Entrevista: Kumi Naidoo, director do Greenpeace Internacional visita o Brasil

Novo diretor do Greenpeace fala sobre planos para o futuro




Kumi Naidoo, diretor do Greenpeace Internacional, esteve no Brasil em visita aos nossos escritórios em Manaus e São Paulo.
Na Amazônia, encantou-se com a beleza das áreas protegidas e criticou duramente a degradação. Comprometeu-se em pensar soluções coesas para os problemas ambientais e a pobreza e, como dever-de-casa, alertou o Brasil para o seu papel de liderança na questão ambiental.

Kumi Naidoo quer lados social e ambiental caminhando juntos

Há três meses rodando os escritórios da organização pelo mundo, o novo diretor-executivo do Greenpeace Internacional, Kumi Naidoo, está agora no Brasil. Foram cinco dias conhecendo o trabalho feito na Amazônia e outros cinco divididos entre Brasília e São Paulo.
Após sobrevoar a floresta e conhecer de perto os rios amazônicos, o sul-africano deslumbrou-se com a beleza natural, mas também teve tempo para conhecer o lado “mau e feio” da região.
Entre um compromisso e outro de sua agenda cheia, ele concedeu uma entrevista ao jornal Valor Econômico. E deixou claro que seus tempos de luta anti-apartheid vão se refletir na direção do GPI: quer um trabalho de parceria com as comunidades. “Temos que diminuir as divergências”, defendeu.

Leia aqui a entrevista completa, reproduzida no site do Instituto Humanitas, da Unisinos.

Perto dos 40, Greenpeace quer ampliar sua atuação

O Greenpeace, a organização não governamental ambientalista que mais sabe fazer do espetáculo um aliado, quer ampliar seu perfil de atuação. Às vésperas de completar 40 anos, a ONG, que fez história com ativistas enfrentando baleeiros em botes de plástico, organizando campanhas contra a energia nuclear, fazendo oposição aos alimentos transgênicos e, mais recentemente, pendurando faixas da Torre Eiffel ao Cristo Redentor pedindo um acordo climático global, espera agregar à sua imagem o bicho que faltava: o homem.

A reportagem e a entrevista é de Daniela Chiaretti e foi publicada pelo jornal Valor, 09-03-2010.

Não que vá abandonar as focas à própria sorte ou deixar de denunciar grandes grupos empresariais que desmatam florestas para produzir sabonete (ou carne). Mas a escolha do sociólogo sul-africano Kumi Naidoo como seu novo diretor-executivo indica que o Greenpeace pretende mostrar que não é apenas uma organização ambientalista. A ONG, com sede em Amsterdã, busca maior contato com comunidades locais e movimentos sociais. E quer abrir diálogo com empresas porque sabe do papel delas no combate à mudança do clima, mas sem que isso signifique o sumiço das diferenças nem a tolerância com os escorregões do mundo dos negócios.
O Greenpeace tem seus próprios desafios para estes tempos: ser mais profissional sem perder o espírito aventureiro dos ativistas; aproximar-se do alvo de muito de seus confrontos, os grupos econômicos, sem criar relações promíscuas; e dialogar com os governos, mas sem comprometer a sua independência.
A escolha de Naidoo, 44 anos, o primeiro africano a assumir a liderança da mega-ONG, sinaliza nessa direção. Sua trajetória só se aproximou do Greenpeace em 2008, quando foram abertos escritórios em Johannesburgo, na África do Sul, e Kinshasa, na República Democrática do Congo. Aos 15, ele já estava envolvido na luta anti-apartheid. Trabalhou com comunidades de bairro e de jovens, foi expulso da escola e terminou preso. Viveu na clandestinidade até se exilar no Reino Unido, onde fez seu doutorado. Ao voltar à África do Sul, continuou atuando em grupos de direitos humanos, de combate à violência contra as mulheres e de redução da pobreza. Um mês antes da conferência de Copenhague, aportou no Greenpeace.
Naidoo está no Brasil há alguns dias. Fez uma incursão pela Amazônia, onde conheceu "o bom, o ruim e o feio" da floresta. Ontem esteve em São Paulo. Na agenda, falar com executivos de setores diversos e com o governador José Serra. Hoje estará em Brasília, para encontrar a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e a senadora Marina Silva.
Com esses prováveis protagonistas da eleição presidencial, imagina deixar alguns recados: que o Brasil tornou-se um líder global e tem suas responsabilidades; que precisa decidir se reproduzirá com as nações mais vulneráveis o modelo de exploração a que foi submetido; e que o mundo está observando o que se fará aqui, depois do forte discurso do presidente Luis Inácio Lula da Silva em Copenhague.
Eis a entrevista.

