Reportagem: A região de Altamira, o Rio Xingu e a Hidroelétrica de Belo Monte (parte 2)

Mesmo antes do leilão, construtoras já estão em Altamira para avaliar estrutura

Andrade Gutierrez deve participar de consórcio com Vale e Votorantim.
Odebrecht e Camargo Corrêa devem se unir em outro consórcio.


por Mariana Oliveira
29/03/10



  • Aspas Os profissionais da Odebrecht estão na região com o intuito de checar antecipadamente os recursos, serviços e infraestrutura disponíveis, tendo em vista a proximidade do leilão."
As construtoras que demonstram interesse em construir a hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (Pará), já marcam presença em Altamira, cidade-sede da obra, a fim de verificar a infraestrutura da cidade em relação a mão de obra, fornecedores e rede hoteleira.

Durante visita da reportagem a Altamira, o G1 encontrou funcionários da Odebrecht e da Camargo Corrêa, que disseram não ter autorização para dar entrevistas. Empresários afirmaram que representantes da Andrade Gutierrez também estiveram na cidade.

A reportagem procurou as construtoras, que informaram ser prática comum em grandes obras públicas enviar antes funcionários da empresa com o objetivo de verificar as condições da cidade, mesmo sem a definição sobre quem vai construir. O leilão está marcado para o próximo dia 20. De acordo com as empresas, o investimento para obter dados sobre o local é pequeno perto da importância de se já estar bem informado na hipótese de ganhar a concorrência.

O G1 apurou, no entanto, que alguns funcionários dessas empresas já estão há cerca de um ano em Altamira, antes mesmo de existir a licença prévia do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) para a usina. As construtoras não confirmaram a informação.

A única das três empresas que respondeu à reportagem sobre o tema foi a Odebrecht. "Os profissionais da Odebrecht estão na região com o intuito de checar antecipadamente os recursos, serviços e infraestrutura disponíveis, tendo em vista a proximidade do leilão", respondeu por e-mail a construtora, sem especificar desde quando os funcionários estão no local.


Foto: Mariana Oliveira / G1 
Rio Xingu, que abrigará hidrelétrica (Foto: Mariana Oliveira / G1) 
Consórcios

As três empresas devem participar de dois consórcios distintos para disputar a obra. De um lado Andrade Gutierrez e, de outro, Camargo e Odebrecht.



O primeiro consórcio confirmado para o leilão de Belo Monte é o que reúne Andrade Gutierrez, Vale, Votorantim e Neoenergia. As indústrias de outras áreas participam porque têm interesse em obter a energia gerada pela hidrelétrica.

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O segundo consórcio deve ser formado por Camargo Corrêa e Odebrecht, que firmaram carta de intenção para concorrerem juntas. As duas empresas foram rivais nos leilões das hidrelétricas no Rio Madeira, em Rondônia. A Camargo venceu a concorrência pela hidrelétrica de Jirau e a Odebrecht ganhou a Santo Antônio.

O governo disse que buscar atrair o maior número de interessados para a concorrência.

A Eletrobras vai representar o governo em todos os consórcios, informou o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, na semana passada. Ainda não foram definidas, no entanto, quais empresas participarão de quais consórcios.

Lobão disse, de acordo com a Agência Estado, que ainda estão sendo concluídas as negociações para se saber quais empresas do grupo deverão entrar na disputa. Entre as subsidiárias da Eletrobras, estão Furnas, Eletrosul, Eletronorte e Chesf.



Leilão

Os grupos que pretendem participar da disputa devem se inscrever pelo site da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) nos dias 13 e 14 de abril. A disputa será no dia 20 e vence quem oferecer o menor preço a ser cobrado pela energia.
O Tribunal de Contas da União definiu como teto máximo para o preço da energia de Belo Monte R$ 83 por MWh. O valor é menor do que o preço máximo determinado antes dos leilões nas hidrelétricas de Santo Antônio (o teto foi R$ 122 MWh e o preço final foi R$ 78,87 MWh) e de Jirau (o teto foi de R$ 91 MWh e o preço final foi R$ 71,40 MWh).


