Estão catalogadas mais de 180 línguas indígenas em uso corrente no Brasil. Mas, pela primeira vez, três delas ganharam a condição de idiomas oficiais, ao lado do português (que é declarado idioma oficial do Brasil pela Constituição Federal). Em um município do Amazonas, São Gabriel da Cachoeira, já vigora uma lei que co-oficializa as línguas Nheengatu, Tukano e Baniwa: a lei 145/2002, aprovada no dia 22/11/2002, que foi proposta pelo vereador indígena Camico Baniwa, a partir de um projeto elaborado pelo Instituto de Investigação e Desenvolvimento de Políticas Lingüísticas (Ipol) a pedido da Federação das Organizações Indigenas do Rio Negro (FOIRN):
São Gabriel da Cachoeira dista 1.601 km a noroeste de Manaus, pelo Rio Negro,
ou apenas 847 km em linha reta
ou apenas 847 km em linha reta
Lei nº. 145 de 11 de dezembro de 2002
Dispõe sobre a co-oficialização das Línguas Nheengatu, Tukano e Baniwa, à Língua Portuguesa, no município de São Gabriel da Cachoeira/Estado do Amazonas
O Presidente da Câmara Municipal de São Gabriel da Cachoeira/AM
FAÇO saber a todos que a Câmara Municipal de São Gabriel da Cachoeira/Estado do Amazonas decretou a seguinte:
LEI:
Art. 1°. A língua portuguesa e o idioma oficial da República Federal do Brasil
Parágrafo Único - Fica estabelecido que o município de São Gabriel da Cachoeira/Estado do Amazonas, passa a ter como línguas co-oficiais, as Nheengatu, Tukano e Baniwa.
Art. 2°. O status de língua co-oficial concedido por esse objeto, obriga o município:
§1°. A prestar os serviços públicos básicos de atendimento ao público nas repartições públicas na língua oficial e nas três línguas co-oficiais, oralmente e por escrito:
§2°. A produzir a documentação pública, bem como as campanhas publicitárias institucionais na língua oficial e nas três línguas co-oficiais.
§3°. A incentivar a apoiar o aprendizado e o uso das línguas co-oficiais nas escolas e nos meios de comunicações.
Art. 3°. São válidas e eficazes todas as atuações administrativas feitas na língua oficial ou em qualquer das co-oficiais.
Art. 4°. Em nenhum caso alguém pode ser discriminado por razão da língua oficial ou co-oficial que use.
Art. 5°. As pessoas jurídicas devem r também um corpo de tradutores no município, o estabelecido no caput do artigo anterior, sob pena da lei.
Art. 6°. O uso das demais línguas indígenas faladas no município será assegurado nas escolas indígenas, conforme a legislação federal e estadual
Art. 7°. Revogadas as disposições em contrário.
Art. 8°. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala de Sessões da Câmara Municipal de São Gabriel da Cachoeira/Estado do Amazonas, em 11 de dezembro de 2002.
DIEGO MOTA SALES DE SOUZA
Presidente da Câmara Municipal
Presidente da Câmara Municipal
Segundo Gilvan Müller de Oliveira, lingüista do Ipol (entidade sediada em Florianópolis/SC), o trabalho - por ele realizado junto com o advogado Márcio Rovere - teve como preocupação fundamental respeitar o artigo 13 da Constituição Federal, que determina o português como língua oficial da União. Para ele, a aprovação da lei mostra como a legislação pode ser utilizada para o fomento e a defesa da diversidade e da pluralidade.
A lei estipula, que, no prazo de até cinco anos, os órgãos públicos sediados no município de São Gabriel da Cachoeira e a iniciativa privada deverão ter funcionários aptos a atender aos seus cidadãos em português, Nheengatu, Tukano e no idioma Baniwa. O município deverá dispor de tradutores oficiais, e as leis e documentos do poder público deverão ter versões nessas três línguas. A esse respeito, o Ipol anunciou que manterá sua parceria com a Foirn - entidade fundada em 1984 e que congrega 42 associações indígenas - e com outras entidades da sociedade civil, para gerar um corpo técnico de tradutores.
"É importante ressaltar que a lei não interfere nas práticas escolares e não entra em contradição com a legislação de educação escolar indígena. O artigo 6º dessa lei diz que o uso das demais línguas indígenas faladas no município será assegurado nas escolas", afirma a assessora da organização não-governamental (ONG) Instituto Socioambiental (ISA), Marta Azevedo.
O direito das escolas indígenas lecionarem a língua de sua comunidade está garantido em toda a legislação sobre educação indígena. O objetivo da nova lei é garantir o direito dos cidadãos indígenas habitantes nesse município de entenderem e se fazerem entender quando em diálogo com os poderes públicos.
Com 95% da população sendo de origem indígena, São Gabriel da Cachoeira é possivelmente o lugar mais plurilíngüe das Américas: um município de 112 mil km² (maior que Portugal ou Santa Catarina) onde se falam 22 línguas indígenas, de quatro troncos lingüísticos diferentes (Tupi-Guarani, Tukano Oriental, Maku e Aruak). Além disso, é possivelmente o único lugar no mundo em que o critério de casamento tradicional (no caso dos povos Tukano) é lingüístico (exogamia lingüística: um homem não pode se casar com uma mulher falante da mesma língua que ele). Já o Nheengatu (língua geral de base Tupi) foi introduzido pelos missionários e é falado pelos povos Baré, Werekena e algumas comunidades Baniwa.
São Gabriel da Cachoeira/AM, na margem do Rio Negro
Fotos: site pessoal de Gabriel (http://www.obsis.unb.br/pt/fotos/gabriel01.htm), março/2002
Fotos: site pessoal de Gabriel (http://www.obsis.unb.br/pt/fotos/gabriel01.htm), março/2002
Nas páginas do Instituto Socioambiental (ISO) há mais informações sobre o tema, a seguir transcritas:
Associação recém-criada quer preservar a língua nheengatú Nascida do tupi e disseminada pela Amazônia desde o século XVI, o nheengatú é uma língua importante na região do Rio Negro, onde é falada pelos índios Baniwa, Baré e Werekena. Para preservá-la, manter os traços culturais de quem a fala e apoiar projetos de educação indígena, foi criada, no Rio Negro, a Sociedade Nheengatú (SNH)
"Língua boa". Este é o significado do termo nheengatú, que os índios na região norte do país usaram para nomear a língua de contato entre eles e os missionários e colonos europeus. Até o século XVIII, era a língua mais falada em todo o país, em duas variantes principais: o nheengatú da Província do Grão-Pará e a língua geral do sul do Brasil.
A origem do nheengatú, de acordo com estudo do padre Afonso Casasnovas, autor do livro Noções de Língua Geral ou Nheengatú, remete à chegada dos portugueses ao Brasil. Naquela época, a faixa litorânea compreendida entre os atuais estados de São Paulo e Maranhão era habitada predominantemente por índios tupinambá, que falavam o tupi. Como os colonizadores vinham para o Brasil, em sua maioria, sem mulheres, passavam a ter parceiras indígenas. Os filhos nascidos desses relacionamentos mantinham o tupi como língua materna.
Chamada de "língua geral" pelo Padre Anchieta, o tupi foi levado ao interior e ao norte do país durante o período das Entradas e Bandeiras, como estratégia de comunicação em regiões plurilingüísticas. Com o passar do tempo, a "língua geral" tornou-se distinta da falada em outras áreas do Brasil e conseguiu penetrar até em regiões onde nunca tinham vivido povos tupinambá. Assim, o nheengatú transformou-se na "língua geral" amazônica, como veículo da catequese e da vida cotidiana. Hoje, é falada por diversas comunidades dos rios Negro, Xié e no baixo Içana . "O nheengatú ajuda a comunicação com índios de outras regiões, mesmo com diferenças de pronúncia. Eu adoraria que tivesse um projeto como esse [da SNH] para a língua Baré", diz Maria Cordeiro da Costa, índia baré nascida na Venezuela, que trabalha na Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), em São Gabriel da Cachoeira. O idioma original dos Baré foi suplantado pela língua geral amazônica há mais de dois séculos.
Por ser uma língua basicamente oral, o nheengatú está se descaracterizando e sendo substituído pelo português. Segundo o lingüista Gilvan de Oliveira, este processo ocorre desde o século XIX, quando cerca de 500 mil imigrantes nordestinos levaram o português à região amazônica durante o ciclo da borracha. "Agora, as comunidades que falam nheengatú e as que antes falavam, querem resgatar a língua que muitos não falam mais " , explica Antenor Lutero Costa, presidente da recém-criada Sociedade Nheengatú e pertencente à etnia Baré. "O resgate é importante tanto como elemento cultural, quanto como veículo para comunicação entre povos e para o melhor desenvolvimento do trabalho das escolas indígenas".
Gilvan de Oliveira afirma que a criação da sociedade está relacionada aos cursos de formação de professores indígenas da região do Rio Negro. É que foi do intercâmbio entre esses profissionais, de diferentes etnias e conhecimentos lingüísticos, que surgiu a idéia de se preservar e reavivar o nheengatú. Para o planejamento de cursos, oficinas e materiais didáticos com vistas ao fortalecimento do nheengatú, a SNH contará com a parceria do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Políticas Lingüísticas (Ipol), cuja equipe é integrada por Oliveira. Um exemplo do tipo de iniciativa a ser promovida pela SNH é o curso de 60 horas ministrado a 34 índios Mura. Eles estão buscando revitalizar a língua, que há duas gerações era falada pela maioria de seu povo.
Também está previsto para novembro, no município de São Francisco, no médio Rio Amazonas, um curso de uma semana de duração, quando a equipe da associação se reunirá para determinar os futuros trabalhos, que deverão incluir um programa de rádio em Nheengatú, cursos de capacitação e projetos de inserção da língua nos currículos escolares. A criação da SNH pode ser mais um passo rumo à oficialização, em nível municipal, das línguas mais faladas na região do Rio Negro, que são o baniwa, o tukano e o nheengatú.
Mas há quem não concorde. Aryon Dall'Igna Rodrigues, autor da obra de referência nacional Línguas Brasileiras, acredita que uma vez que o nheengatú não é natural da Amazônia, não deveria ser oficializada como tal. De qualquer maneira, Rodrigues, que foi informado da criação da SNH pela reportagem do ISA, considerou a proposta interessante e pretende acompanhar de perto os trabalhos da associação.
Para quem não sabe, o nheengatú possui grande influência sobre a cultura brasileira, sendo responsável por cerca de 10 mil palavras da língua portuguesa falada no país. Basta lembrar algumas já incorporadas ao nosso cotidiano como araponga, jacaré, jararaca, caatinga, cana, ipê etc. Além do mais, o nheengatú é a base de tradições, lendas e histórias, que podem ser encontradas em livros antigos, escritos na língua original.
Ricardo Barretto, ISA, 10/09/01
São Gabriel da Cachoeira, na margem do Rio Negro
fonte
Lei que oficializa línguas indígenas será apresentada em reunião do MEC
10/03/2003
ISA - A lei do município de São Gabriel da Cachoeira (AM) que co-oficializa as línguas Nheengatu, Tukano e Baniwa será apresentada durante a reunião extraordinária sobre educação escolar indígena que será promovida pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Conselho Nacional de Educação. O encontro começa amanhã, 11/03, e vai até 13/03.Essa é a primeira vez no Brasil que línguas indígenas são reconhecidas como co-oficiais ao lado da língua portuguesa. A lei 145/2002, aprovada no dia 22/11/2002, foi proposta pelo vereador indígena Camico Baniwa, a partir de um projeto elaborado pelo Instituto de Investigação e Desenvolvimento de Políticas Lingüísticas (Ipol) a pedido da Federação das Organizações Indigenas do Rio Negro (Foirn).
Segundo Gilvan Müller de Oliveira, lingüista do Ipol, o trabalho teve como preocupação fundamental respeitar o artigo 13 da Constituição Federal, que determina o português como língua oficial da União. Para ele, a aprovação da lei mostra como a legislação pode ser utilizada para o fomento e a defesa da diversidade e da pluralidade.
A lei estipula que, no prazo de até cinco anos, os órgãos públicos sediados no município de São Gabriel da Cachoeira e a iniciativa privada deverão ter funcionários aptos a atender aos seus cidadãos em português, Nheengatu, Tukano e no idioma Baniwa. O município deverá dispor de tradutores oficiais, e as leis e documentos do poder público deverão ter versões nessas três línguas. A esse respeito, o Ipol anunciou que manterá sua parceira com a Foirn e com outras entidades da sociedade civil, para gerar um corpo técnico de tradutores. Também está previsto pela lei que o município de São Gabriel da Cachoeira deve incentivar e apoiar o aprendizado e o uso das línguas co-oficiais nas escolas e nos meios de comunicação.
