Discurso de Aloizio Mercadante na cerimónia de homenagem a Pedro Teixeira



Em discurso na cerimonia em homenagem ao desbravador português Pedro Teixeira no Senado Federal Aloizio Mercadante destacou o papel preponderante do militar na garantia da Amazônia como território brasileiro. Destacou também a importância da unidade nacional do Brasil que muito se deve a atuação da Coroa Portuguesa nos tempos do Império. Além disso, defendeu o papel do Brasil no cenário mundial em relação ao aquecimento global e a preservação do meio ambiente. Ao final, convoncou uma nova sessão em homenagem a Pedro Teixeira para daqui a 30 anos, quando do aniversário de 400 anos da primeira expedição portuguesa a navegar todo o rio Amazonas.

Leia o discurso do senador na íntegra.



10/12/2009

Discurso de Mercadante sobre Pedro Teixeira, o desbravador português

Ao propor esta Sessão Solene, tive a intenção de homenagear o grande desbravador português Pedro Teixeira, um homem que, no século XVII, empreendeu uma jornada verdadeiramente épica. O maior dos bandeirantes continua a ser, nos dias atuais, um personagem pouco conhecido — e resgatar o nome de um dos fundadores pátrios, um dos ícones de nossa nacionalidade, é tarefa a cargo de todos os brasileiros.
A historiografia contemporânea tem mostrado que a História não é feita apenas de grandes vultos. Porém, havemos todos de reconhecer que, no seu curso inexorável, também há lugar para a emergência de figuras singulares, de homens que, em desafio aos limites de seu tempo, ousaram ir além, lograram obter sucesso onde outros fracassaram, extraíram materialidade onde havia tão-somente o sonho.
Tornou-se um lugar-comum afirmar que o Brasil é carente de heróis ou, por outro lado, que somos um país sem memória, no qual os grandes vultos são rapidamente relegados ao esquecimento. Por uma e outra razão, julgo premente a incumbência de resgatar o nome semi-esquecido de um personagem cuja envergadura impressiona a todos os que tomam conhecimento de suas façanhas. Planejo, portanto, apresentar projeto de lei para que o nome do desbravador amazônico Pedro Teixeira passe a constar do Livro dos Heróis da Pátria, o chamado “Livro de Aço” da nacionalidade. Também apresentarei projeto para que as façanhas de Pedro Teixeira constem dos livros didáticos brasileiros.
Essa dupla carência — de heróis e de memória — tem raízes no longo processo de construção da nacionalidade, uma experiência que os habitantes da Europa haviam solucionado há muito tempo. Porém, transplantados para terras americanas, já não se viam exclusivamente como europeus, embora não soubessem, ainda, o que vieram a ser.
Em verdade, Senhoras e Senhores Senadores, é disso que estamos tratando: da consolidação de uma utopia, o “lugar nenhum”, neologismo cunhado por Thomas Morus.
E de qual utopia estamos falando? Referimo-nos à antevisão do Brasil conforme hoje o conhecemos: miscigenado e multicultural, por um lado e, por outro, íntegro em seu território de dimensões continentais, incluindo a vastidão amazônica, um “lugar nenhum” que, hoje, impressiona a todos.
Conforme gosto de frisar, Senhor Presidente, Senhores Parlamentares dos estados amazônicos, a Amazônia, sobre ser do Brasil, é o Brasil. Não se trata de mero jogo de palavras, mas de uma sutil inferência semântica. A frase “A Amazônia é o Brasil” indica que a nossa identidade é profundamente ligada à Amazônia. De certa forma, a Amazônia nos define perante nós mesmos e perante o mundo. Nos define e nos engrandece.
Pois ao falar da Amazônia nos valemos sempre de dados superlativos. Trata-se de uma área imensa, correspondente a mais de 5,2 milhões de km2, espalhada pelos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima e parte de Tocantins, Mato Grosso e Maranhão. É uma das regiões com maior biodiversidade do planeta, possui a floresta tropical úmida mais extensa do mundo e o maior sistema fluvial do globo. A região amazônica caracteriza-se por sua magnitude: a extensão territorial, a diversidade de fauna e flora, os diferentes biomas, os rigores climáticos, os ricos reservatórios de água doce, a flora luxuriante, a variada composição étnica da população, os inúmeros recursos minerais, enfim, toda uma gama de fatores que resultam em uma complexidade única. Além disso, ela abriga 12% da população do País, o equivalente a 24 milhões de brasileiros, contribui com 8% do PIB e reúne todas as condições de continuar crescendo de modo sustentável e ambientalmente correto.
