Dados do Censo 2010 recém-divulgados pelo IBGE que municiaram a formatação do programa federal oferecem uma radiografia detalhada da população que vive abaixo da linha de pobreza extrema, ou seja, com renda familiar de até R$ 70 mensais por pessoa - que representam 8,5% dos 190 milhões de brasileiros.
A estimativa dos que sobrevivem com até R$ 39 mensais per capita é a soma dos 4,8 milhões de miseráveis que moram em domicílios sem renda alguma e 5,7 milhões de moradores em domicílios com rendimento de R$ 1 a R$ 39 mensais. Estima-se que outros de 5,7 milhões vivem com renda entre R$ 40 e R$ 70 mensais por pessoa da família.
Os números calculados pelo Estado são aproximados e levam em conta o número médio de 4,8 moradores por domicílio com renda familiar entre R$ 1 e R$ 70 mensais.
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social com base no Censo 2010, há 4 milhões de domicílios miseráveis no País. Em 1,62 milhão desse total vivem famílias que não têm renda. Em 1,19 milhão de moradias a renda familiar é de R$ 1 a R$ 39 mensais per capita e em outro 1,19 milhão as famílias vivem R$ 40 a R$ 70.
Além da baixíssima renda, os extremamente pobres têm em comum o fato de viverem em domicílios com pelo menos um tipo de carência por serviços básicos, como energia elétrica, abastecimento de água, rede de saneamento ou coleta de lixo.
Ranking
O Estado com o maior número absoluto de miseráveis é a Bahia, onde estão 2,4 milhões, ou 14,8% da população extremamente pobre. Os baianos miseráveis são 17,7% dos habitantes do Estado.
No Maranhão, no entanto, está a maior proporção de miseráveis. Um em cada quatro moradores vive com renda familiar per capita entre zero e R$ 70 - um total de 1,7 milhão de pessoas, que representam 25,7% da população.
Seis Estados (PA, MA, CE, PE, BA e SP) têm, cada um, mais de 1 milhão de moradores em extrema pobreza. Juntos, eles concentram 9,4 milhões de miseráveis, ou 58% do total.
São Paulo. Estado mais populoso do País, São Paulo tem 1,084 milhão de pessoas que vivem em domicílios em situação de pobreza extrema - o que representa só 2,6% do total de habitantes.
‘É o núcleo duro da pobreza’, diz secretária
A secretária extraordinária para Superação da Extrema Pobreza do Ministério do Desenvolvimento Social, Ana Fonseca, considerou a população com renda familiar de até R$ 39 mensais por pessoa "o núcleo duro da extrema pobreza", mas destacou que os dados até agora divulgados pelo IBGE levam em conta apenas a renda monetária. Outras formas de renda, como a agricultura de subsistência, não são levadas em consideração nesta fase de divulgação do Censo.
"Quando olhamos a incidência da pobreza por Estado, por municípios, perguntamos: ‘quais eram as outras manifestações da pobreza?’ Isso nos permitiu estabelecer uma meta. A renda foi um instrumento para jogar luz sobre a outra cara da pobreza. Apontamos os domicílios em situação de extrema pobreza que, além da renda, não têm energia elétrica ou água potável ou existem pessoas sem documentos ou analfabetas", diz a secretária.
Ana Fonseca acredita que o reajuste do Bolsa Família, concedido em abril deste ano, já provocará aumento da renda dos extremamente pobres, o que será medido pelas pesquisas domiciliares em 2011, com resultados divulgados em 2012.
Quanto à meta de erradicação da miséria, a secretária diz ter grande expectativa de que parcerias com Estados que começam a fixar limites maiores para a pobreza extrema ajudem a garantir renda familiar acima dos R$ 70 mensais per capita. No Rio de Janeiro, são considerados miseráveis os que têm renda domiciliar per capita de até R$ 100 mensais. "A pactuação com os Estados ainda vai nos dizer muito sobre a renda das famílias no futuro. Estamos preocupados com a renda, mas também muito preocupados com o bem-estar da família. Que tenha acesso a água, luz, que acabe esta história de não ter documento, que tenha capacidade de geração de renda."
