fevereiro o consumo de energia avançou 10,7% em relação a igual mês do ano passado. No ano, o crescimento somou 9,9% e, em 12 meses, 1,1%. O resultado foi influenciado especialmente pela retomada do consumo industrial e residencial.

Portanto, embora a situação hoje esteja razoavelmente tranquila, não se pode descuidar do setor de energia. Até porque a maioria da matriz elétrica é hídrica e depende do regime de chuvas, que neste ano está bastante generoso com o sistema nacional. Mas qualquer período seco pode complicar a situação.

A expectativa do setor é que o governo federal use todo o know how conseguido no turbulento processo de licitação das hidrelétricas do Rio Madeira para superar os entraves de Belo Monte. E, na opinião de especialistas, vai usar todo o seu poder para tirar a usina do papel. Na opinião deles, porém, o governo também precisa lembrar de outras experiências e entender que o leilão de uma usina como essa não garante que a obra cumprirá os cronogramas previstos. Até porque as pressões ambientais continuarão.

Renée Pereira in O Estado de S.Paulo - 08/04/2010