"Birdwatchers - A Terra dos Homens Vermelhos", filme em que índios guaranis são protagonistas, estreia hoje em Portugal



Marco Bechis: "Os índios têm uma nova arma de caça: o cinema"

Num português quase perfeito, com sotaque brasileiro, o realizador parte chileno, parte italiano Marco Bechis falou ao i da sua maior aventura: filmar no Mato Grosso, Brasil, e fazer de índios sem experiência actores principais. "Birdwatchers - A Terra dos Homens Vermelhos" estreia hoje nos cinemas portugueses e foi um dos favoritos no Festival de Veneza de 2008. Só não ganhou porque, segundo Bechis de 54 anos, "os europeus sofrem de complexo americano." Venceu "The Wrestler".

Porque escolheu o nome "Birdwatchers" para o filme?
Queria fazer um filme sobre os índios, porque questionava-me quem eram os sobreviventes do genocídio que começou há 500 anos. Tinha uma ideia romântica ligada à Amazónia. Foi lá que comecei a investigar e conheci uma família de índios bem vestidos, que arranjava outros índios para os turistas verem. Percebi que eram birdwachters - pessoas que observam os pássaros, sem os fotografar ou interagir. É o que os turistas fazem com os índios, analisam-nos, enriquecessem-se e vão-se embora. Sem dar nada em troca.

Mas acabou no Mato Grosso.
Assim que conheci os Guarini- -Kaiowá, do Mato Grosso, interessei-me pela sua força. São fiéis às tradições, inalteradas desde que os europeus chegaram, e ainda lutam pela terra que ficou para os fazendeiros. As reservas não são a solução. Parecem favelas. Há álcool, droga, prostituição. Muitas famílias querem voltar para a terra dos antepassados.

É por isso que há tantos suicídios como vemos no filme?
Nas duas últimas décadas houve mais de 500. Foi algo que me impressionou muito. Nunca esqueci uma foto de duas meninas penduradas numa árvore. A falta da terra para cultivar, a destruição da natureza e a discriminação leva-os a isso. Acreditam que a vida do espírito será melhor.

Os actores são índios guarinis que vivem os problemas que vemos no filme. Porque não fez um documentário?
Queria uma experiência nova: um filme sobre índios, tendo- -os como protagonistas, apesar de toda a gente me dizer que eles iam desistir a meio, como já tinha acontecido. Não acreditei, porque aqui era a história deles, não eram apenas o cenário de fundo de De Niro ou Jeremy Irons em "A Missão". Foi mais fácil trabalhar com eles do que com muitos actores profissionais.

Porquê?
Eles têm uma natural predisposição para a representação, porque têm uma cultural oral muito forte. Eles não liam o guião. Todas as manhãs, explicava-lhes qual era a cena do dia e filmávamos de forma cronológica, para perceberem bem a história. Ambrósio, um dos actores que faz de líder da tribo, quando descobriu que ia morrer no filme, não achou graça nenhuma. Foi difícil convencê-lo. A sua imagem de homem morto fazia-lhe impressão.

Ensinou-os a representar?
Mostrei-lhes filmes como o "Pássaros", de Hitchcock, ou "Era uma vez no Oeste", de Sergio Leone, para entenderem o cinema e, mais importante ainda, para perceberem o que eram os silêncios. Eles compreenderam rápido e aprenderam uma nova arma de caça: o cinema. E caçaram- -nos para a sua causa.

O filme foi nomeado para o Leão de Ouro do Festival de Veneza e levou-os lá.
Levei cinco índios a Veneza e eles adoraram. Os meninos metiam a mão na água do rio e apanhavam peixe. Ambrósio disse até que Veneza estava muito usada. Quanto ao filme, foi a película italiana mais falada, diziam que íamos ganhar. Mas os europeus têm o complexo dos americanos. Ganhar era melhor para o filme, mas não para mim. Para um realizador é melhor perder, para que os próximos filmes sejam ainda melhores.

