Entrevistas: Daniel Munduruku, Marlui Miranda e Uilton Tuxá

Série: Direitos Indígenas 
realizadas em Abril de 2005

Daniel Munduruku

Inbrapi quer usar propriedade intelectual para compensar exploração histórica

Daniel Munduruku é diretor presidente do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual, o Inbrapi, uma ONG que surgiu efetivamente em fevereiro de 2003, mas que começou a ser articulada em 2001, durante o Encontro de Pajés, ocorrido em São Luís do Maranhão. Nessa ocasião, reuniram-se lideranças espirituais indígenas com o interesse comum de promover a articulação dos povos indígenas brasileiros para discutir a questão da propriedade intelectual, com o intuito de proteger os conhecimentos tradicionais da biopirataria e da exploração por terceiros.
Formado em filosofia e especialista em antropologia social pela USP, Daniel Munduruku publicou diversos livros sobre pensamento indígena, pelos quais foi premiado nacional e internacionalmente.

ComCiência - O Inbrapi entende o conhecimento tradicional de uma forma oposta ao pensamento ocidental compartimentalizado? Qual é a relação que as comunidades indígenas estabelecem com a terra e com a natureza?
Daniel Munduruku - O Inbrapi defende o conhecimento sem ruptura entre mente e corpo. Isso significa que há uma diferenciação muito profunda entre ciência indígena e ciência ocidental. Nesse sentido, e segundo essa linha de raciocínio, os povos indígenas têm uma relação profunda com a natureza e o meio ambiente. Aí mora o primeiro ponto de diferença: os indígenas olham a natureza como um ser vivo interagindo com eles. Não costumam encará-la como objeto a ser dominado, explorado, vendido ou destruído. O segundo ponto é que o saber indígena é coletivo, não pertence a uma pessoa em particular, e sim a todos na comunidade.
A legislação construída sobre uma ótica ocidental não consegue sequer entender as razões e os motivos que regem os povos indígenas e sua ciência, como poderiam contemplar este saber? Assim, nessa nossa defesa do saber como o vemos, desejamos pelo menos que a lei siga a lei maior que é a Constituição.
ComCiência - É possível ampliar essa forma de pensar para a relação com a terra e para solucionar os conflitos em terras indígenas?
Munduruku -
Eu diria que o conflito de terra é fruto da ganância que o capitalismo implantou na sociedade. Esta é uma realidade da qual não podemos fugir e por isso temos que dialogar com a sociedade, no sentido de nos fazermos entender em nossas demandas. Entendo que o humano deve estar acima dos interesses individuais.
ComCiência - O conhecimento tradicional está relacionado com o sagrado para as comunidades indígenas, tanto é que a idéia do surgimento do Inbrapi se deu durante o Encontro de Pajés em 2001. É possível preservar essa visão e essa relação com o conhecimento, numa época em, que cada vez mais, conhecimento significa mercado, patentes etc?
Munduruku -
É preciso defender o direito de as pessoas pensarem diferente. Temos que salvaguardar o direito de dizer não a essa forma de conhecimento que detona as formas de organização que nossos povos estão mantendo há milênios. O Inbrapi é uma organização que nasceu com essa missão por acreditar que é possível conviver com a sociedade nacional de forma harmônica e respeitosa.
ComCiência - Como se caracteriza a luta pela proteção dos conhecimentos tradicionais? Ela se relaciona com o recebimento de royalties e patentes? Isso não reforça o sistema de patentes?
Munduruku -
Conhecimento tradicional é um método. Nossos povos vêm utilizando esse método há milênios. Lembre-se que os povos do primeiro mundo utilizam a mão-de-obra do terceiro mundo para enriquecerem cada vez mais. Eles – os do primeiro mundo – são os detentores do conhecimento científico e por isso são remunerados usando o mecanismo de propriedade intelectual, enquanto os do primeiro mundo são produtores desses produtos pensados por eles. Os povos indígenas também são detentores de uma ciência milenar riquíssima e desejada por todos, e não querem fabricar produtos e, sim, viver desse saber acumulado, quem sabe usando os mecanismos de propriedade intelectual.
ComCiência - Alguns movimentos sociais, como aqueles contra os alimentos transgênicos e o movimento de software livre lutam por uma flexibilização ou anulação dos direitos autorais, enquanto o movimento indígena luta pela repartição de benefícios incluída em um sistema de patentes. A luta dos indígenas não é contraditória com essas bandeiras?
Munduruku -
Acho que esses movimentos têm que continuar lutando por isso. É justo, e nós também defendemos isso porque a sociedade ocidental já tem explorado muito os pobres que ela criou. Agora, para os povos indígenas ela nunca deu nada, nunca repartiu nada. É isso que queremos forçar. Não há nada de contraditório nisso. Acredito que é uma forma justa de compensar as inúmeras degradações que fizeram com nossos povos.
ComCiência - Qual é a sua avaliação sobre a postura do governo brasileiro com relação à luta pelos direitos aos benefícios do conhecimento tradicional?
Munduruku -
Tirando o ministério do Meio Ambiente, que tem procurado ouvir os detentores do conhecimento tradicional, os outros ministérios têm tido uma posição meio débil. Isso é preocupante, pois mostra que o governo não está coeso.
ComCiência - No caso de haver compensação financeira pelo conhecimento tradicional, como será a administração dos recursos?
Munduruku -
Estamos pensando na constituição de um fundo, mas o seu gerenciamento ainda é uma incógnita que queremos resolver em breve. No caso de direitos autorais, entendemos que o Inbrapi pode servir de escritório de recebimento deles.
ComCiência - Como o senhor vê a presença de pesquisadores nas aldeias?
Munduruku -
Não sou contra a ciência ou a pesquisa. Sou contra aproveitadores, biopiratas e gente de má fé. Se construirmos regras claras para o acesso, certamente os pesquisadores serão bem vindos.



