Organizações indígenas ainda brigam por controle da Raposa Serra do Sol

Boa Vista - A saída dos grandes produtores de arroz e da maioria dos não índios da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, não encerrou a tensão entre organizações indígenas pelo controle e ocupação da reserva, de 1,7 milhão de hectares. A disputa entre indígenas ligados ao Conselho Indígena de Roraima (CIR) e à Sociedade de Defesa dos Indígenas Unidos de Roraima (Sodiu-RR) é visível dentro da reserva.

Na entrada da terra indígena, no local conhecido como Vila Surumu, a situação é a mesma de um ano atrás, quando os grandes produtores de arroz ainda ocupavam parte das terras: de um lado, famílias ligadas à Sodiu, que defendiam a permanência dos rizicultores; de outro, o grupo que representa o CIR e que exigia a saída dos não índios.

Os moradores da pequena comunidade dividida relatam que ainda há provocações entre os dois grupos e, principalmente, disputa para ocupar novas áreas.  Uma das polêmicas foi o processo de retomada das antigas fazendas produtoras de arroz. Na Fazenda Depósito, do líder arrozeiro Paulo César Quartiero, quatro pequenas casas foram construídas e, segundo o CIR, os arrozais foram transformados em pastos coletivos. “Nós tentamos entrar lá para fazer casas e o pessoal do CIR não deixou”, disse a indígena wapixana Arlete Soares.

Coordenador regional de tuxauas (caciques) da região do Surumu, o macuxi Rossildo de Oliveira reclama da convivência com os não índios que ainda vivem na Raposa e que puderam ficar porque são casados com indígenas. “Nós temos nosso jeito e nossa cultura e eles têm a deles. Não pode dar certo junto. Todos deveriam ter saído”, argumenta.

O principal problema, segundo o tuxaua, é o consumo e a venda de bebida alcoólica pelos brancos, o que é proibido por lei no interior de terras indígenas. “É mais uma prova de que eles deveriam ter saído, a cachaça está acabando com as nossas comunidades”, afirma. Oliveira disse que já comunicou à Fundação Nacional do Índio (Funai) a entrada de álcool na reserva e pediu que o órgão instale um posto de fiscalização para controlar a chegada de mercadorias proibidas.

Mesmo com o clima de discórdia, o funcionário público aposentado João Carneiro, de 74 anos, não pensa em deixar a Raposa Serra do Sol. Apesar dos olhos azuis, seu João se considera “quase um índio” e está na área há mais de 70 anos, mais de 50 deles casado com uma indígena macuxi. ”Não costumam implicar comigo aqui não. Ainda bem. Vamos ficando por aqui enquanto der. Não me acostumo com a vida de cidade”, contou seu João, em uma cadeira de balanço na varanda de sua casa, enquanto observava os porcos e galinhas criados soltos pelo quintal.

A macuxi Amazonina Carneiro, mulher de seu João, lamenta a ida dos filhos para Boa Vista após o fechamento das fazendas instaladas na Raposa. “Tiveram que ir, não tem mais emprego aqui, não tem mais de onde tirar um dinheirinho”.  Amazonina teme o isolamento da reserva nos próximos anos e diz que não quer mais viver sem estrada ou ser cuidada por um pajé. “Depois da homologação, pensei que a gente fosse se unir, mas não mudou nada. Índio nunca foi unido, pode olhar nos livros de história, não ia ser aqui que isso ia acontecer”.

Na última terça-feira (13), em entrevista à Agência Brasil, o coordenador-geral da Sodiu, Sílvio da Silva, não descartou a possibilidade de um conflito violento entre os dois grupos. “Alguém vai ter que ser sacrificado”, disse. O CIR e a Sodiu foram convocados para uma reunião na próxima semana com o presidente do Tribunal Regional Federal da 1° Região, desembargador Jirair Mengherian, para tentar diminuir a tensão entre os indígenas.


Índios dizem que saída de arrozeiros da Raposa Serra do Sol trouxe dificuldades



Boa Vista - As ruas vazias da Vila Surumu, na entrada principal da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, denunciam uma mudança na rotina dos moradores do povoado, a maioria indígenas da etnia Macuxi. A saída dos grandes produtores de arroz da reserva, há um ano, levou os empregos e a movimentação de caminhões pelas estradas de acesso às antigas fazendas.

“As coisas ficaram muito mais difíceis. Muita gente ficou desempregada. Até para conseguir um transporte para ir à cidade ficou pior, não passa mais ninguém aqui”, contou o agricultor Manoel Albuquerque, índio macuxi.

Albuquerque costumava comprar ração para o gado por R$ 8 o pacote com 30 quilos, diretamente nas fazendas, que utilizam um subproduto do arroz para produzir o insumo. Hoje, paga R$ 30 pela mesma quantidade e ainda tem que ir a Boa Vista, a 170 quilômetros, para comprar o produto.

A wapixana Arlete Soares, que mora na região há cerca de dois anos, comemora a tranquilidade com a saída dos arrozeiros. A disputa entre brancos e índios desencadeou alguns episódios violentos, com troca de tiros, flechas e até o uso de coqueteis Molotov. No entanto, a dona de casa também reclama do fim dos empregos que existiam nas grandes fazendas de arroz. “O clima de confusão acalmou, mas muita gente está tendo que sair daqui para trabalhar na cidade”.

Na comunidade do Cantão, 40 quilômetros reserva adentro, a realidade é semelhante. A dona de casa macuxi Rosa Almerinda Ramos acredita que a saída dos arrozeiros não era necessária. Segundo Rosa, o fato de os indígenas não terem produzido nada até agora nas antigas fazendas prova que a disputa por terras não era necessária. “Diziam que queriam trabalhar na terra, mas ninguém quer ir lá para colher com a mão, querem as máquinas. Terra não era o problema, está é sobrando agora”.

A  Raposa Serra do Sol tem área total de 1,7 milhão de hectares. De acordo com o Conselho Indígena de Roraima (CIR), 19 mil índios das etnias Macuxi, Wapixana, Patamona, Ingaricó e Taurepang vivem na área.

Para o macuxi Rossildo de Oliveira, as dificuldades não parecem maiores que a reconquista da terra de seus antepassados. O indígena, que é coordenador regional dos tuxauas (caciques) da região do Surumu, reconhece que em um ano os índios ainda não conseguiram produzir o que planejavam nas terras desocupadas e têm dificuldades até com a produção para subsistência. No entanto, Oliveira comemora o reconhecimento da demarcação da Raposa em área contínua e acredita que a organização da produção é uma questão de tempo.

“Hoje, a gente pode caçar e pescar em qualquer lugar e a qualquer hora do dia ou da noite. Antes, nossa liberdade era pequena, nossa terra estava fechada com cadeados. Também nunca mais vi nenhum peixe ou pássaro morto por aqui. Vivemos muito sufoco, temos é que comemorar mesmo”, justificou.

Desde ontem (15), a comunidade do Maturuca, na região central da Raposa Serra do Sol, é sede da Festa da Homologação, que vai até o dia 20. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é esperado segunda-feira (19), Dia do Índio.


via Agência Brasil


TAG