O doutor Drauzio Varella nos acompanhou na expedição. O barco que aparece na foto é um laboratório flutuante. A expedição pela Amazônia é parte de um projeto de uma universidade paulista. Entramos selva adentro recolhendo amostras de árvores e plantas. Além da equipe do Globo Repórter, um guia local e assistentes do doutor Drauzio fizeram parte da expedição.
O médico se entendia muito bem com os ribeirinhos, usando o linguajar local. Falava com sotaque caipira, parecido com o do interior de São Paulo. Na casa de nosso guia, tentei usar um facão para cortar cana-de-açúcar. Erradamente, apontei a lâmina contra minha mão ao fazer o corte. Não deu outra: quase decepei o dedo indicador da mão esquerda. As instruções do doutor Drauzio foram simples: "Lave o dedo com água e sabão até limpar o ferimento." Depois, ele fechou o corte usando esparadrado cirúrgico. Fiquei desconfiado do tratamento.
As amostras recolhidas pela expedição na Amazônia são catalogadas. Depois, são trazidas para um laboratório de São Paulo. Uma equipe estuda a composição das folhas e plantas. Tenta descobrir se elas podem ser usadas para desenvolver remédios. "É um trabalho difícil, mas quem sabe não está escondida aqui a cura do câncer?", disse o doutor Drauzio apontando para a floresta. Muitas drogas foram desenvolvidos com o uso de substâncias encontradas em árvores e plantas. O taxol, extraído da casca de uma árvore do Canadá, foi aplicado com sucesso no tratamento de alguns tipos de câncer.
Seguro um filhote de jibóia que nosso guia mantinha em casa, como bicho de estimação. O dedo ferido ainda estava sangrando. Na viagem, me dei conta da criatividade dos ribeirinhos. A vida deles é dividida em duas temporadas. Na de chuva, a água dos rios sobe alguns metros.Os moradores ficam isolados dentro de casa.Só saem de barco.
Os animais domésticos são mantidos em estruturas flutuantes.Até as hortas são suspensas. Se a água alcançar o piso da casa, há um sistema para pendurar todos os móveis nas vigas de madeira do teto.As crianças são obrigadas a se virar desde cedo. Numa viagem anterior à Amazônia, fiquei boquiaberto diante de um menino de seis anos que era exímio pescador de piranhas. Meninos e meninas vão para a escola sozinhos, remando pequenos barcos em rios imensos.Na expedição com o doutor Drauzio, nosso guia caminhava pelo mato explicando o uso medicinal de cada uma das plantas e árvores.Tinha herdado o conhecimento dos índios.É uma questão de necessidade: para chegar ao hospital mais próximo são necessárias algumas horas de viagem. Um entrevistado nos contou de expedições de cientistas estrangeiros. Traziam presentes, consultavam os moradores sobre as plantas medicinais e recolhiam amostras de tudo. Se o Brasil não se apressar, vai pagar caro para importar drogas desenvolvidas a partir de plantas brasileiras.
Quanto ao tratamento do doutor Drauzio, deu certo. Hoje não há sinal de que um dia, na Amazônia, quase decepei um dedo.
via Vi o Mundo
(Publicado originalmente em 2006)
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