 Marlui Miranda

Projeto levou conhecimento sobre direitos autorais a comunidades indígenas

A produtora, compositora e cantora Marlui Miranda iniciou suas pesquisas sobre música indígena ainda na década de 1970. Seu projeto mais recente, iniciado há quatro anos, envolveu comunidades indígenas e jovens músicos do Amapá. O resultado da Ponte entre Povos foi lançado em fevereiro deste ano: um livro, três CDs e um grande espetáculo do qual participaram 20 indígenas do Oiapoque e do Parque Indígena do Tumucumaque, 13 estudantes de música erudita e a Camerata Atheneum formada por músicos da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo. Um marco importante do projeto foi a questão dos direitos autorais sobre o material produzido, conceito que a compositora teve que levar às comunidades indígenas para garantir a elas a proteção da propriedade intelectual sobre a sua arte.
ComCiência – Quando a senhora começou a se interessar pela música indígena?
Marlui Miranda -
Foi na década de 70, quando me dei conta de que desconhecia a música indígena. Eu ouvia alguns cantos, mas não sabia nada sobre eles. Mesmo assim tinha muita vontade de aprender. Meu primeiro impulso foi querer cantar. Mas logo percebi que para cantar teria que aprender muita coisa. Foi uma espécie de intuição. Eu estava justamente numa fase de redirecionamento da minha própria música e o encontro com a música indígena foi um marco na minha vida. Mas percebi que teria um trabalho muito grande pela frente. Existem 240 grupos indígenas no Brasil e se eu quiser posso passar a vida toda estudando isso, aliás, não apenas uma, mas duas, três, sete vidas. Por conta dessa diversidade é que também optei por uma abordagem mais ampla, que pudesse fornecer uma espécie de paisagem da música de vários grupos indígenas diferentes. Como artista é mais importante eu fazer isso do que fazer um trabalho mais específico e aprofundado como o dos antropólogos e cientistas sociais.Sempre considerei que o meu trabalho deveria ter essa abrangência, tentar mostrar a sonoridade da música dos povos indígenas no Brasil. O motor dessa escolha foi a afinidade musical.
ComCiência - Qual foi a principal dificuldade?
Marlui –
Descobrir as nuances de voz, que implicaram inclusive num trabalho teatral, porque é preciso compreender o personagem que está interpretando aquela música, não adianta pensar somente do ponto de vista técnico. Buscar esse personagem dentro de mim foi o mais difícil. Mas todo brasileiro tem um pouco de índio dentro de si, é só cavar um pouco que encontra. O principal foi me desligar da minha educação musical e criar uma forma de aperfeiçoamento vocal, porque os timbres e as colocações de voz dos indígenas são bastante diferentes da maneira em relação a que nós usamos.
ComCiência - E sobre o registro dessa música?
Marlui -
Outro dia recebi um e-mail de um jovem índio juruna, que está organizando um acervo multimídia e me pediu as minhas músicas. Eu expliquei que as músicas não são minhas, que sou fiel depositária de algumas, mas que eu disponibilizaria para ele o que eu tenho.
ComCiência - É interessante que ele, um jovem indígena, tenha escrito para a senhora porque, com o seu trabalho, a senhora está colaborando com o registro de uma cultura que muitos povos estão perdendo, muitas vezes porque os mais jovens não se interessam mais.
Marlui –
Eu tenho a impressão de que, introduzindo coisas novas, agregamos valor à cultura indígena. Abrimos para os mais jovens uma nova perspectiva a respeito da sua própria cultura: se eles souberem cantar, se fizerem um artesanato bem feito, da maneira tradicional, eles têm um lugar no mundo, inclusive naquele onde circula o dinheiro. Um exemplo disso foi esse projeto que fizemos. No começo foi problemático. Alguns queriam participar mas não entendiam o que era. E muitas pessoas se recusaram porque não havia como saber qual seria o resultado.
ComCiência - E quando viram o resultado?
Marlui -
Quando viram o livro e os CDs prontos as pessoas que não participaram ficaram arrependidas. Os indígenas que participaram do projeto até sugeriram que, numa próxima viagem para apresentações, outras pessoas pudessem ser escolhidas. Mas o processo de preparação, que consistiu numa espécie de oficina, durou três anos, e os espetáculos são apenas a parte final desse processo. O objetivo do projeto era criar um grupo que pudesse expandir a experiência entre eles, e mostrar que permanecer praticando a cultura, não esquecer a cultura, é crucial. E para isso é importante usar as ferramentas de que dispomos, seja pela publicação de um livro, um CD, apresentações.
Divulgação
Indígenas da etnia Palikur, em estudio para a gravação do CD Kiyeminaki
ComCiência - E como vocês resolveram a questão dos direitos autorais do material?
Marlui –
A minha prática era colocar as músicas como de autoria da comunidade, mas descobri, já em 1971, quando gravei uma música em meu CD Olhos D´Água, que a coletividade não poderia ser autora, porque isso, na verdade, anula o autor. A autoria, reconhecida legalmente, é de natureza individual. Existe um código de proteção de autoria e propriedade intelectual que não aceita a produção como coletiva.