Ana lembra que, no fim do ano, serão divulgados dados do questionário mais abrangente do Censo 2010, que foi respondido em 11% dos domicílios. Esses resultados permitirão analisar todas as fontes de renda dos brasileiros.
Ministério exclui os sem-renda que não são miseráveis
Na contabilidade dos extremamente pobres, o Ministério do Desenvolvimento Social não considerou 2 milhões que vivem em domicílios sem renda, mas, por terem melhores condições de moradia, não se enquadraram no "filtro" que classificou os que vivem na miséria. O total de brasileiros que vivem em famílias sem rendimento, segundo o Censo 2010, é de 6,8 milhões, divididos em 2,4 milhões de domicílios.
No entanto, foram enquadrados na categoria de miseráveis 4,8 milhões de pessoas que vivem em famílias de renda zero, em 1,6 milhão de domicílios. A explicação dos técnicos é que a coleta de dados do Censo 2010 se refere à realidade dos domicílios no mês de julho daquele ano. Famílias que não são pobres podem não ter tido renda naquele período específico, mas isso não significa que viviam em condição de miséria.
publicado na Agência Estado
Cf. também:
Desigualdade de renda entre cidades cai 32%
Mateiros, no sudeste do Tocantins, era um vilarejo sem luz elétrica em 2000. Uma ponta de mapa na divisa com Maranhão, Piauí e Bahia, lugar esquecido e seco, sem plantação ou criação de valor. Dez anos depois, Mateiros é conhecida como a capital do Jalapão, o deserto mais cenográfico do Brasil. E um polo agrícola emergente.
Graças ao ecoturismo, e a dezenas de milhares de hectares plantados de soja, milho e arroz, a renda média de seus habitantes subiu de R$ 117 para R$ 1.110 por mês entre 2000 e 2010, um pulo de 1.667%, já descontada a inflação. Do 5.417.º lugar entre as cidades do Brasil, passou a ser a 53.º mais rica. Seu PIB per capita bateu em R$ 45 mil por ano.
Transformações tão revolucionárias são raras, mas em 95% dos municípios houve ganhos de renda reais na década passada. E eles foram proporcionalmente maiores entre as localidades mais pobres. Como consequência, a desigualdade de renda entre os municípios caiu 32%, ao longo dos últimos dez anos.
Em 2000, a renda média dos 1.110 municípios mais ricos era 4,7 vezes maior do que a dos 1.110 municípios mais pobres. Em 2010, segundo novos dados do Censo, essa proporção caiu para 3,2 vezes. Em moeda atualizada, a renda média dos 20% de municípios que compõem a base da pirâmide brasileira era de R$ 155 por habitante por mês em 2000. Por causa do crescimento da economia, das transferências governamentais à população pobre e dos aumentos sucessivos do salário mínimo, além da inflação, essa renda média dos municípios em situação mais precária pulou para R$ 263. Foi um ganho médio de R$ 108 por habitante.
Ao mesmo tempo, a renda dos 20% de municípios que estão no topo da pirâmide nacional variou de R$ 725 para R$ 839. Foram R$ 114 a mais no bolso dos seus moradores, mas, proporcionalmente, o salto da renda dos mais pobres foi quatro vezes maior. Encurtaram, portanto, as distâncias econômicas e sociais entre o topo e a base.
Como regra geral, quanto mais pobre o município, maior foi seu ganho de renda. E não é difícil entender o porquê. A base de comparação é tão pequena que injetar R$ 100 por mês por habitante equivale a um aumento de 78% na renda média dos 550 municípios que compõem os 10% mais pobres do País.
No interior do Centro-Oeste, esses R$ 100 foram aportados, por exemplo, pela expansão da fronteira agrícola. No Norte e Nordeste, os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, incrementaram os ganhos dos mais pobres. Somem-se os aumentos reais do salário mínimo e seu efeito sobre aposentadorias e pensões e está explicada grande parte do aumento da renda na base da pirâmide.
Distribuição
Olhando-se o mapa da evolução da renda municipal entre 2000 e 2010 fica evidente onde os ganhos foram mais dramáticos. As áreas azuis representam os municípios cuja renda diminuiu ao longo da última década. Eles estão distribuídos por todo o mapa, mas têm menor incidência no Norte e Nordeste. Nessas duas regiões, mais localidades viram sua renda per capita subir acima da média.
