Da Aldeia de Ururaí a São Miguel Paulista 1560 – 1797

por Roseli Santaella Stella


A primeira referência que se tem de São Miguel, não é de 1622, ano em que se deu por concluída a capela, mas muito antes, em 1560. para que esta casa religiosa, fosse idealizada nos padrões em que foi edificada, podemos refletir sobre o que representava a aldeia de Ururaí, hoje São Miguel, tanto no aspecto social, religioso e geográfico, este último importante como ponto estratégico-defensivo de incursões de índios rebeldes à pequena Vila de São Paulo.
A história do bairro está estritamente relacionada à própria fundação da capital metropolitana, razão pela qual devemos dirigir nossa atenção aos fatos ocorridos mesmo antes de 1554.
Habitantes da região, os índios Guaianazes ainda se distribuíam por todo o planalto paulista. Suas terras eram demarcadas ao longo da costa litorânea, de Angra dos Reis até Cananéia, tendo como visinhos de um lado, os índios Carijós e de outro, os Tamoios, ambos seus inimigos. Cautelosos, não faziam guerra fora de seus limites, e ao vencerem um adversário faziam dele escravo, por não serem antropófagos. Tranqüilos e sem malícia acreditavam em qualquer coisa.
Não atacavam os brancos sem que fossem molestados, pelo contrário, eram até boa companhia. Chefiava os Guaianazes, desde a primeira metade do século XVI, o cacique Tibiriçá, que vivia além da Serra de Paranapiacaba, nos campos cortados pelo rio Anhembi ou Rio Grande, hoje conhecido como rio Tietê. Nele fazia confluência o ribeiro de Piratininga ou Piratinim, de onde teve origem a aldeia de Tibiriçá, situada em uma das margens do tal ribeiro: aldeia de Piratininga, no ribeiro de mesmo nome.
Os jesuítas não haviam chegado ao planalto. O europeu mais próximo estava entre o campo e a Serra, em Santo André da Borda do Campo. Era João Ramalho casado com a filha de um chefe indígena. Antônio Rodrigues, outro português aqui estabelecido, vivia no litoral, nas proximidades de São Vicente, e era casado com Antonia, filha de Piquerobi irmão de Tibiriçá.
Em novembro de 1549, chegava a São Vicente o Padre Leonardo Nunes, mandado até aí pelo padre Manoel da Nóbrega, superior da Companhia de Jesus no Brasil. Na pequena vila junto ao mar, fundada em 1532, entre outras incumbências, deveria ele dar início ao segundo colégio jesuíta da nova colônia portuguesa.
Subindo a serra, chegou a aldeia de Piratininga, onde conseguiu que muitos índios confiassem a ele seus filhos para doutrinar entre os brancos e, com estes meninos formar um Seminário junto ao Colégio de São Vicente.
De visita a esta casa, o Padre Manoel da Nóbrega ordenou que o colégio se mudasse da vila para o campo. Entre o mar e a serra, os sacerdotes estavam vulneráveis às investidas dos corsários e dos índios tamoios, que alguns anos mais tarde fariam aliança com os franceses no Rio de Janeiro.
Em conseqüência desta resolução, os padres deveriam escolher um sítio conveniente, no campo, para fundarem o seu Colégio. A localização de Santo André não era adequada pois, junto a serra a povoação poderia ser atingida sem que os moradores se dessem conta. No campo, entre os rios Tamandoateí e o ribeiro Anhangabaú, o terreno era perfeito.
Tibiriçá foi convencido a transferir sua aldeia para junto do colégio, que ajudou a construir, Recebeu o batismo com o nome de Martim Afonso e passou a viver na atual rua de São Bento, inicialmente denominada “Rua de Martin Afonso”.
O pequeno colégio fundado nas terras dos índios Guaianazes não poderia sobreviver sem o afluxo de maior número de moradores. Por determinação do Governador Geral Men de Sá, que em São Vicente se encontrava, Santo André foi mudada em 1560 para o campo que passou a chamar-se Vila de São Paulo de Piratininga, título esse transferido do povoado de João Ramalho ao povoado jesuíta.