Passei então a designar indivíduos. Achei a melhor solução tendo em vista a complexidade dessa questão. Por exemplo, se você é o autor de uma música, e eu tenho direitos recolhidos para repassar, mas eu repasso esses direitos para a associação que representa você e sua família: você compôs a música, mas o dinheiro é depositado para a sua família? Por isso é que foi depositado individualmente, em nome do autor, que foi comunicado ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), responsável pelo repasse dos recursos arrecadados com as apresentações, ou outras utilizações das músicas.
ComCiência - Esse nome fica registrado?
Marlui
- No CD consta uma ficha detalhada sobre quem são os autores, produtores, etc. Foi preciso também confeccionar a partitura das músicas e registrá-las na Funarte e na Biblioteca Nacional. Na apresentação que fizemos em São Paulo, no lançamento do livro e dos CDs, foi realizada uma mesa redonda pra discutir a questão dos direitos autorais. É um assunto muito novo para os indígenas, que não pode ser discutido aleatoriamente. É preciso colocá-los no mesmo patamar dos outros compositores, de recolhimento de direitos. Para eles, esse recolhimento é possível quando possuem número de telefone de contato, conta corrente no banco. No nosso projeto fizemos tudo isso para que eles fossem remunerados, de maneira justa, pelas músicas e apresentações.
ComCiência – E quanto ao patrocínio?
Marlui -
Há o patrocínio mas também há bilheteria. Recebemos apoio do Ministério da Cultura e do Sesc. Ao contrário do período de preparação, durante o qual contamos com o apoio do governos do Amapá, não tínhamos esse apoio governamental local na época posterior, das apresentações, mas o Sesc sempre apoiou e prestigiou o nosso trabalho, assim foi possível fazer essa obra completa. Espero que ela seja utilizada em sala de aula, pelos professores.
ComCiência - Ainda em relação aos direitos autorais, não são só as músicas, mas os trajes, conhecimentos, os mitos e os rituais. Como se calcula isso?
Marlui –
O livro, na medida em que contém fotografias, a descrição de rituais ou de mitos, acaba sendo um inventário e um registro importante, que funciona como uma forma de proteção porque tudo o que está publicado no livro necessita de autorização para ser utilizado.
Divulgação
Marlui Miranda acompanha gravação de música para sentar para tomar caxixi, bebida típica dos Palikur
ComCiência - Como você aprende uma música, um ritual? Como foi feito no caso do CD Ihu - Todos os sons?
Marlui –
Em relação ao Ihu, eu visitei várias comunidades indígenas, mas o pessoal do coral que participou do disco, não. As minhas visitas não eram muito longas, duravam até 30 dias. Por conta disso, naquela época, - 1993, 1994 - ficamos 2 anos trabalhando nas músicas. Muita coisa se aprende só na audição. Se alguém quiser aprender a música indígena, se quiser cantar, é só ouvir. Mesmo que você não vá à aldeia, acredito que a música possibilita, a qualquer um que esteja realmente disposto a ter um contato profundo, uma relação com a cultura indígena, mesmo longe. O projeto Ponte entre Povos tem como propósito fazer essa ligação. No Ihu só havia brancos cantando. Fui somando as vivências, brancos, indígenas, eruditos. Com os índios no palco, o ganho para eles e para nós é muito grande. Existe um português que eles entendem, há uma integração. O projeto era grande e tinha uma equipe ajudando. Era um grupo de 62 pessoas com grande participação de cada um.
ComCiência - Ainda com relação aos direitos autorais: de 1994 até agora, a senhora considera que houve uma mudança, uma evolução?
Marlui -
No caso das comunidades com quem eu trabalhei, eu mesma alertei. É necessário promover uma conscientização sobre direitos autorais. Mas dependendo de quem está fazendo isso, pode fazer errado. Os índios estão numa estaca zero em relação a esse assunto. Por isso, eles não sabem, muitas vezes como exigir um retorno. Por exemplo, quando cobram dinheiro dos antropólogos para que eles possam fazer pesquisa de campo. Os trabalhos científicos não podem ser onerados dessa maneira é preciso explicar que isso está sendo feito em favor da cultura. De modo geral, a conscientização sobre direitos autorais é um trabalho demorado. A linguagem jurídica e o português rebuscado, eles não entendem.
ComCiência - Existe uma idéia generalizada de que, para os índios, o conceito de propriedade é coletivo...
Marlui –
Isso é muito perigoso porque se for considerado coletivo, passa a ser considerado também, automaticamente, pela nossa legislação, como domínio público e aí as pessoas não recebem direito algum. Por isso eu nomeio cada autor. É preciso conhecer a comunidade em questão e as pessoas para saber quem deve ser considerado o autor. Em alguns casos tem que ser o chefe, que tem autoridade. Em outros, vai para uma associação porque eles mesmos preferem assim. O dinheiro dos direitos autorais é pouco, cerca de 50, 100 reais por trimestre. E eles têm muita expectativa. Como têm pouco dinheiro, dão muito valor a esses recursos. E estão conscientes de que sua música tem que ser paga para ser usada. E negociam os preços. Quem quiser usar tem que pagar os direitos.




