A Amazónia Segundo Al Gore

Há políticos que têm ética e sabedoria. No início de 2007, Al Gore ganhou o prémio Óscar de melhor documentário por seu filme “Uma Verdade Inconveniente”, sobre a crise climática global. Em Outubro, ele recebeu o Prémio Nobel da Paz por sua acção global em defesa do ecossistema planetário.
Comprometido com a causa ambiental desde o início da década de 1980, o ex-vice-presidente norte-americano visitou a Amazónia quando ainda era senador, para apoiar a luta dos seringueiros em defesa da floresta.
A seguir, um trecho do seu livro de 1993, “A Terra em Balanço”, em que Gore toma posição em relação à luta de Chico Mendes. Nos parágrafos anteriores a este trecho, ele descreve a luta não-violenta dos povos nativos da Malásia, que, em defesa das suas florestas, faziam barreiras humanas para bloquear
estradas, como meio de impedir o desmatamento.

(...) Os fracos e os oprimidos são as primeiras vítimas, mas a sanha insaciável e incansável de explorar e saquear a terra logo despertará a consciência de outros que agora começam a entender os alarmes e os abafados gritos de socorro.

Nas famosas palavras do pastor Martin Niemoller, a respeito de como os nazistas conseguiram dominar uma sociedade inteira:

“Na Alemanha, os nazistas vieram buscar primeiro os comunistas, e não protestei, pois não era comunista. Depois vieram buscar os judeus, e não protestei, pois não era judeu. Depois vieram buscar os sindicalistas, e não protestei, pois não era sindicalista. Depois vieram buscar os católicos, e não protestei, pois era protestante. Depois vieram buscar-me e, àquela altura, não havia ninguém para protestar por mim.”

Quem exigiu uma nova resistência foi Chico Mendes. No final de 1988, os senadores Tim Wirth, John Heinz e eu, os congressistas John Bryant, Gerry Sikorski e uma delegação de observadores, estávamos a caminho do Brasil para encontrar Chico Mendes, talvez o mais famoso herói da resistência dos últimos anos, quando ele foi assassinado por um grupo de ricos latifundiários.

Nascido no Acre, na região amazónica, Chico Mendes organizou e liderou os seringueiros, que colhem os produtos renováveis da floresta tropical – frutos, castanhas e principalmente borracha – que obtêm da seiva colhida através de pequenos cortes nas seringueiras. Seu modo de vida tem ajudado a preservar a floresta tropical, mas começou a prejudicar os interesses comerciais que visam explorá-la, queimando-a e derrubando árvores para abrir espaço para fazendas de gado. Em diversas ocasiões, Chico Mendes e os seringueiros tentaram impedir a passagem de máquinas e recusaram-se a permitir que os exploradores cruzassem a floresta tropical para incendiar áreas próximas.

Além disso, Chico Mendes encontrou formas alternativas – e sustentáveis – de ganhar a vida na floresta tropical e incentivou uma série de empreendimentos criativos para estimular os proprietários de terras a não destruí-las, mas a viver em harmonia com elas. Como aumentou seu reconhecimento da complexidade dessas questões e desenvolveu-se sua capacidade de liderança, tentou entrar para a política, mas a riqueza e o poder dos latifundiários garantiram-lhe a derrota. Entretanto, continuou a ameaçar seus interesses, e mataram-no, com uma rajada de tiros, na porta de sua casa.

Chegando ao Acre, encontramo-nos com Ilzamar, viúva de Chico Mendes, e com seus companheiros do movimento seringueiro, que prometeram continuar a luta contra a destruição da Amazónia. A batalha está longe do fim: muitos outros integrantes do movimento, menos conhecidos que Chico Mendes, também foram mortos, e é impossível salvar a floresta tropical sem o apoio organizado do resto do mundo. A morte violenta de Chico Mendes, porém, não foi em vão, pois concentrou a atenção do mundo nas sérias ameaças a um dos mais notáveis ecossistemas do mundo. Embora desejasse viver, foi exactamente isso o que previu em sua última entrevista:

“Se um anjo viesse do céu e garantisse que minha morte poderia fortalecer essa luta, seria uma troca justa”.

in A Terra em Balanço - ecologia e o espírito humano de Al Gore, Editora Augustus, São Paulo, 1993, 450 pp., ver pp. 312-314.
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