No final do primeiro dia do evento (9/4) que acontece em São Gabriel da Cachoeira, o formato circular de bancos tukano permitiu, como se fazia antigamente, que os velhos conhecedores se sentassem para uma profunda conversa sobre suas percepções dos ciclos de vida e mudanças climáticas. | ||||||||||||||
Assuntos como criação do mundo mítico, significado da maloca como casa do saber, benzimentos, até a inserção de novas tecnologias na vida indígena nortearam a conversa e o debate a partir da sabedoria dos velhos e de depoimentos emocionantes que enfatizaram a importância de não se esquecer dos conhecimentos de antigamente, quando se pensa em construir uma proposta de formação escolar superior. Abaixo, alguns trechos desses depoimentos:“É visível que temperatura aumenta cada ano, meu pai trabalhava o dia inteiro sem camisa e nunca reclamou que estava muito quente. Hoje com roupa, você não consegue trabalhar o dia todo, pois está cada vez mais quente”, Sr. Fernando José Baniwa. “O povo se preocupa também com o calor, os antigos já se preocupavam com o calor do sol, eles chamavam os raios de sol como “fogo do sol” que é muito prejudicial. Antigamente, só com o pensamento, os antigos conseguiam colocar esteiras, balaios no céu pra que o sol viesse com menos intensidade e isso já era uma preocupação com aquecimento”, (Manoel Tuyuka, Mandu).“Desde sempre nós índios somos uma sociedade natural, porque temos nosso território e somos daqui. O mundo vê os recursos naturais como uma fonte de dinheiro isso é o que sofremos hoje em dia. Não é simplesmente uma mudança climática, são mudanças de pensamento. Os lugares sagrados são uma parte nossa, enquanto que o mundo vê esses locais como fonte de recursos monetários pra retirar ouro, madeira e etc. Por isso o cambio climático é brusco, se não temos nossos lugares sagrados não há vida, pois é lá que tem ar, alimento, cura. Hoje em dia começa a chover quando não é pra chover, faz calor fora de época, isso é o que causa pobreza porque falta alimento, quando tem muita seca e muita cheia, não tem safra, não tem lugares pra caçar ou pescar. A natureza se regula por si só, não tem fertilidade na terra se chove muito”. (Maximiliano Makuna) “Cada povo tinha seu pajé que fazia os diagnostico e previa o que viria adiante, e o kumu, que era como um vacinador, e o baya, que cantava as músicas cerimoniais. Então, o pajé era um tipo de conhecedor que previa tudo, cada passagem da constelação já marcava o tempo, as doenças que vão acontecer. Pois, tudo para nós são gente, gente árvore, gente peixe, gente pedra. Pedra tem espírito, porque no mundo cientifico pedra é matéria, para nós a pedra também é gente”. (Guilherme Tenório Tuyuka) “Precisamos juntar os conhecimentos bons, tanto dos cientistas brancos como dos conhecimentos indígenas, a partir da união deles, podermos encontrar uma solução, um caminho que nos permita superar essa ameaça que estamos chamando do aquecimento global. Essa formação superior indígena tem que servir para isso, para poder juntar esses saberes, juntar forças intelectuais e espirituais, para poder transmitir os conhecimentos dos mais velhos para os mais novos, de modo que possa se fortalecer e encontra melhor caminho para superar essa ameaça”. (Maximiliano Menezes). O Seminário Manejo do Mundo, conhecimentos e práticas dos povos indígenas do Rio Negro é uma iniciativa da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e Instituto Socioambiental (ISA), com apoio do Instituto Arapyaú. O evento se encerra no dia 13 de abril. Saiba mais. | ||||||||||||||
| Manejo do Mundo pelos índios do Rio Negro é tema de seminário [09/04/2010] Teve início nesta sexta-feira, 9/4, em São Gabriel da Cachoeira (AM), noroeste amazônico, na Maloca da Foirn, mais um dos quatro seminários temáticos planejados para construir uma proposta de formação superior indígena para o Rio Negro. Com o tema Manejo do Mundo: conhecimentos e práticas dos povos indígenas do Rio Negro, o seminário que teve início hoje (9/4) tem como objetivo propiciar o diálogo entre várias concepções indígenas sobre manejo de recursos naturais, práticas de observação da natureza na constituição de calendários ecológicos, ciclo de vida dos animais e das pessoas; práticas de manejo ambiental que vêm sendo desenvolvidos pelas associações indígenas locais, discursos e articulações com diversos atores sejam cientistas, políticos, sociedade civil em torno da problemática das mudanças climáticas. O evento vai até dia 13/4. A iniciativa é da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro-Foirn e Instituto Socioambiental (ISA), com o apoio do Instituto Arapyaú. O Seminário de Arrancada foi o primeiro e aconteceu em agosto do ano passado. Teve como objetivo dar início à discussão para a proposta de formação e já trouxe direcionamentos importantes. Saiba mais. Manejo do Mundo e Mudanças