 Uilton Tuxá

Para líder indígena participação política ainda é tímida

Uilton Tuxá é membro da Comissão Executiva da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e um dos apoiadores da mudança do Estatuto do Índio, para Estatuto dos Povos Indígenas, que garanta proteção dos direitos dos conhecimentos intelectuais, direito à posse coletiva sobre as terras indígenas e outros direitos, de forma que possam atender à atual demanda dos povos indígenas. A etnia Tuxá está localizada no Nordeste brasileiro, e em 1999, era composta de 1630 pessoas, segundo dados do Instituto Socioambiental.
ComCiência - Como você considera, no Brasil, a participação política dos indígenas, como eleitores e candidatos?
Uilton Tuxá -
A participação de eleitores e principalmente de candidatos indígenas cresceu nas últimas eleições, mas ainda continua muito baixa para o nível que pretendemos alcançar. Acreditamos que cerca de 70% dos indígenas no Brasil votaram nas últimas eleições, outros 30% não conseguiram pelo fato de não possuir os documentos necessários e até mesmo pela dificuldade do acesso aos locais de votação, implicando assim no entendimento sobre a importâcia que tem as eleições para a sociedade brasileira.
ComCiência - Qual a importância da participação do indígena na "política oficial"?
Tuxá -
Hoje, é consenso do movimento indígena no Brasil o fato de que, se quisermos ter os nossos direitos garantidos e respeitados diante do atual cenário político, é de fundamental importância que estejamos ampliando o número de parlamentares indígenas nas câmaras municipais e prefeituras e estender esse pleito às assembléias legislativas, câmara dos deputados e até ao senado para que possamos defender em linha horizontal os nossos direitos ameaçados pelos grupos de políticos antiindígenas no congresso nacional.
ComCiência - Que benefícios a eleição de indígenas trouxe para as comunidades indígenas?
Tuxá -
Na verdade não trouxe, pois até as eleições de 2004 tínhamos apenas dois prefeitos e 80 vereadores indígenas em todo o Brasil, e não existia nenhuma articulação entre esses parlamentares e com o movimento indígena por meio de suas organizações. Após as últimas eleições, em 2004, houve um pequeno aumento para quatro prefeitos e em torno de 95 vereadores indígenas, e existe hoje uma expectativa de se iniciar uma articulação sólida entre as organizações que compõem o movimento indígena e os parlamentares e lideranças indígenas, para chamar a responsabilidade desses parlamentares no sentido de que possam usar esses espaços em defesa dos direitos indígenas e também para que possamos juntos discutir e definir estratégias para o movimento indígena.
ComCiência - Os direitos do índio como eleitor e cidadão não entram em choque com a "tutela" prevista no chamado Estatuto do Índio (Lei 6001/73)? Qual a posição da Apoinme quanto à questão da tutela?
Tuxá -
