No Acre, há quatro grupos distintos de índios isolados (Foto: Gleison Miranda/ Funai/ Survival/ Divulgação)
O ex-sertanista e atual assessor indígena da Assessoria Especial para Assuntos Indígenas do Acre, Carlos Meirelles, trabalha desde 1988 com índios isolados. Ele explicou ao G1 sobre esses grupos indígenas, as principais ameaças vividas por eles e criticou a situação das Frentes de Proteção Etnoambiental. "As bases estão abandonadas e os índios estão à própria sorte", afirmou.
Os isolados
O trabalho com Índios Isolados começou na Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1987, quando o órgão criou o Departamento de Índios Isolados e mudou sua política sertanista. Assim conta Carlos Meirelles, que fez parte deste processo e lembra das mudanças realizadas na época. "A gente aproveitou o ganho da nova constituição e fizemos uma proposta de política, em que inverteu a ordem de prioridade. A prioridade então seria proteger os índios isolados e não fazer contato com eles", conta.
Carlos Meirelles comenta a atual situação das Frentes de Protecção e dos índios isolados, povos com que começou a trabalhar em 1988 (Foto: Veriana Ribeiro/G1)
Meirelles, que na época era técnico de indigenismo na Funai, foi trabalhar em 1988 onde hoje é localizada a Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira, como coordenador do local. "Eu vim para o Acre em 76. Trabalhava com Jaminawa, Manchineri, mas com isolados foi a partir de 88", lembra.
Desde então o indigenista trabalha e estuda povos isolados. Segundo ele, no Acre, há quatro grupos distintos de índios isolados. "Na região do Envira tem três grupos de isolados que são agricultores. Mas depois de três anos eles mudam. É uma andança do roçado, mas não é o nomadismos. Pelas características dos roçados e casas, é possível que eles sejam de etnias Panos", explica.
Existe também um outro grupo, que Meirelles gosta de classificar como caçadores e coletores. "Os caçadores e coletores andam em uma área muito grande, mas é sempre aquela área. Anda sazonalmente na região da Terra Indígena do Mamoadate, onde ficam os Manchineri. E também no Envira", diz.
De acordo com ele, desses quatro grupos de índios isolados, metade vive na área de fronteira com o Peru. "Uma hora eles estão do lado brasileiro, outra eles tão do lado peruano. Eles sempre moraram ali, a gente que inventou uma linha imaginária e colocou no meio. Eles não migram, eles sempre estiveram ali. Mas quando está ruim de um lado, ele ficam na outra parte da fronteira", comenta.
O ex-sertanista explica que devido as explorações de petróleo, madeira e o tráfico de drogas no lado peruano, os isolados estão aparecendo com maior frequência no lado brasileiro. Só que a região do rio Envira já sofreu diversas vezes com a invasão de traficantes de drogas. Atualmente a frente de proteção não está funcionando, de acordo com Meirelles.
Além disso, como existem várias evidências de índios isolados no Brasil e a demarcação pode ser feita sem que eles sejam contatados, muitos são mortos por grandes fazendeiros. "Os grandes fazendeiros, se desconfiarem que tem índio isolado na terra deles, mandam matar tudo, sumir com os vestígios se não perde a terra", afirmou Meirelles.
A Frente de Proteção Etnoambiental do Rio Envira foi, diversas vezes, invadida por traficantes peruanos (Foto: Gleilson Miranda/Agência de Noticias do Acre)
Situação das frentes
No Acre, existem atualmente duas Frentes de Proteção Etnoambiental para lidar com os Índios Isolados. Porém, elas estão fechadas. De acordo com Meirelles, a Funai fez, em 2010, a contratação de Auxiliares de Frente. Porém, antigo coordenador da Frente Envira não concorda com a forma que foi feita essa seleção. "Até 2010, tinha um coordenador da frente e tinham os mateiros. Que eram pessoas terceirizadas, que a gente selecionou ao longo do tempo na beira de rio, gente bom de mato", conta.