O crescimento médio dos municípios da Região Norte foi de 107% reais, ante 87% da média nacional. De 449 municípios dessa parte do País, 210 (o equivalente a 47%) cresceram acima da média dos municípios brasileiros, e 37 tiveram redução da renda média entre 2000 e 2010. O destaque foi Mateiros (TO), dono do maior crescimento não apenas no Norte, mas em todo o Brasil.
O Nordeste foi a região cuja renda média municipal mais avançou na década: 118% acima da inflação. Nada menos do que 70% dos municípios nordestinos (1.256) cresceram acima da média nacional. Só 24 perderam renda. Proporcionalmente, o maior salto se deu em Centro do Guilherme, no oeste maranhense: de R$ 152 para R$ 543, ou 562% de aumento real.
O crescimento médio dos municípios da Região Sudeste foi de 58%, o mais baixo do País. De 1.666 municípios da região, apenas 391 (23%) cresceram acima da média dos municípios brasileiros. Nada menos do que 152 tiveram redução da renda média entre 2000 e 2010. Álvaro de Carvalho, em São Paulo, registrou a maior alta. Sua renda média pulou 437%, de R$ 179 para R$ 576.
O crescimento foi proporcionalmente maior no interior do que nas capitais. A média de aumento real da renda dessas cidades foi bem baixa: 36% em 10 anos. Mesmo aquela onde o rendimento cresceu mais, Rio Branco (AC), teve um incremento de 62%, inferior à média nacional.
por José Roberto de Toledo
publicado em O Estado de S.Paulo
Santana de Parnaíba tem a maior desigualdade
Um muro de quatro metros de altura, com rolos de arame farpado no alto envolvendo fios elétricos, é uma das fortes marcas da desigualdade de renda na periferia de São Paulo, divisa dos municípios de Santana de Parnaíba e Barueri. A barreira de concreto separa os fundos do condomínio de luxo Tamboré 1 do Parque Imperial, área de terrenos em situação irregular, ocupada por famílias de baixa renda. "Moro aqui há 15 anos", diz Maria Solange de Souza Farias, de 63 anos, pernambucana de Gravatá. Mãe de dez filhos, ela criou nove. E vive da ajuda de sua prole porque não consegue se aposentar.
Segundo dados do IBGE, Santana de Parnaíba é o município onde há a maior diferença de renda em termos absolutos: R$ 1.195. A renda média no município é de R$ 1.799 e a mediana é R$ 603 - ou seja, metade da população vive com menos do que esse valor. Em Santana de Parnaíba, que tem 108 mil habitantes, segundo o Censo de 2010, os registros do governo federal mostram que há pelo menos 6.431 famílias sobrevivendo com renda abaixo de meio salário mínimo. E 5.038 famílias que só contam com R$ 140 por mês para viver. De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Social, foram repassados para o município em maio R$ 327,4 mil para atendimento das 2.984 famílias cadastradas no Bolsa Família.
Subindo a rua do muro encontra-se a família de Maria Aparecida da Silva, de 31 anos. Mãe de três filhos, a manicure Cida, como é chamada pelos vizinhos, adianta logo: "Meu marido trabalhou na construção do muro".
O marido, Gilson Araújo Oliveira, de 33 anos, foi um dos operários que trabalharam por cerca de seis meses no reforço do isolamento entre o condomínio, que tem mansões que chegam a valer R$ 10 milhões, em lotes de até 5 mil metros, e o bairro no qual a família de Cida e Gilson vive em um lote de 4 metros de frente por 14 metros de fundo. "Eu trabalhei no segundo muro", lembra Gilson, que é de Capim Grosso (BA).
Cida, que é de Canto do Buriti (PI), trabalhou até outubro em um salão de beleza na área da rica vizinha Alphaville, conjunto de bairros que com Tamboré forma um complexo residencial, comercial e industrial de alto padrão. Ela conta que trabalhava por comissão e faturava até R$ 2 mil por mês. Agora ela planeja abrir seu próprio salão lá mesmo no Imperial.
