Apoiado pela Fundação Gulbenkian, uma das mais ricamente apetrechadas da Europa, o Jazz em Agosto desenrola-se ao ar livre numa das alturas do ano em que o clima é mais ameno. Distribuídos pelos primeiros dois fins-de-semana do mês, os concertos decorrem ao serão sobre um palco montado no parque que acolhe o museu da Fundação, tudo isto inserido num cenário feérico que fica a meio caminho entre uma floresta e um jardim. Em 2009, o trompetista Dave Douglas agradecera ao público por lhe ter permitido tocar num local tão belo. Para além dos sons da música, aqui se ouvem os gritos dos patos vindos de um charco adjacente à cena, secundados pelas lufadas de ar fresco vindas do Oceano que agitam os ramos das árvores.
O festival arrancou de forma modesta em 1984 com uma série de concertos aos serões das Quartas-feiras, sendo a sua programação constituída por artistas locais, entre os quais uma cabeça de cartaz, a cantora Maria João. Já no ano seguinte, os organizadores mostraram-se mais ambiciosos ao não se limitarem a convidar sumidades reconhecidas, privilegiando igualmente a afirmação de músicas mais ousadas. Artistas da categoria de Sun Ra e da sua Arkestra, do Dave Holland Quintet e do Art Ensemble of Chicago constaram das edições subsequentes. Após algumas alterações das suas datas, o festival encontrou a sua janela ideal em pleno período estival. Para além da audácia que subjaz à sua programação, o Jazz em Agosto também propõe alguns enfoques temáticos, entre os quais figuram o jazz de determinados países (o Canadá em 2004, os Estados Unidos em 2006), as homenagens aos grandes (John Coltrane em 2006), os instrumentos (o trompete em 2009), e mesmo os instrumentos graves (em 2007), com um quarteto de tubas e o conjunto de Ornette Coleman acompanhado por três baixistas. Estas escolhas avisadas são as do director artístico, Rui Neves, um homem de visão que sabe dar resposta às exigências de um público obstinado e entusiasta.
Ano após ano, o festival aproveita os seus bons recursos para convidar agrupamentos que é raro tocarem no estrangeiro devido ao volume dos seus efectivos, como por exemplo a Now Orchestra de Vancôver com George Lewis, a OrkestROVA de São Francisco a tocar Ascension de Coltrane, a Otomo Yoshihide New Jazz Ensemble do Japão, assim como a americana Exploding Star Orchestra com o saudoso Bill Dixon. Em 2010, Evan Parker apresentava-se a liderar um conjunto de dezanove músicos, ao passo que o Noreguês Frøde Gjerstad reunia doze improvisadores vindos de todos os continentes na sua Circulasione Totale Orchestra. Este ano entrarão em palco os grandes da vanguarda (Peter Brötzmann, Cecil Taylor e Wadada Leo Smith), tal como o baterista John Hollenbeck e o seu Large Ensemble. Resta assinalar que o festival também inclui concertos entre os dois fins-de-semana (de 5 a 7 e de 12 a 14 de Agosto) que, por seu lado, vão decorrer no Teatro do Bairro, bem no centro de Lisboa. Devido ao seu cenário que tanto convida à visita como enfeitiça o visitante, o Jazz em Agosto é uma experiência musical e turística das mais inesquecíveis!
por Stuart Broomer
(cronista do boletim Point of Departure e colaborador dos magazines Signal to Noise e MusicWorks)
Programação da 28ª edição do festival de Jazz da Gulbenkian
O Jazz em Agosto continua a apresentar, em 2011, o outro lado do jazz com formações e músicos incontornáveis, numa programação que demonstra a capacidade de mudança e inovação do jazz contemporâneo.
A 28ª edição do Festival desenrola-se de 5 a 14 de Agosto com seis concertos principais no Anfiteatro ao Ar Livre da Fundação Calouste Gulbenkian, o seu espaço anfitrião.
A abrir esta edição do Jazz em Agosto uma das figuras emblemáticas dos últimos 50 anos de história do jazz, par de Ornette Coleman e John Coltrane o pianista Cecil Taylor que, numa aparição rara a solo, apresenta o lado intimista e multidimensional da sua obra.
Revisitando a história do jazz numa leitura que realça os antagonismos do género com uma lógica inquestionável, Ingrid Laubrock, saxofonista alemã com carreira ascensional em Londres e Nova Iorque, traz ao Jazz em Agosto o Quinteto Anti-House, constituído por músicos que se destacam individualmente e que interagem com extraordinária eficácia.