O processo seletivo feito para Funai, segundo Meirelles, foram contratados 16 pessoas que tinha conhecimentos acadêmicos, mas que não sabiam viver no meio da floresta. "Como você protege um território, se você não sabe nem andar no mato? Como esse cara vai identificar vestígio de índio isolado se ele não sabe a diferença de uma paxiúba de uma bananeira?", ironiza o ex-coordenador de Frente.
Segundo Meirelles, os mateiros que trabalhavam na Frente não tiveram a oportunidade de ensinar os novos contratados. "O dia que esses caras começaram a trabalhar, a Funai demitiu todos os nossos mateiros", critica. "O cara não está no ambiente dele, ele não foi treinado, eu não sabia também quando eu fui trabalhar na Funai. Eu aprendi, tive quem me ensinasse", afirma.
O especialista em índios isolados também critica os novos contratados, que ao serem contratados começaram a fazer diversas exigências trabalhistas. "Assisti uma reunião dessa turma, durante três dias não ouvia a palavra índio. É uma questão trabalhista", recrimina.
Quando se trabalha em uma Frente Etnoambiental da Funai, segundo Meirelles, é feito um esquema de plantão. "Você fica confinado. Se você passa 24 horas de plantão, você não tem três dias de folga? Se o cara passa um mês no mato, eles querem passar três meses de folga. A Funai teria que contratar um helicóptero para transportar esse povo em esquema de rodízio, para a Frente não ficar abandonada", ironiza o ex-sertanista.
Meirelles acredita que a situação é complicada e não sabe como a instituição irá resolver. Procurados pelo G1, a Funai informou que o responsável pelo setor que trabalha com as frentes de proteção e os índios isolados está viajando e a instituição não poderia se pronunciar no momento sobre o caso.
Meirelles acredita que, se o conflito de interesses se resolvesse, com um grupo de 16 pessoas poderia ser feito um bom trabalho. "Tem duas coisas para fazer. Você tem que proteger o território dos índios isolados e tem que trabalhar com os índios do entorno. Uma turma ficaria nas bases, junto com os mateiros até eles aprenderem", comenta.
Para ele, o trabalho nas frentes de proteção é uma ação que deve ser fortalecida, mas que é preciso repensar as políticas em relação aos índios isolados no Brasil. "Arrumar a frente é varejo, se não tiver uma política nacional séria em relação a esses povos não adianta organizar essas frentes. Já é difícil convencer o estado brasileiro pra marcar uma terra pra índio que você conversa, imagina demarcar uma terra pra um índio que ninguém vê?", diz.
Índigenas ajudam pesquisadores a identificar nos mapas onde foram encontrados vestígios de índios isolados (Foto: Maria Emília Coelho/ CPI-Acre)
Diálogo
De acordo com Meirelles, mesmo que não haja contato direto com os índios isolados, existia nas frentes de proteção um diálogo com esses povos. "Há um diálogo com a frente e os isolados, mas era um diálogo de atitudes, não de palavras", afirma.
Segundo ele, era fácil perceber se os isolados estavam sofrendo problemas com a relação que eles tinham com a Frente. "A gente acaba sendo um termômetro, quando eles começam a flechar a gente sabe que está acontecendo algum problema", explica.
Ele explica que havia no espaço da Frente de Proteção um roçado feito para os índios isolados com um objeto que produzia som. "Quando os índios estavam numa boa, eles avisavam que tinham passado por lá soprando", comenta.
Meirelles afirma que, mesmo com o monitoramento via satélite, é necessário ter pessoas nos territórios para realizar o monitoramento e proteção da área. "Esses povos só existem como isolados se o território tiver tranqüilo, se eles tiverem caça, tiverem peixe. Se a área tiver tranqüila. Caso contrário, como isolados eles se acabam", afirma.
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