A estimativa inicial do governo era de que o teto máximo para o leilão fosse de R$ 68 por MWh. Por conta das condicionantes do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) para conceder a licença ambiental, o preço-teto subiu. Entre as condicionantes estão ações para reduzir o impacto social e ambiental na área da hidrelétrica.

A hidrelétrica de Belo Monte terá capacidade de geração de energia de 11,2 mil MW. A potência máxima, porém, só pode ser obtida em tempo de cheia. Na seca, a geração pode ficar abaixo de mil MW. A energia assegurada segundo o governo é de 4,5 mil MW.




Obra nem começou, mas já atrai migrantes e investimento para Altamira

Busca por emprego até março já dobrou em relação a todo ano passado.
Usina de Belo Monte, no rio Xingu (Pará), será a segunda maior do país.
 
por Mariana Oliveira
29/03/10

Ainda não se sabe quem vai construir a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (Pará), mas a cidade de Altamira, que será a sede administrativa da obra, já começa a receber pessoas em busca de trabalho e investimentos de empresários locais. O leilão que definirá os construtores da obra está marcado para o próximo dia 20.

Segundo dados do Sistema Nacional de Emprego (Sine) - que funciona como uma agência pública de emprego -, as 8.266 pessoas que se cadastraram em Altamira de janeiro a 25 de março deste ano já equivalem a quase o dobro das 4.218 de todo o ano passado.

"Está bem claro que estão chegando pessoas vindas de fora, temos casos do Maranhão, do Rio de Janeiro, do Amapá, de Rondônia. Gente que já trabalhou em fábricas, em montagem de estrutura metálica. Percebemos claramente quem é daqui e quem vem de fora. Muita gente vem aqui e diz: 'Eu vim entregar meu currículo para trabalhar na barragem", conta a diretora do Sine em Altamira, Elcirene Silva de Souza.

Elcirene, que dirige o Sine em Altamira, destaca, no entanto, que a oferta de vagas não aumentou na mesma proporção da procura.

"Atendemos não só gente de outros estados, mas de Belém e outras cidades do Pará. Mas também é preciso verificar que isso tem um lado negativo. No ano passado, atendemos mais de 4 mil pessoas e só colocamos no mercado de trabalho 2 mil. Acredito que se não houver uma grande oferta de vagas, vamos ter problemas sociais maiores do que os benefícios da barragem."

Durante visita do G1 ao Sine de Altamira, a reportagem encontrou Welerson Aires, de 25 anos, que havia chegado de Vespasiano, Minas Gerais, duas semanas antes, atraído por Belo Monte. "No ano passado passei o carnaval aqui e alguns amigos me convidaram para morar na cidade. Agora, achei que era um bom momento para vir", contou.

Aires cursou um ano da faculdade de administração, mas parou o curso. Ele não pretender trabalhar na construção, mas avalia que o empreendimento vai trazer oportunidades para fornecedores. "Não tenho profissão certa, mas gostaria de encontrar algo na área administrativa."

 Welerson, de Minas, chegou a Altamira há duas semanas (Foto: Mariana Oliveira)


Jamil Massaru, que também se cadastrou no Sine de Altamira, tem um currículo de destaque, segundo a própria diretora da agência: trabalhou em uma empresa de máquinas no Japão nos últimos anos. Voltou ao Brasil há menos de seis meses e nesta semana resolveu se inscrever na agência.

"Voltei do Japão porque as coisas não estavam boas lá. Meu pai tem uma fazenda em Medicilândia (perto de Altamira), mas eu nem tinha pensado em procurar emprego por aqui. Quando soube da barragem resolvi me candidatar. Pode ser que alguma empresa japonesa atue na obra e queira alguém com experiência."

De acordo com o Sine de Altamira, a maioria dos currículos de pessoas de outros estados que chegou neste ano é de homens solteiros e com boa qualificação.