"É importante ressaltar que a lei não interfere nas práticas escolares e não entra em contradição com a legislação de educação escolar indígena. O artigo 6º dessa lei diz que o uso das demais línguas indígenas faladas no município será assegurado nas escolas", afirma a assessora do Instituto Socioambiental (ISA), Marta Azevedo. O direito das escolas indígenas lecionarem a língua de sua comunidade está garantido em toda a legislação sobre educação indígena. O objetivo da nova lei é garantir o direito dos cidadãos indígenas habitantes nesse município de entenderem e se fazerem entender quando em diálogo com os poderes públicos.
Na região do município de São Gabriel da Cachoeira são faladas 22 línguas pertencentes a 3 famílias lingüísticas: Tukano Oriental, Aruak e Maku. Além dessas, o Nheengatu (língua geral de base Tupi) foi introduzido pelos missionários e é falado pelos povos Baré, Werekena e algumas comunidades Baniwa.
Confira o texto na íntegra da lei abaixo e o parecer de Gilvan Müller a respeito.
LEI No. 145 DE 11 DE DEZEMBRO DE 2002
Dispõe sobre a Co-Oficialização das Línguas
NHEENGATU, TUKANO e BANIWA, a Língua
Portuguesa no município de São Gabriel da
Cachoeira/Estado do Amazonas
O Presidente da Câmara Municipal de São Gabriel da Cachoeira/AM
FAÇO saber a todos que a Câmara Municipal de São Gabriel da Cachoeira/Estado do Amazonas decretou o seguinte:
LEI:
Art. 1°. A língua portuguesa e o idioma oficial da República Federal do Brasileira
Parágrafo Único – Fica estabelecido que o município de São Gabriel da Cachoeira/Estado do Amazonas, passa a ter como línguas co-oficiais, as Nheengatu, Tukano e Baniwa.
Art. 2°. O Status de língua co-oficial concedidos por esse objeto, obriga o município
§1°. A prestar os serviços públicos básicos de atendimento ao público nas repartições públicas na língua oficial e nas três línguas co-oficiais, oralmente e por escrito:
§2°. A produzir a documentação pública, bem como as campanhas publicitárias institucionais na língua oficial e nas três línguas co-oficiais
§3°. A incentivar a apoiar o aprendizado e o uso das línguas co-oficiais nas escolas e nos meios de comunicações.
Art. 3°. São válidas e eficazes todas as atuações administrativas feitas na língua oficial ou em qualquer das co-oficiais.
Art. 4°. Em nenhum caso algu~em pode ser discriminado por razão da língua oficial ou co-oficial que use.
Art. 5°. As pessoas jurídicas devem r também um corpo de tradutores no município, o estabelecido no caput do artigo anterior, sob pena da lei.
Art. 6°. O uso das demais línguas indígenas faladas no município será assegurado nas escolas indígenas, conforme a legislação federal e estadual
Art. 7°. Revogadas as disposições em contrário.
Art. 8°. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala de Sessões da Câmara Municipal de São Gabriel da Cachoeira/Estado do Amazonas, em 11 de dezembro de 2002.
DIEGO MOTA SALES DE SOUZA
Presidente da Câmara Municipal
Nheengatu, Tukano e Baniwa, primeiras línguas indígenas a virarem oficiais no Brasil
Sexta, 14 Fevereiro 2003
Em passado dia 22 de Novembro, foi aprovada pela Câmara do Vereadores de São Gabriel da Cachoeira a Lei de Co-oficialização do Nheengatu, Tukano e Baniwa no município, sito no Alto Rio Negro, no Amazonas. Trata-se da primeira vez na história do Brasil que uma (neste caso três) línguas indígenas são elevadas, por lei, ao status de língua oficial. O projeto foi solicitado ao IPOL pela Federação das Organizações Indigenas do Rio Negro (FOIRN), entidade fundada em 1984 e que congrega 42 associações indígenas durante sua assembléia geral de janeiro de 2000, na presença de 513 delegados. [+...] O trabalho foi feito por uma equipe do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística – IPOL, em conjunto com o advogado Márcio Rovere, e desenvolveram o conceito de co-oficialização para sinalizar total respeito ao artigo 13 da Constituição Federal, pelo qual o português é a língua oficial da União. Pelo projeto apresentado, todos os órgãos da prefeitura e dos demais poderes sediados no município, inclusive a iniciativa privada, devem dispor de funcionário para atender aos cidadãos em português e nas três línguas co-oficiais; a documentação da prefeitura deve ser produzida nas quatro línguas; todas as escolas sediadas no município ensinarão pelo menos uma das línguas indígenas co-oficiais, mesmo que não sejam escolas indígenas, além de outros pontos. As medidas têm um prazo de cinco anos para entrarem em vigor, prazo no qual a equipa do IPOL continuará trabalhando, com a FOIRN e outras entidades da sociedade civil, de maneira a disponibilizar recursos, gerar corpo técnico para a elaboração das traduções, etc. A aprovação dessa lei (145/2002) é de grande importância no contexto das discussões sobre o Projeto de Lei dos Estrangeirismos, porque mostra exatamente como a legislação pode ser utilizada para o fomento e a defesa da diversidade e da pluralidade, e não o contrário. São Gabriel da Cachoeira é possivelmente o lugar mais plurilíngüe das Américas: um município de 112.000 km quadrados (maior que Portugal ou Santa Catarina) onde se falam 22 línguas indígenas diferentes, de 4 troncos lingüísticos direfentes (Tupi-Guarani, Tukano Oriental, Maku e Aruak). Além disso, é possivelmente o único lugar no mundo em que o critério de casamente tradicional (no caso dos povos Tukano) é lingüístico (exogamia lingüística: um homem não pode se casar com uma mulher falante da mesma língua que ele). O IPOL atua na região desde 1997, quando um dos seus integrantes, Gilvan Müller de Oliveira, esteve como docente do Curso de Magistério Indígena da Prefeitura Municipal, no qual se formaram os primeiros 163 professores indígenas que atuam nas escolas públicas da região. Atualmente a equipe do Rio Negro é formada por 4 pessoas (Maurice Bazin, Silvia de Oliveira, Andréa Scaravelli e Gilvan Müller de Oliveira). Sua atuação se dá em parceria com o ISA - Instituto Socioambiental, ONG que desenvolve vários projetos na região-. São Gabriel da Cachoeira é um município de ampla maioria indígena (cerca de 95% da população é indígena) e que esse é o caso de vários outros municípios no Brasil. Primeira ONG brasileira dedicada à política lingüística, fundada em 1999 e tendo por sede Florianópolis, no sul do país, o IPOL atua em seis programas de trabalho: Línguas Autóctones, Línguas Alóctones, Gestão Escolar da Língua Portuguesa, Segunda Língua, Lusofonia e Mercosul. É uma entidade sem fins lucrativos, composto por membros de várias especialidades, e que tem criado e administrado bancos de dados sobre as línguas brasileiras do ponto de vista dos direitos lingüísticos dos cidadãos. Fonte: Gilvan Müller de Oliveira, Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística - IPOL Rua Lauro Linhares, 2123 - Torre A - Sala 713 - Trindade CEP. 88036-002 - Florianópolis - SC - Brasil Fone/Fax: ( 48 ) 234 8056 / e-mail: HYPERLINK ipol@ipol.org.br / página: HYPERLINK http://www.ipol.org.br. Associação recém-criada quer preservar a língua nheengatú10/09/2001Autor: Ricardo BarrettoNascida do tupi e disseminada pela Amazônia desde o século XVI, o nheengatú é uma língua importante na região do Rio Negro, onde é falada pelos índios Baniwa, Baré e Werekena. Para preservá-la, manter os traços culturais de quem a fala e apoiar projetos de educação indígena, foi criada, no Rio Negro, a Sociedade Nheengatú (SNH). |
Artigo A diversidade linguística no Brasil: considerações sobre uma proposta de política | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
O Brasil costuma ser considerado, aos olhos estrangeiros e sobretudo pelos próprios brasileiros, como país dotado de invejável homogeneidade lingüística, situação que contribuiria para consolidar a unidade política da nação. Criou-se em nosso imaginário uma comunidade constituída basicamente pelas “três raças formadoras” (o português, o indígena e o negro), mas expressando-se em uma língua comum – o português. O idioma nacional tem o status de língua oficial, sendo compulsório o seu uso em todos os atos da relação entre o Estado e os cidadãos, e seu ensino nas escolas públicas [1]. O artigo 13 da Constituição Federal de 1988 explicita, pela primeira vez em texto constitucional, que “a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”. Essa imagem, no entanto, não expressa a realidade do que ocorre em inúmeras regiões do país, onde vários grupos de brasileiros falam também outras línguas que expressam visões de mundo, valores e significados fundamentais para a história e a identidade desses grupos e da própria nação. É verdade que as línguas faladas pelos diferentes grupos indígenas vêm recebendo atenção especial não apenas de lingüistas como de agentes de políticas públicas. Fato marcante foi, a partir de 1991, o envolvimento do Ministério da Educação na formação escolar dos povos indígenas, até então sob a responsabilidade da Funai. Essa mudança teve como fundamento a Constituição Federal de 1988, que reconhece, com base nos artigos 215 parágrafo 2º. e 231, que os indígenas terão direito a uma educação diferenciada. “O ensino fundamental será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” (Art. 210 parágrafo 2º ). A formação de educadores aptos a ministrar uma educação básica bilíngüe tem sido um dos eixos centrais dessa política, [2], ação que certamente contribuirá para a sobrevivência das cerca de duzentas línguas indígenas ainda faladas hoje no Brasil. Outro fato marcante nesse sentido foi a promulgação, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), onde cerca de 90% da população é de indígenas e descendentes, da lei 145/2002, que cooficializa as línguas nheengatu, tukano e baniwa. Essa proposta veio em atendimento a uma demanda da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN, e foi desenvolvida com a colaboração do Instituto de Investigação e Desenvolvimento de Políticas Linguísticas (Ipol). Entretanto, outras comunidades de falantes, sobretudo de línguas alóctones, também chamadas línguas de imigração, mas também de falares afro-brasileiros, têm reivindicado maior atenção por parte do Estado para o reconhecimento da diversidade lingüística brasileira. Essa demanda veio a ser, recentemente, dirigida à área da cultura, uma vez que, desde 1997 [3], vêm sendo formulados, no âmbito do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), instrumentos específicos para efetivar, no campo das políticas de patrimônio cultural, a concepção ampla de patrimônio expressa no artigo 216 da Constituição Federal. O decreto 3551, de 4 de agosto de 2000, que “institui o Registro dos Bens Culturais de natureza Imaterial e cria o Pro grama Nacional do Patrimônio Imaterial”, abre espaço para o reconhecimento, pelo Estado, como patrimônio cultural do Brasil, de bens de caráter processual e dinâmico “que têm como referência a (sua) continuidade histórica (...) e sua relevância nacional para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira.” (Art. 1º. Parágrafo 2º.). No cenário internacional, a questão da diversidade lingüística se insere no universo mais amplo da preocupação com a diversidade cultural. Em 2002, a Unesco publicou o Atlas das línguas em perigo no mundo; em 2003 foi aprovada pela Assembléia Geral da organização a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, que inclui no seu Artigo 2, intitulado Definições, “a língua como vetor do patrimônio cultural imaterial” ; e, em 2005, a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais reconhece em seu Preâmbulo que “a diversidade lingüística é um elemento fundamental da diversidade cultural”. Acha-se em estudo, na ONU, a proposta de uma Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos, proclamada em Barcelona em 1996. A aplicação do decreto 3.551/2000 e a implantação de uma política pública específica para o patrimônio cultural imaterial tem como base antecedentes importantes, como a experiência acumulada pelos movimentos em defesa do folclore brasileiro, a atuação de Mário de Andrade e seus seguidores na pesquisa etnográfica e no campo das políticas públicas, os trabalhos de folcloristas como Luis da Câmara Cascudo, além, é claro, de inúmeras outras contribuições de grupos da sociedade ligados às questões indígenas, afro-brasileiras, etc. No processo de elaboração do decreto, procurou-se reunir essas contribuições [4], assim como levantar as questões pertinentes ao tema, como a da relação entre patrimônio material e patrimônio imaterial, entre processos culturais e meio-ambiente, da propriedade intelectual e dos direitos coletivos, do consentimento prévio, da constituição de banco de dados que resguarde, quando for solicitado, o direito ao sigilo sobre informações, etc. Alguns princípios básicos foram firmados: o caráter necessariamente participativo e compartilhado dessas políticas; o caráter descentralizado de sua implementação; o caráter transitório do Registro; e o caráter singular dos planos de salvaguarda, cuja implantação deveria ser protagonizada pelos interessados - produtores e comunidades. Em suma, ficou muito clara a idéia de que essas iniciativas vinham complementar instrumentos já existentes – o tombamento e todas as outras formas de preservação do patrimônio cultural brasileiro, como os inventários, os planos de manejo de centros históricos, o tratamento particularizado dos sítios arqueológicos e paisagísticos, etc. Desde o início dos trabalhos, foram levantadas as questões da inclusão das línguas no âmbito do patrimônio cultural imaterial – fato incontestável – e das formas adequadas à sua preservação – questão considerada bastante complexa, que só poderia ser enfrentada com a colaboração de lingüistas, educadores e outros parceiros, sobretudo dos próprios