O que o sr. pretende falar com o governador Serra, a ministra Dilma e a senadora Marina?
Vou levar as mensagens urgentes de pessoas que conheci na Amazônia, como acabar com o trabalho escravo na cadeia do gado, o que foi algo chocante de saber. Eu não acreditava que coisas assim podiam acontecer em um país que tem como líder o presidente Lula, amado e respeitado muito além das fronteiras do Brasil. Também vou transmitir o apelo de pessoas que estão lutando contra o desmatamento e correm o risco de pagar com a própria vida. Encontramos uma freira que já sofreu várias ameaças. Pequena de estatura, mas nada frágil: o governo federal ofereceu a ela proteção, mas sua resposta foi que só aceitaria se fizessem o mesmo com os outros que estão na mesma situação. Foi um encontro emocionante, que me lembrou a minha própria luta contra o apartheid.

O sr. conversou também com líderes indígenas?
Conversei com Megaron [Megaron Txucarramãe, líder caiapó], que busca proteger a cultura e vida de seu povo. Foi também inspirador. Acho que temos que, genuinamente, escutar mais os povos indígenas.

Vai levar alguma mensagem política aos prováveis candidatos à Presidência do Brasil?
 Duas coisas. A primeira tem a ver com o lugar do Brasil no mundo. O Brasil se tornou um líder global. O mundo todo está olhando para cá depois da conferência de Copenhague, depois de o presidente Lula ter feito o discurso mais poderoso de todo o evento, trazendo pontos-chave da sociedade civil e dos países em desenvolvimento. Como vão se engajar com seu Código Florestal pode ser um modelo para outros. Liderar significa também responsabilidade. É preciso perguntar se agora, quando vocês têm maior influência, poder político e crescimento econômico, se vão repetir o modelo de exploração que sofreram do mundo desenvolvido ou se farão de outro jeito, respeitando o ambiente e as pessoas dos países mais vulneráveis.

E o segundo ponto?
Tem a ver com as negociações do pós-Copenhague. Esperamos que o Brasil continue apoiando as negociações nas Nações Unidas, mas que faça mais.

Como assim, faça mais?
Que influencie as duas partes maiores do chamado grupo Basic, ou seja, a China e a Índia, que precisam ficar mais confortáveis com a ideia de um acordo legalmente vinculante. E também que não se use o comporta-mento do mundo desenvolvido como uma desculpa para não agir. Nós sabemos como a história aconteceu, os países do Sul estão na mesma página. Sabemos que os países em desenvolvimento, grandes e pequenos, são os menos responsáveis pelos desastres que estamos enfrentando e são os que estão pagando o preço mais alto. E que são as pessoas mais pobres, nos lugares mais pobres, que sofrerão mais.

O relator da comissão que discute mudanças no Código Florestal afirmou que ONGs como o Greenpeace defendem interesses internacionais e interferem nos rumos da nossa agricultura...
Este é um discurso antigo, que eu já escutei em vários lugares. Estou no Greenpeace há quatro meses e nunca teria vindo para cá se acreditasse nisso. Trabalhei na campanha global contra a pobreza que o presidente Lula lançou em Porto Alegre, em 2004. Um dos nossos pontos-chave de luta é o que chamamos de comércio justo. Fui profundamente crítico com as políticas agrícolas europeias. Mas não são dois erros que fazem um acerto. Não se muda a política agrícola europeia pensando em não fazer nada. Ao contrário.

O que foi "o bom, o mau e o feio" que viu na Amazônia?
O bom foi ver as áreas protegidas e entender porque deve ser assim, não só para proteger a biodiversidade, mas também para garantir a vida dos extrativistas que moram lá. O mau foi ver a degradação da floresta, mas onde há possibilidade de recuperação. Feias são as áreas que estão virando deserto. É triste ver isto e pensar que aquele lugar foi tão rico. Maravilhoso foi encontrar gente tão inspiradora.

No Brasil, movimentos sindicais costumavam pensar que a questão ambiental nasceu nos Estados ricos do Sul, na burguesia e durante a ditadura. E que, então, não deve ser boa coisa.
Minha experiência não é diferente desta. Na África do Sul, durante o apartheid, costumávamos dizer que os brancos respeitavam árvores e bichos, mas não pessoas. Mas essa distância, conhecida como a tensão verde-vermelho, está desaparecendo à medida em que lutas pelo trabalho decente são incluídas na agenda verde. Gostaria que o Greenpeace falasse mais disto. Trabalho digno também significa não devastar o futuro dos nossos filhos. Entendi mais tarde que tudo está relacionado ao ambiente. Quando as pessoas pensam no genocídio em Darfur, pensam só no conflito étnico. Mas o que move o conflito é a escassez de água e a terra para comida. O impacto da mudança climática é também conflito, violência contra as mulheres, mais pobreza, mais doenças, e qual é o cenário para trabalho? Temos que diminuir as divergências.
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