Vendo movimento maior de estranhos habitantes, os Guaianazes perceberam as transformações a que estariam sujeitos, seus padrões de vida estavam ameaçados. Parte deles abandonaram as imediações do colégio, dirigindo-se para Pinheiros e outro grupo para Ururaí, hoje São Miguel Paulista.
Esta última região não lhes era estranha, de hábitos nômades conheciam o sertão vizinho de sua aldeia de origem. Ururaí representava um ponto ideal para fixação. Próximo ao ribeirão Baquirivu a ao rio Anhembi, tanto a comunicação com os meios de sobrevivência teriam sem muitas dificuldades. Estavam os Guaianazes vivendo a plenitude de seus hábitos, o que desagradava os recém chegados jesuítas e mais ainda Tibiriçá, que fiel aos sacerdotes, tinha agora seu irmão Piquerobi, chefiando os Guaianazes dissidentes.
Para tentar remove-los de sua rebeldia, os jesuítas foram até Ururaí, todavia, sem sucesso. A 3 de julho de 1562, Tibiriçá adverte Anchieta que um ataque a vila de Piratininga estava por ocorrer. Passados seis dias, a povoação foi cercada, tendo Piquerobi seu plano frustrado. A força dos Portugueses aí estabelecidos, lhe foi superior.
O cacique da aldeia de Ururaí nada tinha contra os jesuítas, mostrava-se rebelde aos intentos dos colonos europeus, vitoriosos agora. Instala-se definitivamente agora em ururaí, onde a partir de 1562, após o ataque, os sacerdotes passavam a visitar o aldeamento, dando seqüência ao trabalho de catequese já iniciado.
A aldeia de Piquerobi crescia e era alvo de atenções dos jesuítas que aqui edificaram uma pequena capela em louvor a São Miguel Arcanjo, orago cuja predileção demonstrava o padre José de Anchieta.
Em 1567 e em 1585, Ururaí foi visitada por emissários da Companhia de Jesus no Brasil. Nesta última ocasião, o Padre Cristóvão de Gouveia celebrou casamentos e batizou trinta índios. Anchieta tinha suas atenções divididas entre esta aldeia e outras três: Nossa Senhora da Conceição (Pinheiros), Barueri e Guarulhos.
São Paulo de Piratininga atraía forasteiros. Para que os índios de Piquerobi não fossem molestados, Lopo de Sousa, Donatário de São Vicente, lhes concedeu terras por sesmaria lavrada a 12 de outubro de 1580. Tinham início na Penha, até Itaquaquecetuba e Ferraz de Vasconcelos , limitando-se por outro lado com Mauá e Santo André.
Em 1585, contava a aldeia de Pinheiros e Ururaí, com um número aproximado de 1.000 habitantes. Em média a população de São Miguel era significativa para que recebesse um templo religioso maior, sabendo-se que defensivamente a pequena povoação poderia frear investidas inimigas do sertão para os campos de Piratininga. A nova capela foi edificada, símbolo da bravura dos Guaianazes que tentaram lutar contra o jogo colonizador.
Durante muito tempo, os membros da Câmara Municipal de São Paulo ficaram encarregados da administração da aldeia de São Miguel de ururaí, mas só se lembravam dos índios quando deles precisavam para uma expedição aos sertões ou levar socorro às províncias do litoral. Com longínquas expedições, a aldeia logo ficou despovoada dando lugar a outro colonos europeus que das terras passaram a tomar posse.
Em 1766, o Capitão Geral D. Luís Botelho de Sousa Mourão, que governava São Paulo, quis melhorar a sorte das aldeias. Tendo admitido que as terras indígenas estavam totalmente em mãos estranhas, ele pretendeu restituir aos seus legítimos donos os bens que lhes pertenciam.
Munido dos documentos de concessão de sesmaria, ordenou que medissem as terras concedidas aos índios Guaianazes. Ao iniciar, abandonou o projeto por perceber que se tratava de extensão maior do que se imaginava.
Em 1797, escrevia o Frei Gaspar da Madre de Deus: “os infelizes indígenas, descendentes dos antigos donos desta região, não possuem quase nada. Os brancos apossaran-se da maior parte de suas terras, ainda que isso só lhes tivesse sido perdido com a condição expressa de que os indígenas não fossem de forma alguma prejudicados” !


Bibliografia

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