E isso não é tudo. Diante das transformações climáticas ocorridas em escala planetária, a Amazônia adquire uma dimensão estratégica ímpar, o que se converte em mais responsabilidade para nós, brasileiros. Tal responsabilidade ficará demonstrada claramente nesta reunião de Copenhague sobre mudanças climáticas, já que o Brasil apresentará meta concreta e ousada de redução de suas emissões pelo desmatamento. Sabemos cuidar de nossos recursos e sabemos combinar desenvolvimento com respeito ao meio ambiente. Não precisamos de conselhos e, muito menos, de ameaças a nossa soberania territorial, tão duramente conquistada por homens como Pedro Teixeira.
É este, portanto, o significado último da contribuição de Pedro Teixeira para a conformação territorial brasileira. Devemos a ele e a outros bravos bandeirantes quase a metade de nosso território atual e definitivo.
Aliás, Senhoras e Senhores Senadores, cabe aqui frisar, por oportuno, o papel preponderante da Coroa Portuguesa na defesa da integridade de sua colônia americana. Gerações de estudiosos e investigadores têm-se surpreendido com a manutenção de nossa unidade territorial, haja vista as peculiaridades da terra brasilis: imensa, pouco povoada, acossada por interesses estrangeiros, heterogênea étnica e culturalmente e, não por fim, “cercada” por uma imensidão de colônias castelhanas. Contra todas as expectativas, e muito em função da diligência lusitana, o Brasil manteve-se íntegro e em paz, ao passo que a América Espanhola fragmentou-se em vários países, alguns dos quais ainda remanescem em litígio.
 Mas, quando o assunto refere-se à defesa de nossas fronteiras e gradativa consolidação dos liames hoje em vigência, cumpre reconhecer o destacado trabalho da diplomacia brasileira, de cuja firmeza, preparo e argúcia constitui exemplo emblemático a figura do Barão do Rio Branco.
É o momento, então, de apresentar, de modo esquemático, o quadro histórico em que se moveu a figura quase mitológica de Pedro Teixeira.
Durante a União Ibérica, entre 1580 e 1640, desfizeram-se, na prática, os limites impostos pelo Tratado de Tordesilhas, o qual havia dividido, em 1494, o mundo conhecido e aquele ainda por ser desvelado entre os dois reinos peninsulares. A respeito de tal período, o da expansão ultramarina européia, asseverou o historiador francês Pierre Chaunu, recentemente falecido, que o mundo jamais seria o mesmo, por ter experimentado, de forma inaugural e definitiva, o maior movimento de interrelações entre culturas e povos de que se tem notícia.
O domínio da Casa de Habsburgo sobre vários países europeus, além das rígidas decorrências da bipartição das terras americanas recém-descobertas, resultou em uma situação fática de intensas disputas territoriais. Na região do baixo Amazonas, a presença de estrangeiros — sobretudo ingleses, franceses e holandeses — pressionava fortemente a soberania lusitana.
Não é difícil imaginar que as referidas incursões por terras brasileiras, em adição à presença das potências européias nas Guianas, acabariam por fragilizar, de modo talvez fatal, o domínio ibérico sobre toda a região amazônica.
Aqui se destaca o papel de Pedro Teixeira, um natural de Cantanhede, distrito português que tive o prazer de visitar, aqui muito bem representado por seu prefeito, Doutor João Pedro, a quem agradeço imensamente todo o apoio dado a esta nossa iniciativa.
Bom, os primeiros registros de sua presença no Brasil datam de 1607. Sete anos mais tarde, está muito bem documentada a participação de Pedro Teixeira no combate aos franceses. No período, convém lembrar, o projeto da França Equinocial ameaçava o domínio lusitano sobre a província do Maranhão. Foram freqüentes e intensos os embates, ao longo de mais de 15 anos, mas, ao final, Portugal prevaleceu militarmente. A essa altura, Pedro Teixeira já havia se desincumbido, com maestria, de diversas missões, como a que resultou na fundação da cidade de Belém, sob o comando do Capitão Francisco Caldeira de Castelo Branco, tendo-se destacado por sua bravura, determinação e arrojo em todas elas.
Contudo, a maior façanha de Pedro Teixeira foi, sem dúvida, a navegação do Rio Amazonas, na famosa expedição de 1637. No fim daquele ano, dois religiosos castelhanos chegaram a Belém provindos de Quito, no Equador. O feito causou espécie ao governador Jácome Raimundo de Noronha, que percebeu a oportunidade de assegurar para a Coroa Portuguesa vastas porções territoriais rio acima, em direção às possessões espanholas localizadas a Noroeste do continente.