"Ali (no condomínio) já tinha o muro branco. Mas o pessoal daqui encostava lá. Então eles levantaram o outro muro", explica Valdeci Nascimento, de 61 anos, aposentada, vizinha de Cida. Baiana de Jacobina, ela deixou sua terra em 1999 em busca de vida melhor em São Paulo. E, depois de morar de aluguel no bairro, comprou, com o marido, Julio Jesus dos Santos, 41, um barraco por R$ 6 mil. O casal hoje vive em uma casa que se espicha para cima, laje sobre laje, e de cujo terceiro piso, ainda inacabado, é possível ver os casarões do vizinho condomínio supervalorizado. link
Manari se livra de pior IDH, mas não da miséria
Ana Paula da Conceição, o marido João José dos Anjos, e os filhos Natália, Roberto e Luzimara - de seis, cinco e três anos - ainda não haviam comido nada. Luana da Conceição, de três meses, era a única que já havia se servido do peito magro da mãe. Num tosco fogão a lenha, no terreiro atrás da casa de piso de terra, Ana cozinhava feijão puro - doação de um vizinho que serviria de alimento para o dia.
"Ontem só tomei café", contou ela, analfabeta, encabulada, sem saber dizer a própria idade. Eles moram no sítio Bebedouro, área rural de Manari, município que ficou famoso nacionalmente no início da década passada por ter o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País. Desde então, alvo de programas governamentais, Manari não mais detém o incômodo título. Mas a miséria persiste.
Ana não recebe Bolsa Família. "A gente tenta há quatro anos", diz João José, 27 anos, que trabalha na roça, como a maioria dos 18.038 habitantes do município. Planta feijão e milho "na terra dos outros" e fica com metade. Nem sempre a produção dá para o sustento. "Dá desgosto", diz.
Maria da Paz da Conceição, 48 anos, cinco filhos, sorri com a boca meio fechada para esconder os "caquinhos" de dente que lhe restam. Ela nunca foi a um dentista. O marido, Ivanildo Mangueira da Silva, também luta na terra pela sobrevivência e não se preocupa com o fato de o filho de11 anos não saber ler, embora frequente a escola municipal, onde faz a terceira série. "A caneta dele é a enxada", minimiza, ao lembrar que o menino o ajuda e já sabe manejar o instrumento de trabalho.
Com uma vida cheia de limites, os sonhos também são limitados. Maria ficaria feliz se tivesse um fogão a gás. Geladeira é objeto de desejo - mas supérfluo, pois não teria o que pôr dentro.
Município sem saneamento básico, banheiro é artigo de luxo em Manari, a 380 quilômetros de Recife. Na zona rural, ninguém parece sentir falta de sanitário e papel higiênico. No Sítio Bebedouro, onde se localiza um lixão a céu aberto, a falta de higiene fica mais visível: moscas e ratos costumam dividir espaço nas casas, cujo mobiliário se resume basicamente a camas velhas.
Ficar doente e não ter assistência nem como se comunicar. Ir para a escola e não ter merenda nem livros. Receber treinamento de manejo de galinhas ou de apicultura e não ir adiante por falta de recursos. Ter água no subsolo e não poder explorar. "Isso também é miséria", afirma José Limeira, 40 anos. Líder comunitário dos sítios Carnaúba, Umbuzeiro e Aguada, que reúne 84 famílias.
Josefa Cícera da Silva, 24 anos, com filhos de três, quatro e cinco anos, conta que as duas crianças mais velhas andam cerca de três quilômetros para ir à escola municipal. Ela nunca fez um exame pré-natal na vida. Por conta da casa sem reboco, diz que os filhos estão sempre "doentinhos".
Para lavar roupa e tomar banho todos se servem da água de aparência suja de barreiros - alguns a mais de um quilômetro de suas casas. Essas mulheres, assim como outros moradores do Umbuzeiro receberam, no dia 15, certificado de um curso de avicultura básica do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), ministrado em um dia. "Esse papel aqui (a apostila) a gente vai guardar de lembrança", diz Arlete, ao lado do grupo reunido próximo à casa de Limeira. "Não tem como botar na prática."
