O ódio aos políticos chegou a um ponto em que a inexperiência executiva é vista como um bom currículo para os novos ministros. Como bem explica Vasco Pulido Valente, um ministro que não conhece o Estado é engolido por ele, um académico que não conhece as repercussões políticas e sociais de cada decisão que toma e que não está preparado para lidar com elas estampa-se sempre. Fica espantado o teórico sem mácula quando os seus maravilhosos modelos não funcionam no ingrato mundo real. E paralizado na sua virginal inocência, não consegue mudar nada. Não, não há governantes expontâneos.
Conversando com um passista sobre o novo governo e a extraordinária inexperiência política dos novos ministros ele defendeu-se assim: e em 1974, não eram todos inexperientes? Ficaríamos com os ministros de Marcelo para garantir a experiência? Espantei-me. E respondi: é diferente, esse era um período revolucionário. Tratava-se de um corte com o regime anterior. Pagámos cara a inexperiência dos governantes, mas ela era inevitável. Agora não vivemos uma revolução em que cai um regime para outro tomar o seu lugar. Resposta: sim, vivemos.
É à luz deste espirito revolucionário dos ultras que tomaram o poder no PSD que devemos olhar para este governo. A verdade é que esta corrente ideológica extremista é ultraminoritaria em todos os países, e mais ainda em Portugal. A crise económica, o falhanço das anteriores lideranças do PSD e o desprezo nacional por José Sócrates ofereceram-lhes o poder. Eles estavam no lugar certo à hora certa. E o desespero dos portugueses é tal que estavam dispostos a aceitar qualquer coisa, péssima que fosse, desde que fosse diferente.
Mas quando toca a formar governo estes grupos vanguardistas, animados pelo seu fervor ideológico, têm sempre um problema: ninguém que conheça as dificuldades de governação os acompanha. Quem, no seu perfeito juízo, perante a quase impossibilidade de cumprir o memorando da troika nos seus apertados prazos, acha que pode ir mais longe? Dois tipos de pessoas: teóricos sem qualquer noção do que significa governar e representantes dos interessados no leilão em saldo de todo o património publico, com especial atenção para o mais apetitoso dos sectores, o da saúde.
A estrutura de governo que Passos desenhou era para políticos. Um técnico é, por natureza, especializado. E nenhum especialista sabe de empresas, transportes, obras públicas, exportações e emprego, como se exige ao novo ministro da economia. Para ministérios destas dimensões eram necessários coordenadores não especializados mas bons a gerir conflitos e a rodear-se de secretários de Estado conhecedores das pastas. Mas um governo desenhado para políticos experientes (com a agenda apertada que o memorando apresenta, teriam mesmo de ter muito traquejo) foi preenchido por estreantes que talvez daqui a um ano tenham uma vaga ideia do lugar onde estão a trabalhar. O governo com a tarefa mais difícil das ultimas décadas é formado por caloiros.
Mas uma coisa é verdade: é um governo ideologicamente coerente. Na economia, um privatizador entusiasmado, acabado de chegar à realidade nacional. Nas finanças, um intelectual radical que em vez de temperar a receita do BCE tentará carregar-lhe ainda mais nas cores. Na educação, um saudosista mais ocupado com os seus próprios fantasmas do que com os problemas reais do ensino público nacional. A saúde é um dos poucos ministérios ocupados por um homem de ação e com provas dadas. Mas que, como ex-administrador da Medis, não se livra da justa suspeita de representar os que desejam o fim do Serviço Nacional de Saúde público e a transferência de recursos para o privado. Se é inaceitável que Jorge Coelho, depois de ter sido ministro das Obras Públicas, tenha ido para a Mota-Engil, porque é que o trânsito inverso não levanta problemas?
Sabemos que a inexperiência e o radicalismo de muitos dos novos ministros não foi uma escolha. Outros foram convidados e não aceitaram entrar nesta aventura. Porque são do "regime" que estes homens querem derrubar? Não será isso. Sabem que o resultado deste voluntarismo desvairado destruiria as suas carreiras políticas. O governo ficou então para quem acredita e deseja um PREC de direita. E talvez para quem, no meio do caos, quer tratar dos bons negócios que a destruição do Estado Social vai garantir.
Uma coisa com que esta gente não conta: na hora da convulsão social (olhem para a Grécia) vão ser precisos políticos. E eles não estão lá. Se a política não é para amadores, imaginem o talento necessário para destruir um regime sem ficar soterrado nas suas ruínas.
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