#DeixaElaTrabalhar: contra o assédio no jornalismo brasileiro


Jornalistas brasileiras que trabalham na área do desporto uniram-se para denunciar as agressões físicas e psicológicas de que são alvo. Em Portugal, também existem queixas

Numa época marcada pelas denúncias do assédio sofrido pelas mulheres um pouco por todo o mundo, o assunto chegou agora ao jornalismo desportivo brasileiro, na sequência de vários casos ocorridos nas últimas semanas. Os mais graves passaram-se com Renata Medeiros, da Rádio Gaúcha, insultada e agredida enquanto fazia a cobertura de um jogo de futebol, e Bruna Dealtry, do canal de televisão Esporte Interativo, que foi beijada à força por um adepto.

Fartas destes abusos, algumas jornalistas deixaram de ficar em silêncio e criaram a campanha #DeixaElaTrabalhar. "Até quando?", perguntam num vídeo que lançaram nas redes sociais, em que dão exemplos de situações que sofreram ao longo dos anos e que, na sua opinião, demonstram o machismo que vigora no desporto brasileiro. Apalpões, beijos à força, cuspidelas, insultos, acusações de nada perceberem de futebol... A lista de denúncias é enorme.

Bruna Dealtry contou a diversos órgãos de comunicação social brasileiros como começou a campanha #DeixaElaTrabalhar. "Estas situações acontecem todos os dias, mas nós não falamos, por vergonha ou por medo da exposição. Eu queria encorajar outras mulheres: antes de mais, aqui na minha redação. Fizemos um grupo, depois foram entrando meninas de outras redações e, numa semana, eram 50 jornalistas, aproximadamente. E começámos a produzir textos e vídeos. Existe assédio e machismo de diferentes formas, sem falar na resistência que encontramos para entrar nesse meio. Os homens, assessores, jogadores, colegas de trabalho, têm muito mais dificuldade em confiar no nosso trabalho do que se fosse outro homem", defendeu.

Aparentemente, esta denúncia não caiu em saco roto, com 30 dos 40 clubes das séries A e B do futebol brasileiro a aderirem a este movimento nas suas redes sociais. Mas será que alguma coisa vai realmente mudar?

O assédio em Portugal

Importa perceber como é a realidade portuguesa, até porque são cada vez mais as mulheres que trabalham no jornalismo desportivo, especialmente na televisão. Será que têm as mesmas queixas das colegas brasileiras? Rita Mendonça, jornalista da TVI, conta-nos uma situação que se passou consigo há alguns anos e que a deixou bastante desconfortável. "Um jogador de futebol tentou beijar-me e depois perseguiu-me, chegando a agarrar-me, mas felizmente parou depois de eu o ter empurrado. Foi sem dúvida o pior caso em que me vi envolvida nestes anos de profissão", conta ao DN.

Habituada a cumprir reportagem em zonas com grandes aglomerados de pessoas, nunca se sentiu intimidada nessas circunstâncias. "Quase todas as minhas colegas contam que foram apalpadas, mas curiosamente tal nunca me aconteceu. Mas claro que gente estúpida existe em todo o lado e não querem saber se és homem ou mulher. Já fui maltratada muitas vezes, mas nunca agredida", revela.

De acordo com a sua experiência, Rita Mendonça defende que "os homens são mais respeitados pelas pessoas do futebol, pois ainda há muito aquela ideia de que as mulheres não percebem muito do assunto". No entanto, a jornalista da TVI reconhece que por vezes ser do sexo feminino tem as suas vantagens. "Quando fazes uma pergunta pode haver a tendência de alguns homens para serem mais simpáticos. Mas atenção que isso não significa que te deem a notícia... O maior exemplo é o Jorge Jesus, que fica mais sorridente quando é uma menina a fazer-lhe uma pergunta", diz.

Cláudia Martins, jornalista da Antena 1, foi a primeira mulher a fazer relatos de jogos em Portugal. Na sua opinião, o assédio em Portugal não é comparável ao que se passa no Brasil "pelo menos na parte física, pois lá há mais tendência para as jornalistas serem tocadas e para essas situações de beijos à força e propostas de cariz sexual". No entanto, revela que já foi várias vezes importunada. "Há aqueles insultos habituais que são dirigidos a mulheres que trabalham num meio predominantemente masculino, do género "vai para casa lavar a louça" ou "não percebes nada de futebol". Infelizmente, no nosso futebol, ainda subsiste uma atitude condescendente e desconfiada face às mulheres", refere.

Jornalista há dez anos, não nota diferenças em relação ao início da carreira, "pois as reações do público continuam a ser as mesmas". Destaca no entanto algumas mudanças entre os seus pares, devido ao número cada vez maior de mulheres nas redações. "Quando comecei, sentia mais resistência por parte dos meus colegas jornalistas, mas agora percebo que confiam mais no meu trabalho", aponta.

E no sentido contrário, será que por ser do sexo feminino, sente que consegue uma maior aproximação aos protagonistas do futebol? "Não me parece que os homens se abram mais comigo pelo facto de eu ser mulher. Mas a verdade é que, como se sabe, a relação entre a comunicação social e os protagonistas do futebol português é hoje em dia praticamente inexistente, por isso, é um pouco indiferente ser-se homem ou mulher", defende.

Cláudia Martins também já cobriu vários eventos em que houve grande aglomeração de pessoas, nomeadamente festas de campeão nacional, trabalho que não a deixa especialmente desconfortável. "Claro que é um pouco difícil e mais difícil se tornou devido a este clima de guerrilha que vigora no futebol português e que faz que os jornalistas estejam mais expostos e vulneráveis. Mas nunca vivi nenhuma situação muito complicada", garante. #
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