falantes. Trabalhos nesse sentido já vêm sendo desenvolvidos em universidades, institutos de pesquisa, e também em instituições públicas, como o Museu do Índio, vinculado à FUNAI. Mas, já em 2001 a Associação dos Apresentadores de Programas de Rádio “Talian” do Brasil (Assaprotabras), encaminhava ao Iphan pedido de Registro dessa língua de imigração, derivada do vêneto italiano, falada e agora também escrita no sul do país. O dossiê de estudos foi aberto em 7 de maio de 2001 – portanto menos de um ano após a publicação do decreto – e, por questões técnicas, não teve andamento. Isso não significava, no entanto, que a demanda não fosse relevante, e, em 2005, começaram os preparativos para um Seminário Legislativo sobre a Criação do Livro de Registro das Línguas, a cargo da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, em parceria com o IPHAN, representado pelo seu Departamento do Patrimônio Imaterial, e pelo IPOL, acima citado. O Seminário foi realizado de 7 a 9 de março de 2006, no Congresso Nacional, e contou com ampla participação de órgãos públicos e de organizações da sociedade. A principal reivindicação do grupo ali reunido era o reconhecimento, pelo Estado, da pluralidade lingüística do país, e o caminho proposto era a criação de um Livro de Registro de Línguas, conforme possibilidade prevista no decreto 3.551/2000, em seu Artigo 1º. Parágrafo 3º. Vários falantes de línguas indígenas (Nheengatu e Guarani), afro-brasileiras (falante de Gira de Tabatinga-MG) e de imigração (Talian, Hunsruckkish e Pomerano) se expressaram em seus próprios idiomas, e todo o encontro foi traduzido para a platéia na Língua Brasileira de Sinais (Libras) [5]. Dada a complexidade do assunto, e as dúvidas sobre qual seriam os melhores instrumentos para atingir os fins desejados, foi criado, ao término do Seminário, um Grupo de Trabalho, a ser coordenado pelo Iphan, que ficaria encarregado de examinar essas questões. Até o momento, o GT avançou no sentido de elaborar uma primeira proposta de metodologia para o inventário das línguas e de fazer contatos com outras instituições, como o IBGE, solicitando a esse instituto que seja incluído no censo a ser realizado em 2010 o quesito lingüístico. Ao longo das reuniões, ficaram claros alguns consensos: a necessidade e a importância de de se proceder a um inventário das línguas e falares do Brasil; a atenção para não “aprisionar” as línguas em fronteiras geo-políticas (como no caso de línguas indígenas faladas em mais de um país da América do Sul); o imperativo de se firmarem parcerias com outros órgãos públicos, tanto em nível federal, como entre a União, estados e municípios; a necessidade de se sensibilizar a sociedade, pelos mais diversos meios, para o reconhecimento da pluralidade linguística do Brasil, e para a necessidade de se formular e implementar políticas nesse sentido. Algumas questões ficaram em aberto, à espera de aprofundamento: em que medida a figura do Registro, necessariamente seletiva, se aplica ao universo das línguas? Com base em que critérios se “distinguiria” algumas dessas línguas, em detrimento de outras? É possível falar em direitos lingüísticos a serem reivindicados com base na legislação existente, ou mesmo em instrumento legal a ser criado? Como lidar com a situação de línguas mortas, como línguas indígenas aqui faladas no passado, e amplamente documentadas? Ainda há muito trabalho a ser feito, mas, pelo menos, a questão está posta, e conta com o empenho de várias organizações e grupos da sociedade brasileira. Como no caso da valorização de nossa diversidade biológica, e de nossa diversidade cultural, esse passo vem contribuir para produzir um retrato mais matizado e complexo do Brasil, e sobretudo para o reconhecimento da contribuição que línguas praticamente desconhecidas da grande maioria dos brasileiros trazem para a nossa história e para o respeito de todos em relação aos seus falantes. Notas: [1] Em seu romance Triste Fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto descreve o protagonista como um idealista, que faz requerimento ao Congresso Nacional pedindo que “decrete o tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro”. (BARRETO, Lima. Triste Fim de Policarpo Quaresma. São Paulo, Brasiliense, 1969, 6ª. edição, pág. 78-94). O requerimento é recebido com chacota pelos congressistas e pela imprensa, e a redação inadvertida (ou melhor, movida por sua paixão) de um ofício em tupi provoca uma reação que acaba levando Policarpo ao manicômio. Esse e outros sonhos do protagonista – como sua incursão na agricultura – são usados pelo narrador para contrapor esse personagem à pequenez e à mediocridade da sociedade carioca durante a presidência de Floriano Peixoto. [2] Uma das iniciativas precursoras no sentido da implementação de uma educação indígena diferenciada ocorreu no âmbito do Programa “Interação entre educação básica e contextos culturais específicos”, desenvolvido na década de 1980 pela Secretaria de Cultura do MEC em parceria com a Secretaria de Primeiro e Segundo Grau desse mesmo ministério, e outros órgãos federais e locais. Essa ação é atualmente conduzida pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade Cultural do MEC. [3] Esse processo teve início com o Seminário “Patrimônio Imaterial Estratégias e Formas de Proteção”, realizado em Fortaleza de 10 a 14 de novembro de 1997, no âmbito das comemorações dos setenta anos de criação do Iphan. [4] Ver documentos publicados em O Registro do Patrimônio Imaterial: Dossiê final das atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho do Patrimônio Imaterial. Brasília: Ministério da Cultura / Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2ª. edição, 2003. [5] A Língua Brasileira de Sinais (Libras), é a única das línguas que foram apresentadas no Seminário do Congresso Nacional que já conquistou legislação federal geradora de direitos. [6] Foi observado pelos lingüistas que participam do GT que apenas em relação às línguas indígenas já existe razoável produção de informação.
Jornal da Ciência nº 2843 29 de Agosto de 2005 Língua nascida do colonialismo prospera novamente na Amazônia Em toda parte no Brasil, a língua geral como língua viva, falada, morreu há muito tempo. Larry Rohter escreve de São Gabriel da Cachoeira, Brasil, para "The New York Times": Quando os portugueses chegaram ao Brasil cinco séculos atrás, eles encontraram um problema fundamental: os povos indígenas que conquistaram falavam mais de 700 línguas. Diante do desafio, os padres jesuítas que os acompanhavam elaboraram uma mistura de palavras indígenas, portuguesas e africanas que chamaram de "língua geral", e a impuseram sobre os súditos coloniais. Em toda parte no Brasil, a língua geral como língua viva, falada, morreu há muito tempo. Mas neste canto remoto e esquecido da Amazônia, onde o Brasil, a Colômbia e a Venezuela se encontram, a língua não apenas conseguiu sobreviver como também fez um notável retorno nos último anos. "Os lingüistas falam de línguas moribundas que vão morrer, mas esta é uma que está sendo revitalizada por sangue novo", disse José Ribamar Bessa Freire, autor de "Rio Babel: a história das línguas na Amazônia" e natural da região. "Apesar de ter sido trazida para a Amazônia para tornar viável o processo de colonização, tribos que perderam sua língua original agora estão se refugiando na língua geral e a tornando um elemento de sua identidade", disse ele. Há dois anos, de fato, o nheengatú, como as cerca de 30 mil pessoas que falam a língua geral a chamam, atingiu um marco. Por votação da câmera dos vereadores local, São Gabriel da Cachoeira se tornou o único município do Brasil a reconhecer outra língua que não o português como oficial, conferindo tal status à língua geral e duas línguas indígenas locais. Como resultado, o nheengatú, que significa "língua boa", agora é uma língua autorizada a ser ensinada nas escolas locais, falada nos tribunais e usada em documentos do governo. As pessoas que sabem falar a língua geral viram seu valor subir no mercado de trabalho e agora estão sendo contratadas como intérpretes, professores e funcionários de saúde. Em seu auge colonial, a língua geral era falada não apenas na Amazônia, mas até a bacia do Rio Paraná, a mais de 3.200 quilômetros aos sul daqui. Os padres interpretados por Jeremy Irons e Robert de Niro no filme "A Missão", por exemplo, se comunicavam com seus paroquianos indígenas em uma versão da língua. Mas em meados do século 18, o governo português ordenou a saída dos jesuítas do Brasil, e teve início o longo declínio da língua. Ela resistiu na Amazônia após o Brasil conquistar sua independência em 1822, mas foi enfraquecida por décadas de migração de camponeses do Nordeste do Brasil para trabalhar nas plantações de juta e seringais e outros empreendimentos comerciais. A sobrevivência do nheengatú aqui tem sido ajudada pela profusão de línguas na região, o que complica a comunicação entre as tribos; é um hábito antigo de algumas tribos exigir que membros se casem fora de seu próprio grupo de língua. Segundo cálculo de lingüistas, 23 línguas, pertencentes a seis famílias, são faladas aqui no Alto Rio Negro. "Esta é a região mais plurilíngüe de todas as Américas", disse Gilvan Muller de Oliveira, diretor do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística, um grupo privado e sem fins lucrativos que tem um escritório aqui. "Nem mesmo Oaxaca, no México, consegue oferecer tamanha diversidade." Mas a persistência e evolução do nheengatú é marcada por contradições. Por um lado, nenhum dos grupos indígenas que correspondem a mais de 90% da população local pertence ao grupo tupi que forneceu à língua geral a maioria de seu vocabulário e gramática original. "O nheengatú veio até nós como a língua do conquistador", explicou Renato da Silva Matos, um líder da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. "Ela matou as línguas originais" porque os padres e as autoridades do governo puniam aqueles que falavam qualquer língua que não fosse o português ou o nheengatú. Mas nos tempos modernos, a língua adquiriu um significado muito diferente. Enquanto avançava o domínio do português e aqueles que originalmente impuseram a língua buscavam sua extinção, o nheengatú se tornou "um mecanismo de resistência étnica, cultural e lingüística", disse Pérsida Miki, uma professora de educação da Universidade Federal do Amazonas. Mesmo os jovens que falam a língua geral conseguem se lembrar dos esforços em sua infância para eliminar a língua. Até o final dos anos 80, os pais indígenas que queriam uma educação para seus filhos freqüentemente os enviavam para internatos dirigidos pelos padres e freiras salesianos, que eram particularmente duros com os alunos que mostravam sinais de se agarrar à sua língua de origem. "Nossos pais podiam nos visitar uma vez por mês, e se não falássemos com eles em português, nós éramos punidos ficando sem almoço ou colocados de castigo em um canto", disse Edilson Kadawawari Martins, 36 anos, um líder da tribo Baniwa que passou oito anos no internato. "Na sala de aula era a mesma coisa: se você falasse nheengatú apanhava de palmatória ou era ordenado a ficar de joelhos de frente para a classe por 15 minutos." Celina Menezes da Cruz, uma índia Baré de 48 anos tem lembrança semelhante, mas nos últimos dois anos, ela tem lecionado nheengatú para alunos de meia dúzia de tribos na escola primária Dom Miguel Alagna daqui. "Eu me sinto bem fazendo isto, especialmente quando penso no que tive que passar quando tinha a idade dos meus alunos", disse ela. "É importante não deixar morrer a língua de nossos pais." Para ajudar a aliviar a escassez de professoras qualificados de língua geral, um curso de treinamento para 54 instrutores teve início no mês passado. A Unicef está fornecendo dinheiro para discutir outras formas para cumprir a lei que torna a língua oficial, e defensores esperam abrir uma Universidade Indígena aqui em breve, com cursos em nheengatú. E apesar da língua geral ter sido criada por padres católicos romanos, as seitas evangélicas protestantes modernas foram rápidas em abraçá-la como forma de promover sua fé. Em uma missa de uma igreja da Assembléia de Deus, em uma abafada noite de domingo neste mês, povos indígenas de meia dúzia de tribos cantavam e rezavam na língua geral enquanto seu pastor, que falava apenas português, olhava com aprovação e exclamava "Aleluia!" Mas alguns poucos aqui não ficaram satisfeitos em ver o ressurgimento da língua geral. Depois que uma emissora de rádio local começou a transmitir programas na língua, alguns oficiais da guarnição militar local, responsável pelo policiamento de centenas de quilômetros de fronteira permeável, fizeram objeção com base em uma lei brasileira que proíbe transmissões em línguas "estrangeiras". "Os militares, com sua noção datada de segurança nacional, tendem a ver a língua geral como uma ameaça à segurança nacional", disse Muller de Oliveira. "A língua geral pode ser uma língua em declínio, mas a idéia de que ela de alguma forma ameaça o domínio do português e conseqüentemente a unidade da nação ainda persiste e é respeitada entre alguns segmentos das forças armadas." Tradução: George El Khouri Andolfato fonte: The New York Times, Uol.com/Mídia Global, 28/8 |
Hino Nacional Brasileiro em Tupi
Publicado em outubro 7, 2008
Nheengarissáua RetamauáraEmbeyba Ypiranga sui, pitúua,
Ocendu kirimbáua sacemossú
Cuaracy picirungára, cendyua,
Retama yuakaupé, berabussú.Cepy quá iauessáua sui ramé,
Itayiuá irumo, iraporepy,
Mumutara sáua, ne pyá upé,
I manossáua oiko iané cepy.Iassalssú ndê,
Oh moetéua
Auê, Auê !Brasil ker pi upé, cuaracyáua,
Caissú í saarússáua sui ouié,
Marecê, ne yuakaupé, poranga.