Climáticas A necessidade de diálogo sobre o Manejo do Mundo na região do Rio Negro se deve ao crescimento da preocupação e da discussão sobre mudanças climáticas em todo lugar. Isso decorre do aumento do consenso na comunidade científica mundial de que o aquecimento global já é um fato presente, decorrente da excessiva concentração de gases de efeito estufa na atmosfera terrestre. E de que este fenômeno, por sua vez, decorre da emissão desses gases por meio da queima de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural e de usos inadequados da terra, como os desmatamentos e queimadas florestais. As percepções dos povos indígenas da região sobre alterações climáticas recentes são relevantes por se tratar de região remota, em que não há estradas ou desmatamentos, de modo a isolar causas locais de alteração climática. Já há uma abordagem indígena sobre o tema nas regiões do Tiquié e do Içana, afluentes do Rio Negro, e interesse mútuo de comunidades locais e pesquisadores por investigações compartilhadas. Diversas experiências de pesquisa têm acontecido na região, como a dos Agentes Indígenas Manejo Ambiental (Aimas) onde se desenvolvem a prática de registro diário do calendário das comunidades, tanto em seu aspecto sociocultural, quanto a observação dos ciclos de vida e seu manejo. Esse material é sistematizado, resultando em uma descrição e análise de cada ciclo anual, a partir das concepções indígenas. Essas pesquisas confirmam a abrangência dos sistemas indígenas de nomeação das estações. Há aqui uma ligação com a questão mais global das mudanças climáticas. Tendo em vista todo esse acúmulo de informações e experiências a idéia geral do seminário é levantar como essas concepções de ciclo de vida aliadas às pesquisas indígenas podem figurar numa formação superior indígena no Rio Negro, tendo como base os atuais problemas vivenciados pelas comunidades indígenas. O evento tem a participação de cerca de 100 pessoas. Entre convidados estão as escolas e associações indígenas do Rio Negro do lado brasileiro, indígenas e pesquisadores colombianos, como a AATZOT (Associación de Autoridades Tradicionales Indígenas de la Zona Tiquié), Acaipi (Asociación de los Capitanes Indígenas del Pira Paraná) e Fundación Gaia, além de convidados ligados a universidades e institutos de pesquisas nacionais e internacionais. Início dos trabalhos Na abertura, o diretor-presidente da Foirn, Abrahão França, disse que o seminário é a continuidade de um processo que ainda está caminhando, mas que tem diferenciais porque são os povos do Rio Negro que estão chamando tanto o poder público, quanto a academia para pensar conjuntamente um novo modelo de ensino superior. Já Beto Ricardo, do ISA, relembrou as conquistas do movimento indígena do Rio Negro junto com seus parceiros ao longo de anos de luta pelo reconhecimento e valorização do conhecimento indígena, principalmente por meio das escolas-piloto. Disse ainda que não foi fácil superar tantos desafios e descrença para construir novas propostas que servissem de modelos para se tornarem política pública específica e diferenciada para os povos indígenas. A mesa de abertura contou ainda com a presença de Elias Brasilino (diretor do Ifam – Instituto Federal do Amazonas) e de André Baniwa – vice-prefeito de São Gabriel da Cachoeira. De acordo com Elias Brasilino, as ações que o movimento indígena do Rio Negro tem conquistado, sobretudo no âmbito da educação, têm provocado mudanças profundas no sistema de educação, que obriga o Estado Brasileiro a pensar em se adequar e construir políticas junto com os índios. "A antiga Escola Agrotécnica Federal, hoje Ifam é um exemplo de mudança provocada a partir dos anseios das comunidades indígenas, hoje estamos com uma proposta pedagógica que procura atender a realidade local”, informou. O vice-prefeito de São Gabriel disse que é muito importante essa continuidade de debates por meio de temas estratégicos para uma formação superior, principalmente quando o assunto é manejo e mudanças climáticas. “Manejar o mundo é cuidar da natureza é assim que nós indígenas pensamos, é usar a natureza com responsabilidade, por isso é muito importante que esse tema seja discutido numa proposta de ensino superior”, afirmou André Fernando. O primeiro dia de seminário é dedicado a dois momentos importantes: a conversa com os velhos sabedores tradicionais de diversas regiões do Rio Negro, que apresentarão suas concepções sobre os ciclos de vida e mudanças climáticas globais. E ainda o lançamento do livro Manejo do Mundo: Conhecimentos e práticas dos povos indígenas do Rio Negro, o primeiro da coleção Conhecimentos Indígenas, Pesquisa Intercultural. De acordo com Aloísio Cabalzar, antropólogo do ISA e organizador da publicação, o livro é uma produção coletiva e sintetiza diversas pesquisas interculturais realizadas no Rio Negro. Saiba mais.