É importante destacar a ousadia da empreitada e sua fina articulação estratégica. Nos estertores da União Ibérica, aproximava-se o momento de redefinir as fronteiras sul-americanas. As entradas e bandeiras paulistas já haviam se encarregado de ampliar nossas divisas a Oeste e, ao Norte, fazia-se necessário um esforço semelhante.
Senhoras e Senhores Senadores, quem quer que tenha viajado de barco pelos caudalosos rios amazônicos sabe das imensas dificuldades que ainda hoje vigoram nesse transcurso. Naquele longínquo 1637, os obstáculos eram infinitamente superiores. Resta-nos, apenas, imaginar algumas dessas dificuldades.
A logística era limitada, seja no que se refere às necessidades mais elementares de repor víveres, seja quanto à delimitação de sítios adequados para repouso e defesa. Grave obstáculo era a falta de conhecimento sobre a hidrologia regional, assim como a ausência de recursos náuticos. Em plena floresta equatorial, os aventureiros travavam luta desigual com o meio inóspito. Um ponto especial é o que se refere ao contato com os índios, como indicado em sua famosa Relação. Pedro Teixeira foi designado Capitão-mor por reunir características morais sólidas, mas, também, por possuir conhecimento das línguas indígenas, o que lhe possibilitaria, o mais das vezes, uma aproximação pacífica com os naturais da terra.
 Pois bem. Tendo recebido a ordem de subir o Amazonas, a expedição de Pedro Teixeira partiu do baixo Tocantins, sob sigilo, com 47 canoas, 70 soldados, 1.200 índios flecheiros e mais familiares civis, totalizando cerca de 2.000 pessoas.
Entre os objetivos dos argonautas se destacavam os seguintes itens, de acordo com o “Regimento” entregue ao Capitão-mor:
          1. que reconhecesse minuciosamente o rio até Quito;
          1. que verificasse os lugares onde se pudessem levantar fortificações;
          1. que velasse pela boa conduta dos expedicionários, de modo que, de bom trato e presentes oferecidos aos indígenas, resultassem relações de amizade e paz;
          1. por fim, uma instrução secreta, que ia encerrada em “carta de prego”, para “abrir só no regresso da viagem”.
O objetivo tão gravemente defendido era o de estender os domínios de Portugal até as terras da Perúvia, demarcando o território português até os Rios Napo e Juruá.
A jornada foi impressionante, a começar pela navegação contra a correnteza em barcos a remo, em meio à floresta desconhecida, sem guias experientes ou quaisquer mapeamentos prévios. Foram mais de 10.000 km, percorridos sinuosamente, incluindo a perigosa subida da cordilheira andina (2.800 metros até Quito), ao longo de 26 meses — mais de dois anos de privações de toda ordem! Para efeitos de comparação, registre-se que as caravelas de Pedro Álvares Cabral, com estrutura e tecnologia náutica muito superiores, demoraram 45 dias para aportar na Bahia — e cabe lembrar que sua nau capitânia era uma embarcação de 250 toneladas!
Um a um os objetivos foram atingidos, e a chegada a Quito foi saudada entusiasticamente pelos espanhóis. Porém, logo depois, uma nova avaliação tratou de avaliar realisticamente o alcance do feito luso-brasileiro. Em Lima, a capital do Vice-Reinado do Peru, foi detectado o significado daquela expedição, que abria aos portugueses a rota para os amplos depósitos metálicos sob controle espanhol. Precavido, Dom Luís Jerônimo Fernandes de Cabrera, o Vice-rei, tratou de determinar ao Capitão Pedro Teixeira, diplomaticamente, que “bem provido de munições e mantimentos, ele e seus companheiros regressassem com urgência para Belém, onde os seus serviços poderiam ser necessários na defesa da terra”.
O regresso da comitiva luso-brasileira foi acompanhado pelos freis Cristobal d’Acuña e André de Arthieda, incumbidos pelas autoridades espanholas de seguir com os navegantes, tomando nota das minúcias de navegação e recolhendo informações relevantes sobre pontos estratégicos e os costumes dos nativos. Consumada a viagem, os dois religiosos deveriam, ainda, avistar-se com o próprio rei, “em sua real pessoa”, para dar ciência “de tudo o que cuidadosamente tiverem notado no decurso da viagem”.