Ocenipuca Curussa iepé !Turussú reikô, ara rupí, teen,
Ndê poranga, i santáua, ticikyié
Ndê cury quá mbaé-ussú omeen.Yby moetéua,
Ndê remundú,
Reikô Brasil,
Ndê, iyaissú !Mira quá yuy sui sy catú,
Ndê, ixaissú, Brasil!Ienotyua catú pupé reicô,
Memê, paráteapú, quá ara upé,
Ndê recendy, potyr America sui.
I Cuaracy omucendy iané !Inti orecó purangáua pyré
Ndê nhu soryssára omeen potyra pyré,
ìCicué pyré orecó iané caaussúî.
Iané cicué, ìndê pyá upé, saissú pyréî.Iassalsú ndê,
Oh moetéua
Auê, Auê !Brasil, ndê pana iacy-tatá-uára
Toicô rangáua quá caissú retê,
I quá-pana iakyra-tauá tonhee
Cuire catuama, ieorobiára kuecê.Supí tacape repuama remé
Ne mira apgáua omaramunhã,
Iamoetê ndê, inti iacekyé.Yby moetéua,
Ndê remundú,
Reicô Brasil,
Ndê, iyaissú !Mira quá yuy sui sy catú,
Ndê, ixaissú,
Brasil!
Uma breve história da língua tupi, o idioma que unificou o Brasil
Publicado em junho 27, 2008
“Tupi or not Tupi: that is the question”
Oswald de Andrade
A palavra “Tupi” significa “o grande pai” ou “líder”. Ora, os “tupis” achavam-se os máximos tanto que chamavam a si mesmos de “tupis”. Já “Guarani” significa “guerreiro”. Os tupis, os primeiros contactados pelos portugueses quando iniciaram sua colonização no Brasil, dividiam-se em várias tribos cujos nomes registrados pela história são como elas mesmos chamavam-se ou como seus inimigos apelidaram-nas. Algumas delas.
Os Potiguares (Papa-Camarão) viviam no Rio Grande do Norte. Mais ao sul, os Caetés (gente da floresta) (aqueles que devoraram o primeiro bispo do Brasil, Dom Pero Fernandes Sardinha quando o azarado naufragou na costa do nordeste, em 16 de julho de 1556) vagavam por Alagoas. Os Tupinambás (Tupis Machos) eram os “caras” da Bahia que também davam o “ar de sua graça” em São Paulo. Já a partir da altura de Porto Seguro, sul da Bahia, e descendo para o sul, já se encontravam os Tupiniquins, inimigos mortais dos Tupinambás.
Descendo o mapa do litoral brasileiro, encontravam-se as seguintes tribos: goitacases (os corredores) (Campos, no Rio de Janeiro- estes não são tupis), tamoios (Os anciãos) (de Cabo Frio até Angra dos Reis, RJ), guaianases (Os irmãos) (São Vicente, SP), guaranis (guerreiros) (de Itanhaém até Cananéia, SP), carijós (Os brancos), que se espalhavam por Cananéia, Santa Catarina até a Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul.
Fora esses índios (hoje 99% extintos) que falavam dialetos aparentados do Tupi-Guarani, havia outras dezenas tribos da mesma família mais para o interior do Brasil, muitas da quais ainda existentes. Quando os jesuítas chegaram ao Brasil, mais precisamente em São Paulo, iniciaram seu trabalho de catequização com os índios de fala Tupi-Guarani, principalmente os tupiniquins e outras tribos amigas aos primeiros.
José de Anchieta, que viveu 44 anos no Brasil, aprendeu o tupi-guarani com os índios guaianases, de São Paulo. Essa região, que os portugueses deram o nome do famoso missionário cristão, Paulo, depois convertido em santo (São Paulo), era chamada pelos tupi-guaranis de “Piratininga”, que significa “Peixe Seco” no idioma deles. Foi na região de Piratininga que os padres jesuítas fundaram em 1554 um colégio em redor do qual indígenas das redondezas passaram a morar e muitas crianças nativas freqüentavam as aulas dos padres. Era o nascimento da cidade de São Paulo, situado em “Pindorama”, nome que os índios chamavam o país que, mais tarde, por influência dos portugueses, passou a ser denominado “Brasil”.
(…)
Quando se fala “brasileiro” há quem utilize o termo “tupiniquim” para expressar algo “brasileiro legítimo”. Existe um livro famoso chamado “Crítica da Razão Tupiniquim” (Editora Mercado Aberto- Porto Alegre (RS), 1984), de Roberto Gomes. “Tupiniquim” era o nome de uma das tribos do Brasil, falante do tupi-guarani. Aliados dos portugueses, estes índios, amigos dos guaianases, eram arqui-rivais dos tupinambás. Estes últimos uniram-se aos franceses e tamoios na guerra contra os lusitanos.
(…)
Até o final do século XVII, a língua “oficial” do Brasil era o Tupi-guarani misturado com português. De cada três brasileiros, dois só falavam Tupi-Guarani. Mas em 1759, sobre influência do Marquês de Pombal, o governo português baixou um decreto proibindo o uso do idioma “híbrido” ao qual imbutia a acusação de que estava prejudicando as comunicações na colônia brasileira e impondo punições para quem não usasse o idioma português. Foi assim que, à força, o tupi-guarani foi tirado de circulação ao longo do tempo.
(…)
O tupi-guarani influenciou profundamente o português do Brasil. Não foi apenas na incorporação de vocabulário indígena, mas até mesmo influenciou na sintaxe no idioma lusitano no Brasil. Aliás, vale lembrar que os cablocos do estado de São Paulo, em sua grande maioria, só falava tupi até a primeira metade do século XIX. “A ligação do elemento colonizador com o aborígene deu-se tão íntima e intensa que, por muito tempo, o uso do idioma guarani foi corrente no seio da população civilizada de São Paulo, notando-se, ainda hoje, sua poderosa influência no falar paulista: a circunstância dos atuais caipiras dos arredores de Conceição dos Guarulhos preferirem dormir em esteiras, no chão, desprezando o uso de cama, é uma clara reminiscência das velhas usanças dos murumimis, os quais, como é sabido, não faziam uso de redes”, salientou Afonso Freitas.
(…)
Vamos ver alguns exemplos da influência do tupi-guarani no português brasileiro. Temos a expressão “Tá”. É uma contração do verbo “Estar” na 3ª pessoa do singular? Muita gente pensa que sim, mas não é. É uma expressão do tupi incorporada na fala brasileira. Vejamos o que explica Afonso Frietas.
“O tupi-guarani não sabia modular a voz em interrogativa: suprindo tal deficiência, sempre que perguntava incluía na frase as partículas tahá, tá, pá, projeções de uma mesma raiz, e será, todas supletivas da inflexão de voz imodulável pelo órgão vocal do aborígene.
Dessas partículas- será- fixou-se no vernáculo, por modismo, mas também substituindo a expressão portuguesa- será-, razão talvez da sua rápida incorporação, total em São Paulo e noutros estados do sul, ainda incompleta nos do Norte.
Em nheengatu a partícula- será- aparece, de ordinário, encerrando a frase, posição essa ainda mantida no português falado entre a gente do povo do Norte do Brasil: – chove será, isto é, será que chove?” (página 26).
Raros são os brasileiros que pronunciam o “r” de final de palavras. Por exemplo, “pagar” é falado como “pagá”, “amor” soa a “amô” e assim vai. Pois esse vício de linguagem vem do tupi-guarani. As pessoas menos escolarizadas têm o costume de trocar o “l” pelo “i”. Não pronunciam “mulher”, mas “muié”, “pólvora” soa a “pórvora”, “filho” é “fio”, etc. Também é influência do antigo tupi, como lembra Afonso Freitas que acrescenta: “Da pecularidade do tupi-guarani empregar na frase, de preferência o particípio verbal ao infinito e de, invariavelmente, antepor as partículas pronominais aos verbos e aos nomes e pospor aos verbos os pronomes retos, é que os paulistas dizem- está chovendo, me deixe, me faça o favor, etc., enquanto os portugueses locucionam- está a chover, construção tão malsoante aos nossos ouvidos, quanto aos ouvidos lusos devem ser os- me deixe, me faça o favor, do nhengatu aclimado ao vernáculo.
A inexistência da partícula pronominal- lhe- no nheengatu, decorrente da ausência da consoante- l-, no alfabeto daquele idioma, deu azo à formação do modismo tão desagradável- disse pr’á ele (que muitos refinam desastradamente em disse p’r'ele), dá nele, etc., por disse-lhe, dá-lhe, etc” (página 25).
Há tantas palavras tupi incorporadas ao português que nem percebemos, inclusive até na gíria de jovens. Por exemplo, há jovens que dizem: “O fulano chegou no serviço e BABAU. Perdeu o emprego”. O “Babau”, que muitos acham ser uma gíria de surfista, é uma expressão secular do tupi-guarani, que significa “acabou-se”.
Outra expressão tupi é “nhenhenhén”. “Aquele cidadão é muito cheio de nhenhenhén”, ou seja, que fala e reclama incensantemente. A fala vem de “nheen nheen”, que significa em tupi “fala fala”. Vejamos a seguinte frase: “Este cara é meu xará”. Esta palavra, também tida como gíria, significa “amigo” no antigo idioma indígena.
Os gaúchos usam e abusam do seu típico “tchê” no final de suas frases.
“Tchê” é outro sinônimo tupi-guarani que significa “amigo”. Também significa “eu” e “meu”. Mas esta palavra tão usada pelos gaúchos incorporou-se tanto no português do Rio Grande do Sul como no espanhol dos argentinos e uruguaios dos pampas fronteiriços ao Brasil por influência também do guarani do Paraguai. Aliás, o famoso guerrilheiro argentino que participou da revolução cubana, Ernesto Guevara, que morreu na Bolívia em 1967, era chamado de “Che” (como é escrito “Tchê” no espanhol). Portanto, Che Guevara significa “Amigo Guevara”, que a história imortalizou como símbolo da rebeldia e da luta revolucionária esquerdista.
Aliás, “gaúcho” era o nome dado aos índios guaranis que viviam nas missões.
Com a dispersão desses nativos pelos bandeirantes paulistas, os índios que escaparam da escravidão passaram a viver da pecuária. Nas missões, criava-se gado. Quando foram destruídas, parte da manada escapou e se multiplicou nos campos dos pampas, que cobrem a maior parte do Rio Grande do Sul. Outrora, os pampas eram imensidões de pasto nativo onde ninguém morava. Com o tempo, principalmente no século XVIII, a ocupação dos pampas intensificou-se principalmente com a formação de fazendas. O gado criado ao ar livre passou a ser aprisionado e cuidado por peões.
Em Minas Gerais, Foram descobertos ouro e pedras preciosas. Milhares de pessoas, principalmente do Rio de Janeiro, São Paulo e nordeste brasileiro foram para Minas Gerais em busca do enriquecimento. Como não plantavam já que passavam o dia inteiro escavando (ou fiscalizando as minas- daí o lugar ficar conhecido por “Minas Gerais”), esse contigente de mineiradores tinham que importar a comida que necessitava. Surgiu o mercado que os fazendeiros do Rio Grande do Sul passaram a atuar. A carne seca (charque) do RS era vendida em Minas Gerais. Daí a influência no desenvolvimento econômico dos pampas. E quem eram os peões que trabalhavam nas fazendas do RS? Eram descendentes dos índios guaranis, que tanta experiência tiveram na criação de gado quando trabalhavam nas missões. Os índios eram chamados pejorativamente de “gaúchos”. Não é a toa que os atuais “gaúchos” (agora nome de orgulho) gostam de se chamar de “Índios Velhos”.