Programação do seminário 8 de abril – chegada dos convidados 9 de abril – Maloca da Foirn Manhã: 08:00h Credenciamento dos participantes Abertura do seminário – Foirn e ISA Apresentação dos participantes Objetivos do seminário – Aloisio e Lucia Leitura conjunta da Programação 1. Manejo do mundo: visão dos conhecedores indígenas sobre os ciclos de vida e mudanças climáticas globais – Introdução, Márcio Santilli Seção com os velhos – coordenadores: Maximiliano Menezes/FOIRN e Márcio Santilli/ISA; Aprígio Azevedo (Tukano/Tiquié); Alberto Lourenço (Baniwa/Içana); Fernando José (Baniwa/Içana); Pedro Lima (Tuyuka/Tiquié); Guilherme Tenório (Tuyuka/Tiquié); Guilherme Maia (Tukano/Iauaretê); Augustinho Kotiria (alto Uaupés); Luis Laureano (Baniwa/Itacoatiara-mirim); Mario Braga (Baniwa/Içana); Adriano de Jesus (Tariano/Uaupés); Maximiliano Garcia (Makuna/Pirá-Paraná) (Esta seção contará com a contribuição dos tradutores indígenas) Tarde – 14:30h Continuidade da seção dos velhos Debate Lançamento do livro Manejo do Mundo, primeiro da coleção Conhecimentos Indígenas, Pesquisa Intercultural 10 de abril – Maloca da Foirn Manhã 08:00h 2. Conhecimentos tradicionais sobre o manejo do mundo e a pesquisa indígena, coordenador: Nelson Ortiz (FGA); Higino Tenório (Tuyuka); Juvêncio Cardoso (Baniwa); Libardo Bolívar (Tatuyo); Luciano Pena (Tukano); Geraldo Veloso (Tariano) Debate 3. Sub tema: Calendário – Maloca da Foirn Tarde: 14:30h Mesa: Comunicações de pesquisas, coordenadores: Carla Dias e Gilton Mendes; pesquisadores convidados: Antonio Nobre (Inpa-Inpe); Melissa Santana (ISA); Maximiliano Makuna (Acaipi) - Escola Tuyuka – Marcos Resende Barbosa - Escola Baniwa – Alfredo Brazão - Acimet – Paulo de Abreu Lobo e Roberval Pedrosa - Escola Yupuri – Vicente Paulo Vilas Boas Azevedo Debate 11 de abril – Maloca da Foirn Manhã: 08:00h Grupo de trabalho sobre as duas mesas do dia anterior Tarde: 14:30h – Maloca da Foirn 4. Subtema – Manejo de paisagens florestais e agroflorestais Mesa: Comunicações de pesquisas, coordenadora: Manuela Carneiro da Cunha; pesquisadores convidados: Adeilson Lopes da Silva (ISA); Glenn Sheppard (MPEG); Laure Emperaire (IRD); Márcia Abraão (ICMBio); Marcos Schmidt; Pieter van der Veld (ISA) - Escola Baniwa – Armindo Brazão e Juvêncio Cardoso - Escola Tuyuka –José Ramos e Odilon Resende - Acimet – Celestino Azevedo (manejo da sorva) Debate 12 de abril – Maloca da Foirn Manhã: 08:00h 5. Subtema – Peixe e Caça Mesa: Comunicações de pesquisas, coordenadores: Aloisio Cabalzar e André Martini; pesquisadores convidados: Geraldo Mendes (Inpa); Jorge Gonzalez (FGA); professor/pesquisador do IF/AM – São Gabriel da Cachoeira - Eibec – Daniel Benjamim - Oibi – Mário Farias, coordenador do projeto Kophé Koyaanale: Manejo Pesqueiro na Bacia do Içana - Atriart/Aeitypp/Aeitu – Lucas Bastos e João Bosco Rezende - Aeity/OIDS: Orlando Moura, Ismael dos Santos, Cornélio Gonçalves, Rogelino Azevedo Debate Tarde: 14:30h – Maloca da Foirn Grupo de trabalho sobre a mesa do dia anterior e a mesa da manhã deste dia 13 de abril – Maloca da Foirn Manhã: 08:00h as 10:00h 6. Manejo do mundo e o ensino superior indígena do rio Negro. Como o tema Manejo do mundo: conhecimentos e práticas dos povos indígenas do rio Negro pode figurar numa formação superior indígena no rio Negro, considerando os atuais “problemas” vivenciados pelas comunidades indígenas? coordenadora: Lucia Alberta Andrade/ISA; André Baniwa (vice-prefeito de São Gabriel da Cachoeira); Beto Ricardo (ISA); Geraldo Veloso (CEPI); Gersem Luciano (CGEEI/MEC); Henio Barreto (IEB); Lucia V. Velthen (MCT); Manuela Carneiro da Cunha (Universidade de Chicago); Marta Azevedo (Unicamp); Sandra Milena Celis Hernández (Gaia); Tony Gross (Universidade das Nações Unidas/UNU/IAS) Tarde: 14h as 15h – Maloca da Foirn Apresentação da sistematização dos Grupos de Trabalhos Encaminhamentos e questões finais 16h – Maloca de Itacoatiara-mirim Festa de encerramento Obs. Haverá ainda sessões noturnas ou de final da tarde para projeção de filmes que tenham relação com o tema do seminário - Local: ISA
ISA | ||||||||||||||
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