Ainda durante o percurso de volta, deu-se o episódio célebre em que o Capitão Pedro Teixeira requereu as terras exploradas, em nome do Rei de Espanha, mas para a Coroa Portuguesa: “Tomo posse destas terras, pela Coroa de Portugal, em nome do Rei Felipe IV, nosso senhor, rei de Portugal e Espanha”. O termo de posse, assinado por todos os oficiais expedicionários, foi providencial e serviu, mais de cem anos depois, em 1750, na assinatura do Tratado de Madri, para que Portugal  reivindicasse os territórios localizados no alto Amazonas. Territórios que posteriormente foram consolidados em nossas vastas fronteiras pela competente diplomacia brasileira.
Abro aqui um parêntese, Senhoras e Senhores Senadores, ilustres convidados, para discorrer sobre as homenagens prestadas a Pedro Teixeira nos dois lados do Atlântico. Entre nós, o grande trabalho de preservação do nome do bandeirante-mor tem sido feito pelas Forças Armadas, sobretudo pelos historiadores militares, mas também, de modo institucional, pelo Exército e pela Marinha.
Agora mesmo, a empresa do ramo de telecomunicações Vivo está implantando, no Município de Belterra, no seu Estado, a “Estação Rádio Base Pedro Teixeira”. Trata-se da primeira antena de telecomunicações móveis instalada naquela região da Amazônia, com tecnologia de terceira geração, a qual permite o acesso à Internet com banda larga móvel. Assim, a Vivo repete o pioneirismo de Pedro Teixeira, lançando-se numa empreitada que beneficiará uma região bastante remota do Brasil.
Recebi também, há poucos dias, a notícia de que a empresa de telefonia Portugal Telecom instituiu o “Prêmio Pedro Teixeira”, buscando incentivar e premiar trabalhos de estudantes entre 12 e 18 anos sobre esta figura histórica, estreitando os laços entre a juventude das duas nações co-irmãs. Os vencedores brasileiros irão a Castanhede, visitar o aprazível distrito que deu à luz esse herói de duas nacionalidades. Os premiados portugueses, por sua vez, gozarão do privilégio de visitar a nossa Amazônia e compreender, desse modo, a grandeza dos feitos de seu compatriota.
Mas isso não me parece ainda suficiente para homenagear esse herói esquecido. Precisamos fazer mais.
Senhoras e Senhores,
O Brasil vive um momento singular. O nosso país saiu da condição de “pais de futuro” para ser a “nação do momento”. Estamos crescendo e distribuindo renda, mesmo na crise, da qual saímos antes do que a maior parte das nações. Estamos superando muitos dos nossos problemas históricos e temos, hoje, um grande protagonismo internacional. Participamos, com destaque, de todos os grandes foros mundiais e somos vistos, com nossa vitalidade, nossa vocação para a negociação e nossa cultura tolerante e rica, como um exemplo a ser seguido. O Brasil é solução.
Nos falta, entretanto, resgatar a nossa autoestima, tão maltratada por décadas de falta de dinamismo econômico e político e de inserção subalterna. Para isso, nada melhor do resgatar a memória de heróis como Pedro Teixeira, que contribuíram decisivamente para tornar o Brasil literalmente grande. Também devemos resgatar a memória de Pedro Teixeira para estreitar os nossos laços com Portugal, nação que ajudou a criar a nossa identidade e a nos manter indivisos e únicos. Quem sabe o exemplo de Pedro Teixeira não inspirará também a celebração de um acordo justo e equilibrado entre o MERCOSUL e a União Européia.
Mas o exemplo maior que Pedro Teixeira nos legou tange à soberania. Pedro Teixeira lutou por ela como poucos, estendendo nossas fronteiras com enorme sacrifício. Num momento em que algumas vozes confundem defesa ambiental com neocolonialismo, nada melhor do que invocar a sua memória e o seu exemplo. Estamos na Amazônia há muito tempo. E a Amazônia está em nós há séculos.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, ilustres convidados, se, conforme assinalei no preâmbulo deste pronunciamento, a Amazônia é o Brasil, cumpre-nos relembrar a frase lapidar do General Rodrigo Octávio Jordão Ramos, a qual parece ecoar os feitos inexcedíveis de Pedro Teixeira: “Árdua é a missão de desenvolver e defender a Amazônia. Muito mais difícil, porém, foi a de nossos antepassados em conquistá-la e mantê-la”.
Era o que tinha a dizer!
Muito obrigado!
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