Investimentos 
 
De olho no fluxo migratório para Altamira, empresários locais também já estão investindo na abertura de novos negócios e na expansão dos estabelecimentos.

O empresário Jorge Gonçalves, que também preside a associação comercial local, é dono de uma farmácia. No começo do ano, ele se mudou para um imóvel maior, com novas instalações, e ampliou seu quadro de funcionários de 12 para 16. "Ampliei para atender um maior número de pessoas com mais qualidade, de acordo com a necessidade que devemos ter em curto prazo", conta.

  O empresário Jorge Gonçalves ampliou farmácia e está construindo apartamentos para alugar na parte de cima (Foto: Mariana Oliveira)


Além de investir na farmácia, Jorge também está construindo cinco apartamentos na parte de cima da farmácia. São imóveis de apenas um quarto para atender possíveis funcionários ou fornecedores da obra. "Quero alugar tanto para escritório quanto para residência. A entrega será até o final de maio, que é quando a cidade já deve estar mais movimentada por causa da obra."

O empresário Daniel Nogueira, que até o ano passado trabalhava com distribuição de gás de cozinha, se juntou com o irmão Antoniel para concretizar os planos de construir um hotel.

"Já tínhamos plano de construir, mas a proximidade da barragem foi responsável pela decisão de investir", diz Daniel, que inaugurou o Amazon Xingu no fim do ano passado.


Daniel e Antoniel Nogueira abriram hotel em Altamira, o Amazon Xingu (Foto: Mariana Oliveira)

Daniel Nogueira considera que a hidrelétrica é um incentivo para o empresariado local. "Os empresários estavam desanimados. A discussão em torno da obra já é antiga, mas desta vez as pessoas creem que vai dar certo", diz.

Segundo o proprietário do hotel, o imóvel tem área para expansão, se necessário. "Já investimos alto agora, mas temos área para expandir se for preciso, Mas agora é preciso ter cautela, esperar como as coisas vão ficar", afirma Daniel, que diz se preocupar com o aumento da violência e com a falta de políticas públicas na região com o aumento populacional.

Migração
 
A secretária de Assistência Social de Altamira, Socorro do Carmo, afirma que algumas famílias já estão chegando à cidade e pedindo o auxílio da prefeitura.

"Até agora, o fluxo maior é de pessoas com recursos. Mas nossa expectativa é de que venham muitas famílias sem casa, sem nada. E não temos condições de receber essas pessoas agora. O objetivo é que a empresa vencedora do leilão se responsabilize", diz.

Para o procurador do Ministério Público Federal no Pará, Ubiratan Cazetta, nenhum dos municípios que abrigarão a hidrelétrica tem capacidade de atender, com políticas públicas, as pessoas que chegam. Ele afirma que isso é motivo de preocupação e que o tema será acompanhado pelos procuradores.

"O licenciamento [da hidrelétrica] fala em política pública para atender as cidades afetadas, mas não delimita de quem é a responsabilidade. A simples divulgação da licença já atrai público. O Ministério do Trabalho disse que não era dono da obra. Em tese o vencedor do leilão será o responsável. O fato é que o problema já está instalado."

Pedreiro trabalha em construção de apartamentos no centro de Altamira (Foto: Mariana Oliveira)

De acordo com o governo federal, a empresa vencedora do leilão da hidrelétrica, marcado para o dia 20 de abril, vai ter arcar com os impactos sociais da obra nas cidades afetadas. O valor previsto em contrapartidas é de R$ 3 bilhões.

Obra
 
Além de Altamira, a hidrelétrica ocupará parte da área de outros quatro municípios: Anapu, Brasil Novo, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu. Altamira é a mais desenvolvida e tem a maior população dentre essas cidades, com 98 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os demais municípios têm entre 10 mil e 20 mil habitantes.

