Supremo tira de Moro trechos da delação da Odebrecht que citam Lula

A maioria dos ministros da Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, nesta terça (24), enviar os relatos de delatores da Odebrecht sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Justiça Federal em São Paulo, retirando-os da alçada do juiz Sergio Moro, de Curitiba.

Os ministros acolheram um recurso da defesa de Lula, que argumentou, em dezembro, que os episódios narrados pelos delatores da Odebrecht não tinham relação com a Petrobras.  Os relatos são sobre o sítio de Atibaia (SP), frequentado pela família do petista, sobre supostas doações ao Instituto Lula, um apartamento em São Bernardo do Campo (SP) e contratações de palestras.

No ano passado, o relator, ministro Edson Fachin, determinou o envio desses trechos da delação da Odebrecht, junto com os elementos de corroboração entregues pelos colaboradores, para a Justiça Federal em Curitiba.

Fachin atendeu ao pedido da Procuradoria-Geral da República, que afirmou que havia “conexão subjetiva [entre os relatos da Odebrecht e as investigações em curso em Curitiba], pois se tratam de crimes diversos, praticados por várias pessoas em concurso, e conexão instrumental, dada a inserção de infrações em um mesmo contexto e integrando a mesma cadeia de eventos, sendo que a prova de um influi na dos outros”.

Os advogados de Lula recorreram. “Por mais que existam ações penais sobre temas análogos tramitando em Curitiba, a fixação da competência naquele foro ainda encontra-se em discussão e é deveras controversa. Assim, manter a remessa destes autos àquele foro, sabendo-se que não existe menção a contratações ou eventuais fraudes junto à Petrobras [...], é temerário”, sustentaram.  Atenderam ao pleito da defesa os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Fachin e Celso de Mello, que votaram pelo envio dos trechos da delação a Curitiba, foram vencidos. O julgamento havia começado em março e sido interrompido por pedido de vista de Toffoli, que o devolveu para a análise do colegiado.

Há duas ações penais contra Lula tramitando em Curitiba: uma é sobre o sítio de Atibaia, e outra, sobre a negociação de um terreno para o Instituto Lula. Os relatos dos colaboradores da Odebrecht podem contribuir com ambas –que continuam sob a responsabilidade de Moro e utilizam outras provas além dessas delações.

A investigação sobre o sítio de Atibaia, por exemplo, começou em 2016, antes de a delação dos executivos da empreiteira ser homologada pelo Supremo, no início de 2017.
Sergio Moro não vai comentar a decisão do STF. Os procuradores da Lava Jato não se manifestaram a respeito.

O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, saudou a determinação.  “A decisão proferida hoje pela 2ª. Turma do STF confirma o que sempre foi dito pela defesa do ex-presidente Lula. Não há qualquer elemento concreto que possa justificar a competência da 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba nos processos envolvendo o ex-presidente", declarou.
Ainda segundo Zanin, "essa decisão da Suprema Corte faz cessar de uma vez por todas o juízo de exceção criado para Lula em Curitiba, impondo a remessa das ações que lá tramitam para São Paulo”.

via Folha de S.Paulo

Ainda não está claro qual o impacto a decisão do STF sobre estes dois processos que tratam das suspeitas relativas ao sítio e ao terreno para o Instituto.  É esperado que com a decisão as delações não possam ser utilizadas nos processos, ao menos num primeiro momento. Não está descartada a possibilidade de posteriormente Moro pedir o compartilhamento dos depoimentos com a Justiça do Paraná. Os processos sob a responsabilidade de Moro, no entanto, continuam tramitando.

Acolheram o recurso:
- Dias Toffoli
- Ricardo Lewandowski
- Gilmar Mendes

Rejeitaram os embargos:
- Edson Fachin (relator)
- Celso de Mello

O julgamento foi interrompido no início da sessão por conta da ausência do ministro Gilmar Mendes, cujo voo de São Paulo para Brasília atrasou. Ele chegou à 2ª Turma do Supremo por volta das 15h55. Coube a ele, portanto, o voto de desempate.

"Qual vai ser a implicação? Obviamente que, se se declinou para São Paulo, os processos terão que ir para lá", afirmou Mendes após a sessão. Em seguida, no entanto, ele disse não saber o que acontecerá com o caso específico.  O ministro disse ainda que poderá haver recursos em relação aos processos que estão com Moro "com o argumento de que não se trata da Petrobras".
A defesa do ex-presidente afirma que com a decisão os processos relativos às delações terão também que ser retirados do juiz Sergio Moro e enviados à Justiça Federal de São Paulo.

Entenda as denúncias 

Na denúncia sobre o sítio em Atibaia, o MPF (Ministério Público Federal) acusa o ex-presidente de ter recebido propina das construtoras OAS e Odebrecht por meio da realização de reformas num sítio frequentado por Lula e sua família em Atibaia (SP).

A defesa de Lula afirma não haver "elementos mínimos" que indiquem qualquer irregularidade. Na ação sobre o terreno do Instituto Lula, o ex-presidente foi acusado de ter sido beneficiado pela Odebrecht por meio da compra de um terreno que serviria para a futura instalação da entidade que leva o nome do petista. Esse terreno acabou não sendo utilizado para essa finalidade e hoje o instituto é sediado em outro imóvel. A defesa de Lula afirma que o ex-presidente e seu instituto nunca tiveram qualquer relação com o terreno sob suspeita.
Ainda não houve sentença nesses dois processos. Lula já foi interrogado na ação sobre o terreno, mas ainda não prestou depoimento no processo do sítio em Atibaia.  Lula está preso em Curitiba após ter sua condenação no processo do tríplex do Guarujá (SP) confirmada pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). Nesse caso, o ex-presidente foi acusado de ter recebido propina da OAS por meio de um apartamento que teria sido reformado e estaria reservado para o ex-presidente pela OAS. A defesa de Lula afirma que ele nunca teve a posse ou utilizou o imóvel e que foram ignoradas provas de sua inocência no processo.

Foram apresentados recursos contra a condenação ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ao próprio STF. Os recursos ainda não têm data para serem julgados.  Outros dois recursos contra a prisão já foram negados pelo STJ e pelo STF.

Andamento dos processos

O processo do sítio de Atibaia está na fase de depoimentos de testemunhas. Até 29 de junho, mais de 100 pessoas convocadas pela defesa dos réus deverão ser ouvidas, entre elas os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Dilma Rousseff (PT). Finalizada esta etapa, Moro deverá levar cerca de um mês - seguindo prazo que ele costuma seguir nas ações que julga - para marcar os interrogatórios dos acusados. Essa fase está prevista para ocorrer entre julho e agosto deste ano.

Já o caso que envolve o Instituto Lula e um apartamento em São Bernardo está mais adiantado. Esta ação já deveria ter sido encerrada, mas o pedido por produção de novas provas e novos interrogatórios fez o caso se arrastar. Para que Moro apresente sua sentença, ainda é necessário passar pela fase de alegações finais. Isso deve acontecer apenas no segundo trimestre deste ano.
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