A influência do tupi está no vocabulário da fauna. Nome de animais e plantas como jaguar, jacaré, macaco, sagui (pêlo), tapera (casa abandonada), cangueiro (de “Acanga”-cabeça, instrumento de tração para os bois), ipê, piracema, etc, etc, etc. Ao todo, como lembra Raquel F. A. Teixeira, em artigo no livro “A Temática Indígena na escola (MEC, Mari/ Unesco, Brasília, 1995), 70% do vocabulário do português brasileiro sobre animais plantas provém do tupi-guarani que tem vasta influência no nome de cidades e acidentes geográficos no país. Vejamos alguns exemplos.
O nome do estado de “Maranhão” vem de “Mar’Anhan”, que significa “O mar que corre”. Já “Paraná” significa “rio” no idioma indígena. “Pará” é “oceano”, “Niterói” “Baía do mar morto” e assim vai. O Brasil está repleto de cidades com nomes indígenas, todos, sem exceção, provenientes do tupi-guarani.
A contribuição do tupi-guarani deu-se também na incorporação de ditados populares no folclore brasileiro. Um deles, muito conhecido, é “Cada macaco no seu galho”. Esse ditado vem da expressão “Macaca tuiué inti hu mundéo i pú cuimbisca o pé” ( Macaco velho não mete mão em cumbuca).
Quando os tupi-guaranis citavam a expressão contavam a seguinte história.
Era uma vez um macaquinho guloso soube que havias frutas numa certa cumbuca feita de uma árvore chamada sapucaia. Introduziu a mão no recipiente. Ao tentar tirá-la, a mão ficou presa. Assustado, o bichinho disparou-se aos pulos pela floresta arrastando a sapucaia e gritando desesperadamente: Ai! Ai! Ai! Cuimbisca hu pscá se pú! Ai! Ai! Ai! Cuimbusca hu pscá se pú! (Ai! Ai! Ai! Cumbuca pegou minha mão).
Os macacos assustaram-se e foram ajudar o macaquinho em apuros. Seguraram o filhote e chamaram o macaco mais velho para aconselhar como retirar a mão do macaquinho da cumbuca. O velho examinou a cumbuca, pegou uma pedra e, em repetidos golpes, quebrou a cumbuca, libertando a mão do macaquinho travesso.
Recuperado do susto, o filhote perguntou ao macaco velho: “Macaca tamuia taá inti ana cuimbisca hu pscá ana i pú? (Vovô, cumbuca já pegou sua mão?) Respondeu o macacão: Macaca tuiué inti hu mundéo i pú cuimbisca o pé (Macaco velho não mete mão em cumbuca).
A idéia de ensinar Tupi-guarani como língua optativa nas escolas, como se cogitou para o Rio de Janeiro, é boa idéia pois trata-se de um resgate da cultura brasileira. Registro aqui uma sugestão aos intelectuais envolvidos nesse projeto: por que não elaboram um curso por correspondência do idioma índio e editam uma revista com textos em Tupi-guarani com traduções em português? Trata-se de um excelente incentivo que certamente contará com grande receptividade. [Artigo resumido e adaptado]
.
Leia o artigo na íntegra
Sotaque vem do nheengatu, a língua brasileira
Publicado em julho 21, 2009
Estadão – Valdir Sanches, Lagoinha (SP).
Caipira é aquele que fala o dialeto caipira. É o idioma brasileiro, mas com palavras tupi e sotaque da língua brasileira. A língua brasileira é o nheengatu, que existiu no Brasil até ser proibida por Portugal, no século 18. Seu nome parece coisa de índio, e é. O nheengatu incorpora a fala dos índios tupi, que ocupavam o litoral brasileiro. Na verdade, até hoje, quem se refere ao Ibirapuera, fica jururu, come abacaxi ou se pendura num cipó está se expressando nessa língua. Há algum tempo, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso usou a expressão “chega de nhémnhémnhém”, estava falando puro nheengatu. No Brasil Colônia, era falada fluentemente em uma grande área do País, que ia de Santa Catarina ao Pará. A elite também se expressava por meio dela, embora não em todos os setores. Durante os processos, o juiz dispunha de um intérprete.
“Tivemos uma língua brasileira até o século 18″, diz o professor José de Souza Martins, do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP. “Só os portugueses, que eram estrangeiros, falavam português.”
A língua foi criada no século 16 pelos jesuítas, destacando-se o Padre Anchieta. O fundador de São Paulo era lingüista. Para se entender com os nativos, classificou o tupi e criou uma gramática da língua geral. Ou seja, o nheengatu. “Uma língua de travessia, não é português, nem índio, eram ambas”, diz Martins. O português, nesse caso, era o que hoje chamamos arcaico. Convidava-se uma dona para uma função, em vez de uma senhora para um baile. E dizia-se coisas como agardece (agradece), alevantá e inorância.
Os índios tinham dificuldade em falar palavras portuguesas como os verbos no infinitivo. E também palavras com consoantes dobradas (rr) ou terminadas em consoante. Além disso, colocavam vogal entre consoantes. Mulher, colher e orelha viraram muié, cuié e oreia. De sua dificuldade com o “erre”, vem o “pooorta”, reflexivo, com a língua tocando o céu da boca. Martins esclarece que “o dialeto caipira não é um erro, é uma língua dialetal”. Mais do que isso: “É uma invenção lingüística musical e social.”
Os brasileiros viviam muito bem com ela, até que, no reinado de d. José I (1750 a 1771), Portugal a proibiu. O veto veio em um decreto do primeiro-ministro, o Marquês de Pombal. Bania o ensino do nheengatu das escolas. A decisão foi acatada nas salas de aula, mas o povo continuou falando no dialeto caipira. O tempo acabou por impor o português, mas o dialeto puro resiste.
Ainda é falado em alguns pontos da fronteira com o Paraguai. E, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, a 860 quilômetros de Manaus, uma lei de 2002 tornou o nheengatu língua co-oficial do município. Na contramão do decreto do marquês, determina que seja incentivado seu ensino nas escolas, e o uso nos meios de comunicação (o tucano e o baniva também se tornaram línguas co-oficiais).
E ficou o “caipirês” da roça. Por essas bandas, ensina Martins, a língua se multiplica. “Quando o novo aparece, o caipira inventa, a partir da matriz da palavra, algo que tem sentido para ele.” Há certo tempo, Martins e um grupo de estudantes apresentaram questões a algumas pessoas. Perguntaram a um homem: “Você concorda ou não concorda?” O homem não entendeu. A pergunta foi sendo repetida, sem sucesso, até que um dos estudantes mudou a forma: “Você concorda ou disconcorda?” Deu certo.
Texto adaptado. http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080421/not_imp160205,0.php “Tivemos uma língua brasileira até o século 18″, diz o professor José de Souza Martins, do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP. “Só os portugueses, que eram estrangeiros, falavam português.”
A língua foi criada no século 16 pelos jesuítas, destacando-se o Padre Anchieta. O fundador de São Paulo era lingüista. Para se entender com os nativos, classificou o tupi e criou uma gramática da língua geral. Ou seja, o nheengatu. “Uma língua de travessia, não é português, nem índio, eram ambas”, diz Martins. O português, nesse caso, era o que hoje chamamos arcaico. Convidava-se uma dona para uma função, em vez de uma senhora para um baile. E dizia-se coisas como agardece (agradece), alevantá e inorância.
Os índios tinham dificuldade em falar palavras portuguesas como os verbos no infinitivo. E também palavras com consoantes dobradas (rr) ou terminadas em consoante. Além disso, colocavam vogal entre consoantes. Mulher, colher e orelha viraram muié, cuié e oreia. De sua dificuldade com o “erre”, vem o “pooorta”, reflexivo, com a língua tocando o céu da boca. Martins esclarece que “o dialeto caipira não é um erro, é uma língua dialetal”. Mais do que isso: “É uma invenção lingüística musical e social.”
Os brasileiros viviam muito bem com ela, até que, no reinado de d. José I (1750 a 1771), Portugal a proibiu. O veto veio em um decreto do primeiro-ministro, o Marquês de Pombal. Bania o ensino do nheengatu das escolas. A decisão foi acatada nas salas de aula, mas o povo continuou falando no dialeto caipira. O tempo acabou por impor o português, mas o dialeto puro resiste.
Ainda é falado em alguns pontos da fronteira com o Paraguai. E, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, a 860 quilômetros de Manaus, uma lei de 2002 tornou o nheengatu língua co-oficial do município. Na contramão do decreto do marquês, determina que seja incentivado seu ensino nas escolas, e o uso nos meios de comunicação (o tucano e o baniva também se tornaram línguas co-oficiais).
E ficou o “caipirês” da roça. Por essas bandas, ensina Martins, a língua se multiplica. “Quando o novo aparece, o caipira inventa, a partir da matriz da palavra, algo que tem sentido para ele.” Há certo tempo, Martins e um grupo de estudantes apresentaram questões a algumas pessoas. Perguntaram a um homem: “Você concorda ou não concorda?” O homem não entendeu. A pergunta foi sendo repetida, sem sucesso, até que um dos estudantes mudou a forma: “Você concorda ou disconcorda?” Deu certo.
A proibição da língua brasileira
Publicado em junho 9, 2008
porJosé de Souza Martins
Da língua geral ficou como remanescente o dialeto caipira, tema de dicionário e objeto de estudos lingüísticos até recentes. Sobraram pronuncias da língua tupi, reduções e adaptações da língua portuguesa. Um jesuíta, no século 16, já observara que os índios da costa tinham grande dificuldade para pronunciar letras como o “L” e o “R”. Especialmente na finalização de palavras como “quintal” e “animal”; ou verbos como “falar”, “dizer” e “fugir”. Essas letras foram simplesmente suprimidas e as palavras transformadas em “quintá”, “animá”, “falá”, “dizê”, “fugi”.
Somos um povo bilíngüe, e o reconhecimento desse bilingüismo seria fundamental no trabalho dos educadores.
Dificuldades também havia para pronunciar as consoantes dobradas. Daí que, no dialeto caipira, “orelha” tenha se tornado “orêia” (uma consoante em vez de três; quatro vogais em vez de três), “coalho” seja “coaio”, “colher” tenha virado ”cuié”, “os olhos” sejam “o zóio”… E no Nordeste ainda se ouve a suave “fulô” no lugar da menos suave “flor”. Uma abundância de vogais em detrimento das consoantes, até mesmo com a introdução de vogais onde não existiam. Exatamente o contrario da evolução da sonoridade da língua e Portugal, em que predominam os ásperos sons das consoantes. No Brasil, a língua portuguesa ficou mais doce e mais lenta, mais descansada, justamente pela enorme influência das sonoridades da língua geral, o nheengatu.
Nossa língua cotidiana está algo distanciada da língua portuguesa, que é a oficial e, num certo sentido, é uma língua importada. Não raro viajamos entre toponímicos tupi. Na Cidade de São Paulo transito regularmente entre o Butantã e Carapicuíba e o Embu, aonde levo meus alunos, periodicamente, para uma aula de rua. Ou os levo ao Museu Paulista, no Ipiranga, para outra aula, ou à Moóca, para observações etnográficas sobre uma festa italiana. Faço tudo isso dentro da língua tupi. Como posso ir do rio Guaíba à Paraíba ou ao Pará ou ao Piauí sem achar que estou falando uma língua estrangeira, que ela não é.
Em escolas rurais de povoados do Moto Grosso, do Pará e o Maranhão, observei um fato curioso. Uma vez que as crianças escrevem como falam, não e raro que acrescentem de preferência um “r” às palavras oxítonas, a letra usada como acento agudo: “ater”, em vez de “até”; “Joser”, em vez de “José”. Algo que tem sua curiosa legitimidade no modo como se escrevia oficialmente o português até ,meados do século 19, letras fazendo as vezes de acentos e sinais. A própria língua falada, no confronto com a escrita, oferece às crianças inteligentes a chave de adaptação de uma à outra: se elas dizem “falá” e vêm que a palavra escrita é “falar”, logo entendem que o “r” é aí acento, e não letra para ser pronunciada.
