Num mercado de Manaus, fiz papel de turista americano, ao lado do diretor Alexandre Alencar. Com uma câmera escondida, demos flagrante num negócio ilegal: a venda de olhos, de órgãos sexuais e de óleo do boto vermelho. Foram dias de cão na Amazônia.
Fomos conhecer a primeira Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Brasil, em Mamirauá. Acompanhamos cientistas que estudam a vida do bicho que provoca fascínio no povo da região, o boto. Alugamos um barco para subir o rio Solimões, quase até a fronteira com a Colômbia. É uma região em que atuam traficantes de cocaína e de madeira.
O centro de pesquisas é assim, fica ancorado no meio de um rio. Nele, os cientistas recolhem as amostras dos botos. Para chegar até Mamirauá, voamos de Manaus a Tefé, também no estado do Amazonas. Depois foram mais oito horas de barco.
Na imaginação dos pescadores, o boto é capaz de se transformar numa mulher sedutora. Ou de assumir o corpo de um homem para engravidar adolescentes. Pesquisadores, estagiários e pescadores trabalham juntos.
Na foto acima, eles devolvem um boto ao rio. É a Ciência reconhecendo a importância da sabedoria popular. O trabalho mais difícil fica por conta dos pescadores: cercar e capturar o boto vermelho vivo, numa rede.
Levado para o laboratório, o bicho é marcado. São recolhidas amostras de sangue e de leite, no caso das fêmeas. O animal tem uma capacidade de cicatrização que surpreende os estudiosos. Eles querem entender que tipo de substância ajuda o bicho a se curar rapidamente de ferimentos. Do estudo pode resultar um remédio aplicável em seres humanos.
Na foto, o cientista marca um boto capturado. É um processo indolor, feito com gelo seco. Se o bicho for recapturado no futuro, os cientistas saberão detalhes do crescimento do boto. O boto vermelho corre risco de extinção. É bem mais raro que o boto cinza. Quando cai na rede dos pescadores, quase sempre é sacrificado, porque rende um bom dinheiro no mercado negro.
Os olhos do boto são considerados um poderoso amuleto na região. Os órgãos sexuais são vendidos como afrodisíaco. E o óleo do boto, usado como perfume, teria o poder de atrair mulheres. Não pudemos comprovar nenhuma destas crenças. Durante os dez dias de viagem, só atraímos nuvens de piuns, mosquitos chupa-sangue que quase nos deixaram anêmicos. Em nosso barco, chamado Picão, a cozinheira produzia diariamente pratos à base de pirarucu - o maior peixe de água doce do mundo.
Depois das gravações, subíamos ao andar superior do barco, onde havia um antena parabólica. Sentávamos com a tripulação para ver as novelas e, principalmente, as partidas da Seleção Brasileira nas eliminatórias da Copa do Mundo.
Mamirauá é um lugar fascinante. Navegando pelos rios da região, nossos sentidos foram bombardeados por imagens espetaculares: os botos e pirarucus saltando na água, bandos de aves coloridas atravessando o céu, árvores do tamanho de arranha-céus e, à noite, as águas iluminadas pelos olhos de jacarés. Se me pedissem uma descrição do paraíso, eu diria que fica em Mamirauá
(Publicado originalmente em 2005 e editado em outubro de 2007)
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