O trompetista Wadada Leo Smith, um dos fundadores da AACM (Association for the Advancement of Creative Musicians, Chicago), apresenta o Noneto Organic, citando o início do período eléctrico de Miles Davis, quando se comemoram os 40 anos do seu álbum seminal Bitches Brew, num concerto que será enriquecido pelas imagens em tempo real do VJ Jesse Gilbert.
Peter Brötzmann, saxofonista e clarinetista considerado como farol da improvisação europeia e que celebra 70 anos em 2011, sobe ao palco com o Quarteto Hairy Bones, um novo projecto com raízes no Quarteto Die Like a Dog (presente no jazz em Agosto 2000), que conta com uma nova secção rítmica, explorando e renovando o espírito libertário do freejazz.
Uma recente e inesperada formação sobe ao palco do Anfiteatro ao Ar Livre para apresentar mais um concerto raro: The Ex-Guitars meet Paal Nillsen-Love/Vandermark Duo e que cozinham uma mistura de rock radical e improvisação jazz, com referências John Coltrane, Sonny Rollins e Albert Ayler, numa conjugação intensa e contemporânea de universos tão próximos como antagónicos.
John Hollenbeck, baterista, compositor, arranjador, à cabeça da sua orquestra, herdeiro estético da Third Stream, encerra o Jazz em Agosto 2011 numa Première europeia do seu Large Ensemble, uma orquestra de 18 músicos de excepção que redefine o tradicionalismo da big band, esbatendo fronteiras com criatividade.
Para além dos concertos no Anfiteatro ao ar Livre, este ano o Jazz em Agosto estende a sua programação, ao longo da semana, a um espaço recente e alternativo da cidade, o Teatro do Bairro (Bairro Alto). Retomando o espírito do clube de jazz, num ambiente mais informal, serão apresentados neste teatro concertos arrojados e experimentais de pequenas formações de jazz.
A programação do Jazz em Agosto no Teatro do Bairro é inaugurada com Luís Lopes Humanization 4tet, uma formação que reúne dois portugueses, Luís Lopes (guitarra eléctrica) e Rodrigo Amado (saxofone), com os dois descendentes de Dennis Gonzales, Aaron (contrabaixo) e Stefan (bateria).
Darius Jones, promissor saxofonista, apresenta o Quarteto Little Women, uma formação que solta música explosiva através de dois saxofones uníssonos apoiados por guitarra eléctrica e bateria.
FIRE!, um novo projecto de Mats Gustafsson com músicos mais jovens conjuga música para amantes de freejazz, electrónica e heavy metal, num concerto que expande o jazz a limites inesperados.
Após cada concerto, DJ e VJ Johnny prolonga as noites do Teatro do Bairro com música mixado ao vivo, transformando temas de jazz com sonoridades funk, e imagens em tempo real.
A programação do Jazz em Agosto inclui ainda a exibição inédita, na Sala Polivalente do Centro de Arte Moderna, de filmes documentais que aprofundam a programação da 28ª edição, num horário que antecede os concertos do Anfiteatro ao Ar Livre (18h):
- Cecyl Taylor: All The Notes, de Chistopher Felver, realizador de filmes sobre John Cage e Sonic Youth, um retrato do dia-a-dia de Cecil Taylor documentado por personalidades como Elvin Jones e Amiri Baraka.
- Black February: A Film about Butch Morris, de Vipal Monga, revisita o criador do sistema da Condução. Presente no Jazz em Agosto 2009, a invenção de Butch Morris é aqui comentada por músicos como Henry Threadgill, Graham Haynes, entre outros.
- Playing your own thing: A story of Jazz in Europe, de Julian Benedikt, uma viagem através da história do jazz, que marcou a vanguarda europeia no Pós-Segunda Guerra Mundial, e um relato fidedigno que reflecte a diversidade estilística que sempre caracterizou o jazz na Europa.
- Femmes du Jazz/Women in Jazz, de Gilles Corre, documenta o jazz tocado e composto no feminino por personalidades heterogéneas, de Marilyn Crispell a Sylvia CuenKa e Jeanne Lee, entre outras.
O Jazz em Agosto encerra a programação das 18h, no dia 14, com uma conferência proferida pelo crítico de jazz Bill Shoemaker, coordenador do jornal online Point of Departure e colocará bases teóricas à programação do festival.
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