Do ponto de vista da Apoinme, considerando a nossa realidade na região Leste/Nordeste achamos que “tutela” é algo ultrapassado para nós, pois lutamos em defesa dos nossos direitos constitucionais e do protagonismo da nossa história, é claro que compreendemos que existem alguns povos indígenas que precisam de uma assistência especial por parte do governo do Estado brasileiro, pelo fato de terem tanto contato com a sociedade não-indígena. Por outro lado, é preciso rever de que forma se dará essa proteção especial, caso mantenha-se o termo “tutela” é preciso argumentar de forma mais clara como irá acontecer na prática pois não aceitamos que o governo venha nos dizer o que temos que fazer, já sabemos de forma bem clara o que queremos do Estado e da sociedade brasileira. Queremos apenas os nossos direitos constitucionais garantidos e respeitados!
ComCiência - O que os movimentos indígenas têm feito para a aprovação do novo Estatuto das Sociedades Indígenas? Quais as principais mudanças em relação ao Estatuto do Índio?
Tuxá -
Não aceitamos a proposta de Estatuto das Sociedades Indígenas, e, sim "Estatuto dos Povos Indígenas". O movimento indígena através de suas organizações têm compreendido juntamente com as suas bases (comunidades) indígenas que o atual Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/73) está defasado, portanto, é preciso que os povos indígenas façam algumas alterações que julguem importantes como por exemplo: proteção dos direitos dos conhecimentos intelectuais, direito à posse coletiva sobre as terras indígenas e, pelo menos, à parte das riquezas do subsolo, adequação dos sistemas de educação e saúde de forma que possam atender à atual demanda dos povos indígenas, definir modelos de sistemas de proteção e gestão territorial sustentável etc.
ComCiência - Um dos novos desafios que os povos indígenas têm enfrentado está relacionado ao direito de propriedade intelectual do conhecimento. Nesse sentido a Constituição ou o Estatuto atual preveêm alguma proteção? Como as comunidades indígenas têm enfrentado na prática esse problema?
Tuxá -
Certamente é mais um grande desafio, e compreendemos que se faz necessário tornar mais claro no Estatuto dos Povos Indígenas. Para tanto, o movimento indígena está articulando uma revisão dos povos indígenas no Brasil nas propostas de Estatuto que tramitam pelo Congresso. Essa revisão será realizada em três oficinas regionais Leste/Nordeste, Sul/Sudeste e Norte/Centro-Oeste e finalizando com uma oficina nacional para que possamos tirar uma única proposta dos povos indígenas no Brasil a ser apresentada ao Congresso.
ComCiência - Qual a importância da criação do "Parlamento Indígena"? Qual o nível de articulação das sociedades indígenas atualmente para que o projeto de Parlamento seja efetivado?
Tuxá -
O único e exclusivo objetivo da criação do Parlamento é o fortalecimento do movimento, pois no Parlamento estariam contemplados organizações, lideranças e parlamentares indígenas. Esta instância de articulação teria um caráter interministerial e estaria lutando permanentemente em defesa dos direitos dos povos indígenas no Brasil.
ComCiência: Por que ainda não existem partidos indígenas no Brasil, já que eles estão presentes na maioria dos países da América Latina?
Tuxá -
Pelo fato de ainda não se ter uma idéia amadurecida. A idéia da viabilidade de um partido já seria uma importante contribuição para o fortalecimonte do movimento indígena no Brasil, mas ainda não está suficientemente clara.

via ComCiência
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