É comovente a reação dos jovens quando descobrem que são falantes do que resta de uma língua que já foi a língua do povo brasileiro e que conhecem um grande número de sons e palavras tupi. O que lhes dizem ser erro e ignorância é, na verdade, história social, valorosa sobrevivência da nossa verdadeira língua brasileira. Se não fosse assim, seria impossível rir daquela história de dois mineiros que resolveram temperar a prosa com café. E foram para a cozinha. Água fervida, coador pronto, um pergunta para o outro: “Pó pô o pó?”. E o outro responde, firme:”Pó pô!”.
De fato, somos um povo bilíngüe, e o reconhecimento desse bilingüismo seria fundamental no trabalho dos educadores, em particular para enriquecer a compreensão da língua portuguesa, última flor do Lácio, inculta e bela, mais bela ainda porque invadida por esse outro lado da nossa identidade social, que teimamos em desconhecer.
José de Souza Martins, 64, é professor titular do Departamento de Sociologia da USP.
Leia aqui o artigo original:
http://www.terrabrasileira.net/folclore/manifesto/nheenga2.html
OTI – O EXTERMÍNIO DE UM POVO (A origem do R caipira)
Publicado em junho 9, 2008
por Prof. Benedito Prezia
Oeste do Estado de São Paulo, no chamado sertão de Botucatu, onde em meados do século vivia um grupo coletor – os Oti, Não sabemos ao certo se o território original era mais na margem direita do Paraná, como um outro grupo coletor, os Ofaiè.
Por viverem nos campos, tanto os Oti, como os Ofaiê, foram chamados de Xavante, o que muitas vezes confunde quem não conhece muito a questão indígena. São poucos os relatos sobre os Oti, pois no início deste século já estavam praticamente extintos. Dois textos, pouco citados, merecem destaque: o de Curt Nimuendaju, que conta a história dos últimos remansescentes e um outro de Telêmaco Borba, indigenista que recolheu várias palavras Oti, por volta de 1878. (1908, BORBA, T. Actualidade Indígena. Curitiba: Impressora Paranaense).
O que chamou a atenção de Borba é que aquele povo, como alguns povos jê, possuía sons que os grupos de língua tupi não tinham, como o /r/ forte, Borba afirma que “é muito gutural”, e é o que se chama de /r/ retroflexo. Esta observação é de suma importância, pois vem mostrar uma das origens do famoso /r/ paulista, classificado também como /r/ caipira. Este mesmo som encontramos na língua kaingang e provavelmente deve haver o mesmo em outras línguas de grupos da família jê, mostrando uma influência de línguas do tronco macro-jê na fonética brasileira atual.
Os Oti, como vários grupos coletores, embora andarilhos, possuíam um território bastante delimitado – os Campos Novos – , no Oeste do Estado de São Paulo. Ao Norte, eram barrados pelas matas da bacia do Rio do Peixe, onde viviam seus inimigos tradicionais, os Kaingang, e ao Sul, pelo Rio Paranapanema, habitat dos Guarani Kaiowá. Como moradores dos campos, não usavam a canoa e pouca intimidade tinham com o rio.
Assemelhavam-se na simplicidade de vida aos Nambikwara, do Oeste de Mato Grosso. Não conheciam a cerâmica. Suas casas eram como os abrigos, feitas com ramos enterrados no chão e cobertas de folhas de palmeira, tão pequenas, que mal dava para se ficar sentado dentro delas. Construíam-nas alinhadas à beira de algum riacho, para facilitar a obtenção d’água.
Caçavam nos campos onde viviam, mas quando os animais se tornavam mais escassos, procuravam a mata, moradia de seus inimigos Kaingang. Como valentes guerreiros, os enfrentavam e geralmente levavam a melhor. Para a caça e a guerra, possuíam o arco, a flecha e uma comprida lança, feita com o tronco da palmeira.
Os aldeamentos eram pequenos, formados no máximo por 40 pessoas e a população total não devia passar de 500 pessoas.
A situação desse povo modificou-se drasticamente quando, por volta de 1830, os mineiros começaram a invadir a região. Com eles veio o gado. Para os Oti, aqueles estrangeiros pareciam trazer-lhes dádiva do céu, pois não precisavam se arriscar nas matas dos Kaingang, encontrando farto alimento nos tranqüilos animais que pastavam nos campos. Conta-se que, em 1870, chegou na região uma tropa de 80 éguas, que em pouco tornaram-se alimento daqueles indígenas.
Eles nem suspeitavam o mel que estavam provocando, passando a ser alvo da ira dos colonos. De caçadores passaram a ser caçados.Nimuendaju nos dá um impressionante relato de uma dessas “caçadas”, feita por um grupo de 57 homens, reunidos pelo proprietário dos animais desaparecidos, João da Silva, numa aldeia situada no córrego da Lagoa, afluente do rio Sapé: “Os Oti dormiam o sono dos incautos e além disso a cerração encobria o inimigo que se aproximava: uma parte deste pois, a pé, passando através de uma pequena faixa de mata que se estendia pelos fundos da aldeia, cortou-lhes a fugida, enquanto a outra parte, a cavalo, deu a investida pela frente pelo campo aberto e em poucas horas se via uma carnificina, igual a tantas outras que pode enumerar a história de nosso sertão.
Atordoados e sonolentos, os Oti levantaram-se, tentando escapar, tendo alguns deles mesmos tanta pressa nisto, que saíam com a choça à cabeça, arrancando-a do solo com o levantar; porém debalde; eles estavam circulando e foram mortos todos sem exceção de idade ou sexo, até verificarem apenas duas ou três crianças que foram lavadas como troféus vivos. Quantos Oti foram assassinados nesta ocasião no córrego da Lagoa não se pode assegurar hoje. José Paiva, um dos que fizeram parte do grupo dos assaltantes, disse-me que os mortos estavam em montes sobre o terreno, e outras pessoas me garantiram que o número deles alcançava a 200; no entanto parece exagerar.
Depois deste ataque, os Oti se mudaram da região, indo para a mata, em lugares mais escondidos e com sentinelas permanentes.Mesmo assim, continuavam caçando bois e sobretudo cavalos, sua caça preferida. Por volta de 1890, o grupo estava reduzido a 50 pessoas. O extermínio dos Oti fez com que os kaingang do Rio do Peixe se tornassem mais ousados, atacando os colonos. A situação tornou-se tão tensa, que os moradores de Jaguaretê, tiveram que abandonar tudo, mudando-se de região.Os massacres continuavam cada vez mais violentos. Quando localizados em algum samambaial seco, o fogo era ateado, queimando-os vivos.
“Em 1853, alguém condoeu-se e resolveu fazer alguma coisa. Tratava-se de Veríssimo de Góes, um condutor de carro-de-boi de um morador de São Mateus. Imaginou que levando-os até a capital do Estado, iria encontrar ajuda e talvez uma área onde pudesse instala-los. Com muita conversa, convenceu o grupo do cacique Achimaco a realizar a viagem. Desconfiados daquele estranho convite, alguns se recusaram a partir. Com 30 pessoas, Góes iniciou a viagem até São Paulo.
É de se imaginar o impacto que causou um grupo indígena, viajando de trem até a capital Ali chegando nem ajuda material e nem apoio conseguiram. Receberam alguns presentes e foram aconselhados a retornar à região. Sem recurso para a viagem de volta, Veríssimo não hesitou em vender alguns indígenas e por sua vez as mulheres foram vergonhosamente prostituídas para receber algum dinheiro. Dos 30, apenas um pequeno grupo conseguiu voltar à região de origem.
Para completar essa tragédia, uma doença contraída na viagem matou o líder Achimaco e quase todo o grupo, ficando apenas um único sobrevivente. Por sua vez os que se recusaram a ir para São Paulo, foram mortos pelos Kaingang”.
Segundo Nimuendajú, em 1903, restavam apenas nove pessoas: um homem, quatro mulheres e quatro crianças. Nesse mesmo ano, o homem foi assassinado por um tal Manoel Caetano. Narra esse pesquisador, que as mulheres então desamparadas tentaram procurar ajuda entre os colonos. Certo dia, um grupo de trabalhadores encontrou-se com elas, que agarrando-lhes pelas mãos, insinuavam unir-se a eles. Assustados, com aquela aparição repentina, um deles gritou-lhes que eram Coroados (Kaingang).
“Mal se declinara o nome desta tão temida tribo, conta Nimuendaju, perderam os trabalhadores a cabeça e possuídos de verdadeiro pânico, cada qual procurava sua arma, nem mais se lembrando da orelha furada dessas mulheres, que era o sinal da tribo Oti. Debalde clamava o velho Israel (que conhecia bem aquele povo), que não atirassem nelas, debalde: à distância de um braço estendido, um de seus parentes varou com uma bala a cabeça da índia que lhe estava mais próxima; esta caiu-lhe aos pés, fugindo as outras três ao mato e os trabalhadores para as suas casas. No dia seguinte, encontrou-se o cadáver da mulher ainda no mesmo lugar, estando ainda viva a criança que conduzia, a qual só veio a falecer muito tempo depois”.
Em 1910, foram localizados mais três indígenas: um homem e duas mulheres, adotados por famílias brasileiras. Nimuendaju ainda conheceu esse homem, José Chavantes, já muito doente de malária, que logo o levaria.
A história desse povo faz lembrar a frase de Tupxi, indígena Irantxe, na década de 60: “Se a gente amansa índio ele morre de gripe; se não amansa índio, ele morre de tiro”.
PALAVRAS OTI:
Tuasla, estrela
Teuéde, moço
Dielsede, rio, água
Quyade, lua
Athrabe, pai
Itarduêde, menino
Fiduá, mãe
Diguede, mato
Hipipá, mulher
Inhestecude, arco
Igobe, casa
Uictoma, moça
Torta, flecha
Chanin, chuva
Por viverem nos campos, tanto os Oti, como os Ofaiê, foram chamados de Xavante, o que muitas vezes confunde quem não conhece muito a questão indígena. São poucos os relatos sobre os Oti, pois no início deste século já estavam praticamente extintos. Dois textos, pouco citados, merecem destaque: o de Curt Nimuendaju, que conta a história dos últimos remansescentes e um outro de Telêmaco Borba, indigenista que recolheu várias palavras Oti, por volta de 1878. (1908, BORBA, T. Actualidade Indígena. Curitiba: Impressora Paranaense).
O que chamou a atenção de Borba é que aquele povo, como alguns povos jê, possuía sons que os grupos de língua tupi não tinham, como o /r/ forte, Borba afirma que “é muito gutural”, e é o que se chama de /r/ retroflexo. Esta observação é de suma importância, pois vem mostrar uma das origens do famoso /r/ paulista, classificado também como /r/ caipira. Este mesmo som encontramos na língua kaingang e provavelmente deve haver o mesmo em outras línguas de grupos da família jê, mostrando uma influência de línguas do tronco macro-jê na fonética brasileira atual.
Os Oti, como vários grupos coletores, embora andarilhos, possuíam um território bastante delimitado – os Campos Novos – , no Oeste do Estado de São Paulo. Ao Norte, eram barrados pelas matas da bacia do Rio do Peixe, onde viviam seus inimigos tradicionais, os Kaingang, e ao Sul, pelo Rio Paranapanema, habitat dos Guarani Kaiowá. Como moradores dos campos, não usavam a canoa e pouca intimidade tinham com o rio.
Assemelhavam-se na simplicidade de vida aos Nambikwara, do Oeste de Mato Grosso. Não conheciam a cerâmica. Suas casas eram como os abrigos, feitas com ramos enterrados no chão e cobertas de folhas de palmeira, tão pequenas, que mal dava para se ficar sentado dentro delas. Construíam-nas alinhadas à beira de algum riacho, para facilitar a obtenção d’água.
Caçavam nos campos onde viviam, mas quando os animais se tornavam mais escassos, procuravam a mata, moradia de seus inimigos Kaingang. Como valentes guerreiros, os enfrentavam e geralmente levavam a melhor. Para a caça e a guerra, possuíam o arco, a flecha e uma comprida lança, feita com o tronco da palmeira.
Os aldeamentos eram pequenos, formados no máximo por 40 pessoas e a população total não devia passar de 500 pessoas.
A situação desse povo modificou-se drasticamente quando, por volta de 1830, os mineiros começaram a invadir a região. Com eles veio o gado. Para os Oti, aqueles estrangeiros pareciam trazer-lhes dádiva do céu, pois não precisavam se arriscar nas matas dos Kaingang, encontrando farto alimento nos tranqüilos animais que pastavam nos campos. Conta-se que, em 1870, chegou na região uma tropa de 80 éguas, que em pouco tornaram-se alimento daqueles indígenas.