O filme mudou alguma coisa?
Talvez. Deu-lhes esperança e sei que uma das famílias do filme ocupou uma terra e o governo federal reconheceu- -lhes esse direito.

via Jornal i

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Diretor de 'Terra Vermelha' quer brasileiros na luta pelos caiowás

O Terra já havia conversado com Marco Bechis no último Festival de Veneza, onde Terra Vermelha concorreu na competição oficial sob o nome original de Birdwatchers. Na ocasião, a expectativa do cineasta nascido no Chile e criado na Itália era pela leitura dos europeus - entenda-se a imprensa de vários países e o público restrito que tem acesso à mostra - quanto à história atual dos índios guaranis-caiowás que tentam reaver suas terras no Mato Grosso do Sul.
A recepção da crítica, especialmente a européia, foi boa, mas mesmo assim a fita saiu de Veneza sem prêmios. Agora, sentado numa sala de entrevistas da 32ª Mostra Internacional de Cinema, cuja abertura oficial aconteceu na quinta-feira com o filme, Bechis espera sensibilizar a platéia brasileira para a questão.
Otimista, acredita que o problema enfrentado pela tribo é conhecido pelos espectadores daqui. A ponto de ter retirado das cópias brasileiras o texto que ao final explica a situação dos índios. "Acho que esse é um acerto de contas que tem de ser feito entre os brasileiros", diz. "Um europeu não pode ir chegando e mostrando o que precisaria ser feito; agora, se vocês não sabem o que se passa lá deveriam prestar mais atenção, estudar".
O cineasta concedeu entrevista rodeado por cinco representantes cayowás, todos presentes no elenco do filme, no qual interpretam a si mesmos. Na história, com roteiro de Bechis em parceria com o paulistano Luiz Bolognesi, um grupo da tribo decide se instalar em suas antigas terras quando alguns integrantes aparecem mortos.
Não são mortes naturais. Um dos aspectos verídicos da trama, de base ficcional, é o suicídio constante de jovens cayowás, dimensão explorada pelo filme quase em tom sobrenatural e sem procurar dar justificativas. "Uma das muitas possibilidades é a falta de perspectivas para os nossos garotos e garotas", diz o índio Ambrósio. "Mas já houve caso que também poderia ser pela negativa de uma jovem a um pedido de casamento; não há uma explicação única", emenda Bechis.
Mas o confronto fundamental na fita se dá na questão das terras dos índios que passaram às mãos de um fazendeiro (Leonardo Medeiros) e sua plantação de soja ou cana-de-açúcar. Sem um lugar para se estabelecer e reviver sua cultura um tanto desgastada, eles convivem nos limites entre a propriedade agora privada, os assentamentos que não lhes servem e a estrada, onde muitas vezes ficam à mercê de bicos, como os oferecidos por um comerciante oportunista (Matheus Nachtergaele).
Com elenco brasileiro e italiano, a fita ganha valor mesmo é com a presença dos índios, num entrosamento raro de ser visto na tela. Bechis trabalhou com eles no registro naturalista, mas pediu-lhes para atuar com poucas palavras e muito silêncio. Para tanto exibiu aos protagonistas Era uma Vez no Oeste, de Sérgio Leone, e Os Pássaros, de Alfred Hitchcock, como exemplo da importância dos silêncios. De Bolognesi, Bechis ganhou uma cópia de Iracema ¿ Uma Transa Amazônica, de Jorge Bodansky (pai de Laís Bodansky, mulher do roteirista) e se encantou. "É um dos melhores filmes brasileiros que já vi".
Quanto à provável injustiça de Veneza de não reconhecer Terra Vermelha, Bechis parece conformado. "Quando se tem um júri com cabeças tão diversas como aquele não é possível saber o que se passou", diz. "Mas fico feliz se o meu filme servir para um esclarecimento, um aviso, pois os descobridores europeus não costumavam dizer que não existia ninguém no continente sul-americano quando eles chegaram?".
via Terra




Cf. também:

Site oficial: 32ª Mostra Internacional de Cinema
a programação
os locais de exibição


Ficha técnica:
director: Marco Bechis

roteiro: Marco Bechis, Luiz Bolognesi
fotografia: Hélcio “Alemão” Nagamine
montagem: Jacopo Quadri
música: Andrea Guerra
elenco: Claudio Santamaría, Alicelia Batista Cabreira, Chiara Caselli, Abrisio Da Silva Pedro, Ademilson Concianza Verga, Ambrosio Vilhalva, Mateus Nachtergaele, Fabiane Pereira Da Silva, Nelson Concianza, Poli Fernandez Souza, Leonardo Medeiros, Inéia Arce Gonçalves, Eliane Juca Da Silva
produtor: Amedeo Pagani, Marco Bechis, Fabiano Gullane
produtora: Classic SRL, Gullane Filmes
world sales: Celluloid Dreams
características: 108 minutoscolor, 35mm
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