A região discute há mais de 30 anos a instalação da hidrelétrica no Rio Xingu, mas teve a certeza de que o início da obra se aproximava após a concessão em fevereiro, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), da licença para início da construção. Há duas semanas, o governo marcou a data para o leilão.

Belo Monte será a segunda maior usina do Brasil, atrás apenas de Itaipu, e custará pelo menos R$ 19 bilhões, segundo o governo federal. Trata-se da segunda maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma das principais bandeiras do governo Lula

Entidades e população local apontam prós e contras de Belo Monte

Índios, ribeirinhos, entidades e especialistas temem impacto ambiental.
Moradores de palafitas querem emprego; empresários esperam progresso.

por Mariana Oliveira28/03/10

A hidrelétrica de Belo Monte é uma das maiores obras de infraestrutura previstas pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e também um dos projetos que enfrenta maior resistência.

Enquanto o governo diz que a obra é necessária para garantir o abastecimento de energia elétrica nos próximos anos para o país, moradores locais, entidades e especialistas destacam que os riscos ambientais e sociais podem ser mais prejudiciais do que os benefícios econômicos da obra.

O G1 esteve em Altamira na última semana, cidade que será sede administrativa da obra, e ouviu lideranças e entidades locais. Confira abaixo o que cada grupo aponta em relação à hidrelétrica.


GOVERNO FEDERAL

Linha de transmissão em São Paulo (Foto: Roney Domingos / G1)

Para o governo, Belo Monte é fundamental para assegurar o fornecimento de energia nos próximos anos.
PREFEITOS

Cais de Altamira (Foto: Mariana Oliveira / G1)

Governantes das cidades no entorno da hidrelétrica creem em desenvolvimento e progresso das cidades, que receberão investimentos dos empreendedores da obra e da União.
EMPRESÁRIOS

Uma das principais ruas comerciais de Altamira (Foto: Mariana Oliveira / G1)

Liderança dos empresários locais afirma que obra pode trazer desenvolvimento e geração de emprego; novos negócios podem se formar na região.
ESPECIALISTAS

Trecho do Xingu na Volta Grande (Foto: Mariana Oliveira/ G1)

Engenheiro, biólogo e socióloga ouvidos pelo G1 destacam que obra deve provocar seca na Volta Grande do rio Xingu e, com isso, prejudicar população local.
MOVIMENTOS SOCIAIS

Pescadores no rio Xingu (Foto: Mariana Oliveira / G1)

Movimento de mulheres e entidade ambiental avaliam que o impacto da obra na região terá custo alto para a população local, já que alguns serão retirados de suas casas e índios e ribeirinhos podem perder navegabilidade.
AGRICULTORES

Agricultor teme perder terras na Zona Rural (Foto: Mariana Oliveira / G1)

Agricultores de área que será alagada apontam que falta informação. Alguns temem não receber indenização porque não têm documento da terra.
MORADORES DE PALAFITAS

Casa de palafita na periferia de Altamira (Foto: Mariana Oliveira / G1)

Moradores de casas de palafitas, na periferia de Altamira, acreditam que obra possa gerar empregos. Eles ficam preocupados, porém, sobre como serão as indenizações e a retirada daqueles que estão em áreas a serem alagadas.
ÍNDIOS

Família da tribo maia, que habita Volta Grande do Xingu (Foto: Mariana Oliveira / G1)

G1 falou com comunidade indígena Arara, na Volta Grande do Xingu, que teme seca naquele trecho do rio. Eles afirmaram que vão resistir à obra e podem acampar no local da barragem.
RIBEIRINHOS

Vila de ribeirinhos na margem do Xingu (Foto: Mariana Oliveira / G1)

Comunidades de ribeirinhos, grupos que moram na margem do rio, também temem seca e perder a possibilidade de pesca, meio de sobrevivência de muitas famílias.


Belo Monte 

Além de Altamira, a hidrelétrica ocupará parte da área de outros quatro municípios: Anapu, Brasil Novo, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu. Altamira é a mais desenvolvida e tem a maior população dentre essas cidades, com 98 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os demais municípios têm entre 10 mil e 20 mil habitantes.