Fracasso
Cícero Francisco da Silva, 51 anos, é professor da escola municipal do Umbuzeiro, que tem 55 alunos. Conta apenas com o manual do professor e escreve a matéria das várias séries para as crianças copiarem, já que só dispõem de caderno e lápis. A merenda, segundo ele, é suficiente para oito dias. No restante do mês, não há lanche. Afirma contar nos dedos os alunos que ensinou ao longo de quase três décadas que conseguiram superar a linha da miséria. "É um fracasso", afirma.
Em 2000, a renda média de Manari era de R$ 41,14. Dez anos depois, atingiu R$ 210,44. O comércio, ainda fraco, cresce e começa a sair da informalidade. O número de famílias beneficiadas com o Bolsa Família chega a 3.025. O acesso à cidade foi asfaltado.
"Não somos mais o que éramos", diz, otimista, o vereador Cícero de Oliveira Santos (PSB). Cita melhoria da autoestima do povo e geração de oportunidades para as famílias de Manari - uma cidade que não oferece atrativos ou desperta encanto em quem nela chega. Seu prefeito, Otaviano Martins (PSDB), não mora lá nem dá expediente na prefeitura. O Estado tentou contato com ele, por telefone, sem sucesso.
por Angela Lacerda
publicado em O Estado de S.Paulo
(...)
SERTÃO // Município vive bom momento com a chegada de recursos federais e estaduais
Paulo Rebêlo (texto/fotos)
Diario de Pernambuco
12.outubro.2008
Manari – Ninguém consegue mais ouvir falar de Manari, a suposta cidade com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. Nem mesmo a população local, acostumada com a exagerada midiatização sobre fome e pobreza. Há três anos, no mínimo, Manari deixou de ser uma cidade isolada e pobre, diante da quantidade de projetos implementados ali.
Ao ser comparada com outras localidades em Pernambuco, este município, a 400 quilômetros do Recife, está muito bem, obrigado. Desde a publicação do ranking de desenvolvimento da ONU, em 2003, Manari tornou-se um exemplo dúbio para o Brasil. Senadores, governadores, deputados e governo federal voaram até o isolamento e anunciaram os milhões em investimentos.
O abastecimento de água, em parte da zona rural, foi instalado, apesar de funcionar apenas a cada oito dias, isto é, quando não há “problemas técnicos”. Durante a passagem do Diario, a cidade estava havia duas semanas sem água devido a umdefeito inexplicável. Para quem mora em regiões mais distantes na zona rural, fica a solidariedade de quem reside próximo a uma das cobiçadas torneiras azuis.
É o caso do agricultor Antônio Lacerda de Oliveira e sua filha, a pequena Olívia, 4, no povoado de Umbuzeiro Doce. “As pessoas vêm aqui e pegam a água, o problema é só a fila. Mas já melhorou muito”, comemora, ainda sem saber como será no período da seca. Quando a água encanada não chega às casas, restam os baldes e as longas caminhadas.
O laboratório de informática, tão aguardado durante anos, funciona desde 2005, mas também está parado por causa de uma enchente em 2007. Previsão de conserto? Até agora, nenhuma. Para os 50 quilômetros de estrada de acesso, por exemplo, foram R$ 10,8 milhões. Iniciada em 2006, até setembro deste ano sobravam 25 km incompletos. Hoje, está pronta e consegue atrair comerciantes e vizinhança para a feira pública, uma vez por semana, na praça.
De um lado, Manari apresenta um avanço perceptível nos últimos anos, a maior parte com recursos federais e estaduais. Escolas reformadas, laboratórios de informática, estradas e Bolsa Família. Muito Bolsa Família. Sobrou a política.
Gestão nova, política velha
Manari segue o exemplo de tantas outras cidades pernambucanas, onde as eleições municipais do último domingo ajudam – de novo – a comprovar os desmandos administrativos que se perpetuam impunes.
O atual prefeito de Manari, Otaviano Martins (PSDB), foi reeleito com o dobro de votos do adversário, o ex-prefeito “Santo Vieira” (PR). Ambos já foram presos pela Polícia Federal e ainda respondem a processos administrativos e penais, numa longa lista de irregularidades apontadas pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas do estado em tempos nada recentes.