Eles nem suspeitavam o mel que estavam provocando, passando a ser alvo da ira dos colonos. De caçadores passaram a ser caçados.Nimuendaju nos dá um impressionante relato de uma dessas “caçadas”, feita por um grupo de 57 homens, reunidos pelo proprietário dos animais desaparecidos, João da Silva, numa aldeia situada no córrego da Lagoa, afluente do rio Sapé: “Os Oti dormiam o sono dos incautos e além disso a cerração encobria o inimigo que se aproximava: uma parte deste pois, a pé, passando através de uma pequena faixa de mata que se estendia pelos fundos da aldeia, cortou-lhes a fugida, enquanto a outra parte, a cavalo, deu a investida pela frente pelo campo aberto e em poucas horas se via uma carnificina, igual a tantas outras que pode enumerar a história de nosso sertão.
Atordoados e sonolentos, os Oti levantaram-se, tentando escapar, tendo alguns deles mesmos tanta pressa nisto, que saíam com a choça à cabeça, arrancando-a do solo com o levantar; porém debalde; eles estavam circulando e foram mortos todos sem exceção de idade ou sexo, até verificarem apenas duas ou três crianças que foram lavadas como troféus vivos. Quantos Oti foram assassinados nesta ocasião no córrego da Lagoa não se pode assegurar hoje. José Paiva, um dos que fizeram parte do grupo dos assaltantes, disse-me que os mortos estavam em montes sobre o terreno, e outras pessoas me garantiram que o número deles alcançava a 200; no entanto parece exagerar.
Depois deste ataque, os Oti se mudaram da região, indo para a mata, em lugares mais escondidos e com sentinelas permanentes.Mesmo assim, continuavam caçando bois e sobretudo cavalos, sua caça preferida. Por volta de 1890, o grupo estava reduzido a 50 pessoas. O extermínio dos Oti fez com que os kaingang do Rio do Peixe se tornassem mais ousados, atacando os colonos. A situação tornou-se tão tensa, que os moradores de Jaguaretê, tiveram que abandonar tudo, mudando-se de região.Os massacres continuavam cada vez mais violentos. Quando localizados em algum samambaial seco, o fogo era ateado, queimando-os vivos.
“Em 1853, alguém condoeu-se e resolveu fazer alguma coisa. Tratava-se de Veríssimo de Góes, um condutor de carro-de-boi de um morador de São Mateus. Imaginou que levando-os até a capital do Estado, iria encontrar ajuda e talvez uma área onde pudesse instala-los. Com muita conversa, convenceu o grupo do cacique Achimaco a realizar a viagem. Desconfiados daquele estranho convite, alguns se recusaram a partir. Com 30 pessoas, Góes iniciou a viagem até São Paulo.
É de se imaginar o impacto que causou um grupo indígena, viajando de trem até a capital Ali chegando nem ajuda material e nem apoio conseguiram. Receberam alguns presentes e foram aconselhados a retornar à região. Sem recurso para a viagem de volta, Veríssimo não hesitou em vender alguns indígenas e por sua vez as mulheres foram vergonhosamente prostituídas para receber algum dinheiro. Dos 30, apenas um pequeno grupo conseguiu voltar à região de origem.
Para completar essa tragédia, uma doença contraída na viagem matou o líder Achimaco e quase todo o grupo, ficando apenas um único sobrevivente. Por sua vez os que se recusaram a ir para São Paulo, foram mortos pelos Kaingang”.
Segundo Nimuendajú, em 1903, restavam apenas nove pessoas: um homem, quatro mulheres e quatro crianças. Nesse mesmo ano, o homem foi assassinado por um tal Manoel Caetano. Narra esse pesquisador, que as mulheres então desamparadas tentaram procurar ajuda entre os colonos. Certo dia, um grupo de trabalhadores encontrou-se com elas, que agarrando-lhes pelas mãos, insinuavam unir-se a eles. Assustados, com aquela aparição repentina, um deles gritou-lhes que eram Coroados (Kaingang).
“Mal se declinara o nome desta tão temida tribo, conta Nimuendaju, perderam os trabalhadores a cabeça e possuídos de verdadeiro pânico, cada qual procurava sua arma, nem mais se lembrando da orelha furada dessas mulheres, que era o sinal da tribo Oti. Debalde clamava o velho Israel (que conhecia bem aquele povo), que não atirassem nelas, debalde: à distância de um braço estendido, um de seus parentes varou com uma bala a cabeça da índia que lhe estava mais próxima; esta caiu-lhe aos pés, fugindo as outras três ao mato e os trabalhadores para as suas casas. No dia seguinte, encontrou-se o cadáver da mulher ainda no mesmo lugar, estando ainda viva a criança que conduzia, a qual só veio a falecer muito tempo depois”.
Em 1910, foram localizados mais três indígenas: um homem e duas mulheres, adotados por famílias brasileiras. Nimuendaju ainda conheceu esse homem, José Chavantes, já muito doente de malária, que logo o levaria.
A história desse povo faz lembrar a frase de Tupxi, indígena Irantxe, na década de 60: “Se a gente amansa índio ele morre de gripe; se não amansa índio, ele morre de tiro”.
PALAVRAS OTI:
Tuasla, estrela
Teuéde, moço
Dielsede, rio, água
Quyade, lua
Athrabe, pai
Itarduêde, menino
Fiduá, mãe
Diguede, mato
Hipipá, mulher
Inhestecude, arco
Igobe, casa
Uictoma, moça
Torta, flecha
Chanin, chuva
Leia aqui o artigo original:
http://terre.indigene.free.fr/etnias/OTI.htm
http://terre.indigene.free.fr/etnias/OTI.htm
Guia traduz os nomes tupis de São Paulo
Publicado em junho 6, 2008
Lançado nesta semana, livro de guia de turismo compila os significados de nomes de bairros e ruas da capital, derivados do idioma nativo
por Moacir Assunção
ESTADÃO Vera Lúcia Dias, de 56 anos, especializada em turismo cultural em São Paulo, conhece bem a cidade. Mas eis que, há cinco anos, uma turista portuguesa lançava uma pergunta, que viraria desafio: “O que significa Maracanã?” Ela não sabia. Como também não sabia a origem de outras palavras que despertavam a curiosidade dos turistas. Eles queriam saber o que significava pacaembu (rio das pacas), tucuruvi (gafanhoto verde), anhangabaú (bebedouro do demônio), jaçanã (galinha d?água), tatuapé (caminho do tatu), anhangüera (diabo velho), itaquera (pedra a dormir), guaianazes (parente), ipiranga (riacho vermelho), jabaquara (esconderijo de negros fugidos), morumbi (mosca verde) e ibirapuera (madeira podre).
Para não silenciar novamente, ela pesquisou. Do estudo, surgiu o livro O Tupi em São Paulo, Vocabulário de Nomes Tupis nos Bairros Paulistanos (Editora Plêiades), lançado nesta semana.
Descendente de clássicos como Vocabulário Tupi-Guarani Português, de Silveira Bueno, e Gramática da Língua Tupi, de Teodoro Sampaio, a obra, de apenas 50 páginas, tem como objetivo introduzir turistas e paulistanos na língua dos nativos. Até meados do século 18, só se falava em tupi ou em sua variação, a língua geral nheengatu, na cidade, então pobre povoação perdida no planalto de Piratininga (peixe seco). A autora, que nasceu na Mooca (fazer casa, em tupi), também freqüentou o curso de tupi antigo oferecido pelo professor Eduardo de Almeida Navarro, da Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo (USP).
Descobriu que os nomes de boa parte dos 2 mil microbairros paulistanos têm origem em dois troncos: no tupi, casos de alguns dos mais antigos, e no português, ligado à religião, como Santo Amaro, Penha, Freguesia do Ó e Santana. Com relação às ruas, há enorme quantidade delas com nomes indígenas. “As pessoas, de maneira geral, não sabem o que significa o nome de seus bairros. Tenho percebido, para meu espanto, jovens que nem sabem onde nasceram”, diz ela. Nesse desconhecimento pode estar a chave, para a guia, de um certo desamor do paulistano pela cidade.
Até ela se surpreendeu: pensava que palavras como Sacomã e Nhocuné eram de origem indígena. São o sobrenome de uma família francesa, os Saccoman, que povoaram o bairro da zona sul, e uma contração da expressão “sinhô coroné”, usada pelos escravos para se referir ao coronel Christalino Luiz da Silva, dono das terras que geraram a área, na zona leste.
“O que mais me dá prazer é quando alguém, depois de conhecer o significado do nome do seu bairro, se interessa em pesquisar mais sobre a cidade”, comenta Vera, de pouco mais de 1,50 metro e cabelos curtos, que há dez anos leva turistas a lugares inusitados, como o Cemitério da Consolação. “Quando viajam para o exterior, os turistas brasileiros visitam o cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, e o Père-Lachaise, de Paris. Por que não passear pelas alamedas de um lugar que conta a história de São Paulo, como o Consolação?”
Vera faz questão de dedicar seu trabalho aos índios guaranis, língua do tronco tupi, das três aldeias que sobrevivem na cidade – duas em Parelheiros, a Crucutu e a Morro da Saudade, e a terceira no Pico do Jaraguá. Sua tristeza é constatar que São Paulo, que deve sua toponímia e geografia, além da língua e de vários hábitos, aos índios, não reservou nenhum espaço para eles no centro. “Os turistas se espantam quando a gente fala que ainda há índios em São Paulo, mas vê-los sentados na Praça da Sé, vendendo artesanato, me dói no coração.”
Para entrar no clima, ela saúda os turistas com a tradicional “dereco-porã?” (tudo bem?, em guarani). A propósito, Maracanã é um tipo de arara, um papagaio amarelo antigamente comum nas matas brasileiras, assim como a variedade canindé, que dá nome a um bairro e a um estádio paulistanos.
VOCABULÁRIO TUPI
Butantã – terra dura
Cangaíba – dor de cabeça
Carandiru – cesto de flores
Congonhas – erva mate
Cupecê – língua partida
Grajaú – macaco preto
Guarapiranga – garça vermelha
Imirim – rio pequeno
Iguatemi – verde escuro
Itaim – pedra pequena
Jaguaré – lugar onde havia onças
Jaraguá – o senhor do vale
Mauá – coisa elevada
Moema – doce
Tamanduateí – rio de muitas voltas
Tamoio – bisavô
Tutóia – Oh, lindo
por Moacir Assunção
ESTADÃO Vera Lúcia Dias, de 56 anos, especializada em turismo cultural em São Paulo, conhece bem a cidade. Mas eis que, há cinco anos, uma turista portuguesa lançava uma pergunta, que viraria desafio: “O que significa Maracanã?” Ela não sabia. Como também não sabia a origem de outras palavras que despertavam a curiosidade dos turistas. Eles queriam saber o que significava pacaembu (rio das pacas), tucuruvi (gafanhoto verde), anhangabaú (bebedouro do demônio), jaçanã (galinha d?água), tatuapé (caminho do tatu), anhangüera (diabo velho), itaquera (pedra a dormir), guaianazes (parente), ipiranga (riacho vermelho), jabaquara (esconderijo de negros fugidos), morumbi (mosca verde) e ibirapuera (madeira podre).
Para não silenciar novamente, ela pesquisou. Do estudo, surgiu o livro O Tupi em São Paulo, Vocabulário de Nomes Tupis nos Bairros Paulistanos (Editora Plêiades), lançado nesta semana.
Descendente de clássicos como Vocabulário Tupi-Guarani Português, de Silveira Bueno, e Gramática da Língua Tupi, de Teodoro Sampaio, a obra, de apenas 50 páginas, tem como objetivo introduzir turistas e paulistanos na língua dos nativos. Até meados do século 18, só se falava em tupi ou em sua variação, a língua geral nheengatu, na cidade, então pobre povoação perdida no planalto de Piratininga (peixe seco). A autora, que nasceu na Mooca (fazer casa, em tupi), também freqüentou o curso de tupi antigo oferecido pelo professor Eduardo de Almeida Navarro, da Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo (USP).
Descobriu que os nomes de boa parte dos 2 mil microbairros paulistanos têm origem em dois troncos: no tupi, casos de alguns dos mais antigos, e no português, ligado à religião, como Santo Amaro, Penha, Freguesia do Ó e Santana. Com relação às ruas, há enorme quantidade delas com nomes indígenas. “As pessoas, de maneira geral, não sabem o que significa o nome de seus bairros. Tenho percebido, para meu espanto, jovens que nem sabem onde nasceram”, diz ela. Nesse desconhecimento pode estar a chave, para a guia, de um certo desamor do paulistano pela cidade.
Até ela se surpreendeu: pensava que palavras como Sacomã e Nhocuné eram de origem indígena. São o sobrenome de uma família francesa, os Saccoman, que povoaram o bairro da zona sul, e uma contração da expressão “sinhô coroné”, usada pelos escravos para se referir ao coronel Christalino Luiz da Silva, dono das terras que geraram a área, na zona leste.