Além do Bolsa Família, a fatura política dos projetos instalados em Manari, conforme reza a cartilha eleitoral nos municípios, recai sobre os chefes do executivo. Para a maioria da população local, nada seria possível sem o empenho do atual prefeito Otaviano Martins.
Em 2004, logo após a divulgação do ranking do IDH, ouvia-se a mesma coisa nas ruas sobre o então prefeito Santo Vieira. Sem água, sem estrada e sem comércio, a população abençoava o prefeito -o nome não surgiu à toa – que pagava “do próprio bolso” carros-pipa e comida.
Figura das mais conhecidas da cidade, Luciano Vieira (sem parentesco com o ex-prefeito) ensina informática para os estudantes e, há pouco, resolveu montar dois computadores para dar aulas em casa. “Temos vários problemas e carências, sem dúvida, mas aguardamos com ansiedade a revisão desse ranking [do IDH] pela ONU, porque basta chegar aqui para ver que não há nada disso”, pontua.
Imemorial problema do sertanejo, a falta de água em Manari é vista, a priori, como um problema prestes a acabar. Com o benefício, os agricultores podem encher as cisternas instaladas pelo governo federal e não mais depender de carros-pipa bancados pela prefeitura e, muitas vezes, faturados politicamente por vereadores.
A esperança do Bolsa Família
Dida Santos nunca teve uma geladeira na vida. “A gente se acostuma, não tinha comida extra para guardar, só as que a gente cozinhava na hora e comia. As verduras duram alguns dias fora da geladeira”, explica, em frente ao eletrodoméstico adquirido há um ano, graças às economias do Bolsa Família, em Manari.
Ela e o marido Josivan Cordeiro de Araújo creditam o desenvolvimento ao empenho da prefeitura, via de regra a responsável pelo gerenciamento das famílias cadastradas no programa. Admitem usar quase todo o dinheiro para comprar alimentos, situação quase unânime nacionalmente, segundo pesquisas dos governos federal e estadual.
Com as sobras, é possível comprar panelas e eletrodomésticos. Um cenário pouco usual, diante da baixíssima renda da maioria das famílias beneficiadas no Nordeste. De acordo com o coordenador do Bolsa Família em Manari, Lucas Vieira, das quase quatro mil famílias contabilizadas em Manari, cerca de 3 mil recebem o benefício.
Aos 18 anos, o jovem Lucas – irmão de Luciano Vieira esem parentesco com o ex-prefeito Santo Vieira – gerencia todo o cadastro. E não esconde a empolgação com a gestão do atual prefeito Otaviano Martins (PSDB), reeleito no último domingo com o dobro de votos do adversário, o ex-prefeito Santo Vieira (PR). Ambos respondem por irregularidades na gestão (leia mais na página A12).
A fatura do Bolsa Família é igualmente percebida no comércio local. A vendedora Geraldina Pereira resume bem a situação: “as pessoas compram mais e a gente tem mais segurança de que vai receber. A única crítica é que muitas pessoas ficaram mais preguiçosas, já que não precisam mais trabalhar porque sabem que terão o dinheiro garantido”, diz.
(...)
As part of his series on President Lula's Brazil ahead of the 1 October presidential election, the BBC's Steve Kingstone travels to the president's home state of Pernambuco, in the north-east, to look at the issue of poverty.Brazil poor feel benefits of Lula's policies
"I didn't know you were coming, everything is a mess," sighs 39-year-old Maria Ines da Silva. Furiously, she sweeps clean the tiny two-room hut which is home to a family of 12.
It sits in a small clearing amid fields of corn and manioc tended by family farmers.
Maria must make sure her children stay in school
There are no windows and the bathroom is a hole in the ground a few metres from the back door.
The house has no running water and the surrounding earth is hard and dry, but in the front yard Maria shows off rows of immaculately-tended flowers. This is a proud lady.
"I think Lula is doing more for us than other presidents," she says, stirring a huge pot of beans as her children begin arriving home from school. "They've given me this card, I take it to the bank and get money."
Maria shows off the plastic entitlement card which is her family's lifeline and President Luiz Inacio Lula da Silva's best weapon in the battle for re-election.
Bearing the words "Bolsa Familia" (family grant) it guarantees Maria $45 (£23) a month from the federal government. In return, she must ensure that her children stay in school and follow a prescribed course of vaccinations.
Unfortunate accolade
"The coverage of this Bolsa Familia is amazing," explains Tiago Cavalcanti, an economist at the Federal University of Pernambuco.
"It's reaching 11 million families or 44 million people - that's 20% of the population of Brazil. So it's huge, and it's going to be very difficult to beat Lula in this election."
MANARI - KEY FACTSTotal population: 13,000Rural population: 10,700Average monthly income: $1357% people illiterateLife expectancy: 55,7Infant mortality: 109 per 1,000Source: UNDP/2000 census
Half those receiving the family grant live in the north-east, Brazil's most impoverished region.
Maria's hometown of Manari is typical of the dusty settlements dotted across these drought-prone backlands. But an unfortunate accolade marks it out from neighbouring towns.
In 2003, the United Nations Development Programme published an Atlas of Human Development, which identified Manari as having the lowest standard of living in Brazil.
The study found the average monthly income was just $13. Almost two out of three adults were illiterate, having spent, typically, less than two years in school. Suicide and child mortality rates were frighteningly high.
Lula is everything to me, he's like a guardian angel
Nair Barbosa da Rocha, resident
"They compared us with Haiti," recalls the town's Mayor, Otaviano Ferreira Martins, "and that was really difficult for people here.
"Life is tough in Manari - we've no industry, no income. We just plant staple crops and hope that it rains."
Water queues
At first glance there is little to place the town in the 21st Century.
With no running water, women queue at dawn with buckets and washing up bowls to collect their day's supply from a tank which is filled overnight by a water truck.
In the main square, pigs gleefully nose through piles of rubbish, and are soon joined by goats and stray dogs. With many shops and homes boarded up, an eerie quiet pervades.
In places like Manari there is still no running water
In a world such as this, President Lula's Bolsa Familia programme translates into income and food that most families would not otherwise enjoy.
Sixty years ago, the president was himself born into the biting poverty of the north-east. His family soon migrated south to Sao Paulo in search of better fortunes, but the feeling remains that this president truly understands voters' pain.
"Lula is everything to me, he's like a guardian angel," says 79-year-old Nair Barbosa da Rocha, a great-grandmother.
"His family suffered here too, so he really understands what it means to be poor."
But the president's popularity rests on more than being just a home favourite.
Statistically, Lula can claim to be narrowing the chasm that separates rich and poor in Brazil.
During 2004, for example, the very poorest Brazilians saw their incomes leap by 14%, far exceeding the population-wide increase of 3.6%.
"It's as if the poorest Brazilians are enjoying Chinese-style economic success," writes Marcelo Neri of the Getulio Vargas Foundation, a respected economic think-tank.
Rural education
Commentators agree that family grant programme is a key factor in reversing Brazil's historic inequality, but many argue that it fails to address the structural problems that underpin poverty. Notably, shortcomings in rural education.
"In the short-run Bolsa Familia is alleviating poverty," says the economist Tiago Cavalcanti.
Bolsa Familia helps but it's not a solution
Otaviano Ferreira Martins
Manari mayor
"But is it transforming the north-east? No. To do that you need greater equality of opportunity, which means the government should be investing much more in improving schools in the countryside," he adds.
Others believe that, by paying more to larger families, Bolsa Familia is encouraging couples in the north-east to have more children - a trend that, over time, will lessen and perhaps reverse the positive impact of the benefit.
"Bolsa Familia helps but it's not a solution," says Mayor Ferreira Martins, whose Brazilian Social Democratic Party (PSDB) is the main rival to Lula's Workers Party (PT) in October's election.
"The danger is that it will leave the people addicted to handouts. What we really need is for the federal government to set up a business, or project, in Manari to create jobs. Lula may be a son of the north-east but he should be giving us greater priority.
That is not a widely-held view. Back in the main square a group of men are arguing over a game of dominos, but there is near-universal agreement about the election.
"Of course I'll vote for Lula," says Gilmar, an unemployed father of three. "We're the people most in need in this country, and he's trying to help us."
publicado na BBC
18 de Setembro de 2006
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