“O que mais me dá prazer é quando alguém, depois de conhecer o significado do nome do seu bairro, se interessa em pesquisar mais sobre a cidade”, comenta Vera, de pouco mais de 1,50 metro e cabelos curtos, que há dez anos leva turistas a lugares inusitados, como o Cemitério da Consolação. “Quando viajam para o exterior, os turistas brasileiros visitam o cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, e o Père-Lachaise, de Paris. Por que não passear pelas alamedas de um lugar que conta a história de São Paulo, como o Consolação?”
Vera faz questão de dedicar seu trabalho aos índios guaranis, língua do tronco tupi, das três aldeias que sobrevivem na cidade – duas em Parelheiros, a Crucutu e a Morro da Saudade, e a terceira no Pico do Jaraguá. Sua tristeza é constatar que São Paulo, que deve sua toponímia e geografia, além da língua e de vários hábitos, aos índios, não reservou nenhum espaço para eles no centro. “Os turistas se espantam quando a gente fala que ainda há índios em São Paulo, mas vê-los sentados na Praça da Sé, vendendo artesanato, me dói no coração.”
Para entrar no clima, ela saúda os turistas com a tradicional “dereco-porã?” (tudo bem?, em guarani). A propósito, Maracanã é um tipo de arara, um papagaio amarelo antigamente comum nas matas brasileiras, assim como a variedade canindé, que dá nome a um bairro e a um estádio paulistanos.
VOCABULÁRIO TUPI
Butantã – terra dura
Cangaíba – dor de cabeça
Carandiru – cesto de flores
Congonhas – erva mate
Cupecê – língua partida
Grajaú – macaco preto
Guarapiranga – garça vermelha
Imirim – rio pequeno
Iguatemi – verde escuro
Itaim – pedra pequena
Jaguaré – lugar onde havia onças
Jaraguá – o senhor do vale
Mauá – coisa elevada
Moema – doce
Tamanduateí – rio de muitas voltas
Tamoio – bisavô
Tutóia – Oh, lindo
O tupi que o Brasil fala hoje
Publicado em abril 20, 2008
Assim como o latim e o grego, o tupi antigo participou decisivamente do português que é falado no Brasil.
Assim, mesmo sem saber, não existe brasileiro que não conheça alguma palavra desse idioma. Que não saboreie abacaxi, pitanga, caju, jaboticaba, sapoti, gravatá ou pequi, frutas que conservaram seus nomes nativos. Ou que jamais tenha ouvido cantigas folclóricas como “Eu fui no itororó beber água e não achei. Achei bela morena, que no itororó deixei” —, mesmo desconhecendo que itororó é uma palavra indígena que significa bica d’água. Leia a seguir mais alguns exemplos, extraídos do Método Moderno de Tupi Antigo, livro do professor Eduardo Navarro:
“Reparando bem, todo mundo tem pereba, só a bailarina que não tem”, diz uma música de Chico Buarque de Holanda. Pereba, do tupi, significa ferida.
- Pare com este nhen-nhen-nhen. A expressão vem do verbo nhe’eng (falar, piar) e significa pare de ficar falando, de falar sem parar.
-O velho jogo de peteca, que é um pequeno saco cheio de areia ou serragem sobre o qual se prendem penas de aves, tem este nome devido ao verbo petek — golpear ou bater com a mão espalmada. É com a palma da mão que se joga o brinquedo.
- Velha coroca é uma velha resmungona. O termo nasceu do verbo kuruk, que significa resmungar.
- O verbo cutucar, em português, origina-se do tupi kutuk, cujo significado original — furar, espetar — modificou-se ligeiramente. Em português, cutucar é tocar com a mão ou com o pé.
- Estar jururu é estar melancólico, tristonho, cabisbaixo. O termo indígena aruru, de onde surgiu a palavra, tem o mesmo sentido.
- Várias palavras mantiveram pronúncia e significado praticamente originais: mingau (papa preparada geralmente com farinha de mandioca), capim, mirim (que significa pequeno) e socar (do verbo sok, com o mesmo significado).
- A expressão estar na pindaíba muito brasileiro conhece: significa estar em graves dificuldades financeiras.É uma expressão que vem das palavras pinda’yba — vara de pescar (pindá, isoladamente, significa anzol). Antigamente, quando a pobreza abatia as populações ribeirinhas, era comum se tentar tirar a subsistência do rio, pescando para comer ou para vender o pescado. Segundo os pesquisadores, a expressão nasceu no período colonial brasileiro, em que o tupi em sua forma evoluída conhecida como “língua geral” era falado pela maioria dos brasileiros.
- A perereca recebe esse nome simplesmente porque ela pula. Vem do verbo pererek, pular, que é também a origem do Saci-Pererê que, por não ter uma perna, anda aos pulos.
“Reparando bem, todo mundo tem pereba, só a bailarina que não tem”, diz uma música de Chico Buarque de Holanda. Pereba, do tupi, significa ferida.
- Pare com este nhen-nhen-nhen. A expressão vem do verbo nhe’eng (falar, piar) e significa pare de ficar falando, de falar sem parar.
-O velho jogo de peteca, que é um pequeno saco cheio de areia ou serragem sobre o qual se prendem penas de aves, tem este nome devido ao verbo petek — golpear ou bater com a mão espalmada. É com a palma da mão que se joga o brinquedo.
- Velha coroca é uma velha resmungona. O termo nasceu do verbo kuruk, que significa resmungar.
- O verbo cutucar, em português, origina-se do tupi kutuk, cujo significado original — furar, espetar — modificou-se ligeiramente. Em português, cutucar é tocar com a mão ou com o pé.
- Estar jururu é estar melancólico, tristonho, cabisbaixo. O termo indígena aruru, de onde surgiu a palavra, tem o mesmo sentido.
- Várias palavras mantiveram pronúncia e significado praticamente originais: mingau (papa preparada geralmente com farinha de mandioca), capim, mirim (que significa pequeno) e socar (do verbo sok, com o mesmo significado).
- A expressão estar na pindaíba muito brasileiro conhece: significa estar em graves dificuldades financeiras.É uma expressão que vem das palavras pinda’yba — vara de pescar (pindá, isoladamente, significa anzol). Antigamente, quando a pobreza abatia as populações ribeirinhas, era comum se tentar tirar a subsistência do rio, pescando para comer ou para vender o pescado. Segundo os pesquisadores, a expressão nasceu no período colonial brasileiro, em que o tupi em sua forma evoluída conhecida como “língua geral” era falado pela maioria dos brasileiros.
- A perereca recebe esse nome simplesmente porque ela pula. Vem do verbo pererek, pular, que é também a origem do Saci-Pererê que, por não ter uma perna, anda aos pulos.
Língua do Brasil
Publicado em abril 19, 2008
.
Especialista contesta que nossa língua é a portuguesa.
Sabe aquela história de que falamos português? Pois bem, segundo o lingüista Nicolau Leite, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e mais conhecido pelo seu pseudônimo literário, Nic Tupan’an, aquilo não passa de nhenhenhém. Como nossa língua pode ser portuguesa se ela é formada por 30 000 vocábulos indígenas e mais de 3 000 palavras trazidas pelos escravos africanos do tronco banto (veja quadro abaixo)?, diz. Nhenhenhém, por exemplo, é uma palavra do nheengatu-tupi, a língua falada no Brasil até o século XVIII, quando Portugal proibiu sua utilização. Nheem designa o ato de falar, nhenhenhém é falatório inútil, sem sentido. Tupan’an, que quer dizer alma de trovão, acha que nosso idioma é mesmo o brasileiro e que é absurdo tentar unificar as línguas com normatizações. O português, no fundo, foi só a casa de fundação da nossa língua, que recebeu e continua recebendo influências de todos os lados, afirma.
Palavras do nheengatu-tupi, a língua geral que se falava no Brasil
Catingar:
Exalar mau cheiro. Caá é mato e ting, virgem. Caatinga é mata virgem. O verbo catingar surgiu porque as pessoas, quando entram nessas matas típicas do sertão nordestino (que já são malcheirosas), voltam suadas, cheirando mal. Não há nesses locais rios para tomar banho.
Capinar:
Devastar, cortar o mato. Vem da soma das palavras caá (mato) e pin (cortar). A palavra capim também tem sua origem aí e significava erva-daninha, ou mato que tem que ser cortado.
Niterói:
O nome dessa cidade tem sua origem da união entre inti (sem) e roi (frio) e significa lugar quente.
Catapora:
Tatá é fogo, pora é interno. Catapora, portanto, quer dizer fogo interno. Ou febre intensa, um dos sintomas da doença.
Palavras do banto, tronco lingüístico do sul da África
Baia:
Origina-se da palavra dibaia, que quer dizer tábua de madeira. Passou a designar aqueles cubículos de madeira onde ficam os cavalos e acabou denominando também os locais de trabalho cercados por barreiras baixas.
Jabaculê:
Vem da palavra bakula, que designava o pagamento, normalmente em alimentos, para as divindades. Daí os dois sentidos atuais: pagar propina e carne seca.
Babau:
Em português quer dizer acabou, terminou. Com a mesma grafia em kinbundu, uma língua banto, significava foi embora.
Bagunça:
Vem de bangunza, que significa revolta, insurreição.
Palavras do nheengatu-tupi, a língua geral que se falava no Brasil
Catingar:
Exalar mau cheiro. Caá é mato e ting, virgem. Caatinga é mata virgem. O verbo catingar surgiu porque as pessoas, quando entram nessas matas típicas do sertão nordestino (que já são malcheirosas), voltam suadas, cheirando mal. Não há nesses locais rios para tomar banho.
Capinar:
Devastar, cortar o mato. Vem da soma das palavras caá (mato) e pin (cortar). A palavra capim também tem sua origem aí e significava erva-daninha, ou mato que tem que ser cortado.
Niterói:
O nome dessa cidade tem sua origem da união entre inti (sem) e roi (frio) e significa lugar quente.
Catapora:
Tatá é fogo, pora é interno. Catapora, portanto, quer dizer fogo interno. Ou febre intensa, um dos sintomas da doença.
Palavras do banto, tronco lingüístico do sul da África
Baia:
Origina-se da palavra dibaia, que quer dizer tábua de madeira. Passou a designar aqueles cubículos de madeira onde ficam os cavalos e acabou denominando também os locais de trabalho cercados por barreiras baixas.
Jabaculê:
Vem da palavra bakula, que designava o pagamento, normalmente em alimentos, para as divindades. Daí os dois sentidos atuais: pagar propina e carne seca.
Babau:
Em português quer dizer acabou, terminou. Com a mesma grafia em kinbundu, uma língua banto, significava foi embora.
Bagunça:
Vem de bangunza, que significa revolta, insurreição.
Superinteressante:
http://super.abril.com.br/superarquivo/2001/conteudo_119593.shtml
http://super.abril.com.br/superarquivo/2001/conteudo_119593.shtml
A importância do Tupi
Publicado em abril 4, 2008
.
O tupi foi a língua mais falada do Brasil até o século 18 e foi a língua oficial do Brasil junto com o português até o século 18. E só deixou de ser falado porque o Marquês de Pombal, em 1759, proibiu o ensino do tupi. O tupi antigo era conhecido até o século 16 como língua brasílica. No século 17, ele passou a ser chamado de língua geral, pois incorporou termos do português e das línguas africanas. Mas continuava sendo uma língua indígena, assim como é até hoje o guarani no Paraguai, falado por 95% da população. Nas relações formais, é o castelhano que se fala, mas em casa é só o guarani. A dissolução do tupi foi rápida porque a perseguição foi muito violenta. Mesmo assim, até o século 19 ainda havia muitos falantes do tupi. Hoje, a língua geral só é falada no Amazonas, no alto Rio Negro – chama-se nheengatu e tem milhares de falantes entre os caboclos, índios e as populações ribeirinhas.
.
O tupi é importante para se entender a cultura brasileira. O brasileiro já nasce falando tupi, mesmo sem saber. O português falado em Portugal diferencia-se do nosso principalmente por causa das expressões em tupi que incorporamos. Essa incorporação é tão profunda que nem nos damos conta dela. Mas é isso o que faz a nossa identidade nacional. (…) Além disso, a literatura brasileira não é só em português, é em tupi também. Um exemplo são as obras do padre Anchieta, que escreveu teatro, poesia lírica, músicas, catequese, tudo em tupi. Gonçalves Dias quis recuperar isso com suas obras, como I Juca Pirama – que significa “o que vai ser morto” –, assim como José de Alencar que, ao escrever Ubirajara, Iracema e tantos outros livros, buscava encontrar o rosto do Brasil. A importância do tupi se faz notar em cada fala nossa.
.
Sem comentários
Enviar um comentário