A região discute há mais de 30 anos a instalação da hidrelétrica no Rio Xingu, mas teve a certeza de que o início da obra se aproximava após a concessão em fevereiro, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), da licença ambiental. Há duas semanas, o governo marcou a data para o leilão que definirá quem vai construir a obra.

Belo Monte será a segunda maior usina do Brasil, atrás apenas da binacional Itaipu, e custará pelo menos R$ 19 bilhões, segundo o governo federal. Trata-se da segunda maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma das principais bandeiras do governo Lula.



Infraero planeja expandir aeroporto de Altamira, cidade-sede de Belo Monte

Cidade é a maior da região do Rio Xingu, que abrigará hidrelétrica.
Para reforma da pista, Infraero diz que pode pedir ajuda ao Exército.
por Mariana Oliveira
27/03/10


A Infraero, que administra os aeroportos brasileiros, informou ao G1 que planeja ampliar o aeroporto de Altamira, maior cidade da região do Rio Xingu onde será instalada a hidrelétrica de Belo Monte, prevista para ser a segunda maior do país.

Foto: Mariana Oliveira / G1 
Empresários reclamaram da qualidade da pista do aeroporto; Infraero prevê melhorias (Foto: Mariana Oliveira)
A reportagem conversou com empresários de Altamira, que criticaram o tamanho do aeroporto e a qualidade da pista.

Questionada pela reportagem, a Infraero não deu detalhes do projeto de expansão, mas disse que as obras podem começar ainda neste ano. "A Infraero trabalha na elaboração de duas propostas de expansão do terminal de passageiros do Aeroporto de Altamira, a serem executadas ainda em 2010."

Sobre as críticas em relação à qualidade da pista, a Infraero respondeu que a reforma começou em 2008, mas foi paralisada por questões contratuais. Agora, há possibilidade de o Exército atuar.

"Quanto à reforma da pista, em 2008 foi contratada – por meio de licitação - a empresa EPC Projetos e Construções Ltda. Em 2009, uma auditoria interna pediu a revisão do contrato, que não foi aceito pela EPC, e que agora requer a rescisão do mesmo. Atualmente o assunto está sendo analisado pela Infraero, que estuda a possibilidade de firmar uma parceria com o Exército a fim de concluir a obra", esclareceu a Infraero em nota.

O aeroporto de Altamira tem capacidade para 90 mil passageiros por ano e opera 32 voos comerciais por semana de duas companhias aéreas: Meta e Trip. A maior aeronave que chega a cidade atualmente tem 66 lugares.

Foto: Mariana Oliveira / G1 
Pista do Aeroporto de Altamira é alvo de críticas (Foto: Mariana Oliveira)


Para especialistas, Belo Monte vai prejudicar rio Xingu; governo nega

Índios se dizem preocupados com obra; governo diz que rio não secará.
G1 ouviu engenheiros, biólogo e socióloga sobre impacto da hidrelétrica.

Mariana Oliveira 
27/03/10



  • Aspas Em mais de cem quilômetros do rio [na Volta Grande], há corredeiras, terras indígenas, ribeirinhos, e a vazão vai descer tanto com a barragem que os peixes podem não conseguir se reproduzir."
Especialistas das áreas de engenharia, biologia e sociologia consultados pelo G1 afirmam que o trecho de cem quilômetros da Volta Grande do rio Xingu, no Pará, será prejudicado com a construção da hidrelétrica de Belo Monte, projetada para ser a segunda maior usina do país e cujo leilão para definir os construtores da obra está marcado para o dia 20 de abril.

A reportagem visitou a tribo indígena Arara, na Volta Grande, e os índios manifestaram a preocupação de que o rio possa secar. O governo, no entanto, afirmou que a vazão pode ser reduzida com a instalação da barragem, mas que o rio não secará e a navegabilidade não será afetada.

Foto: Mariana Oliveira / G1 
Rio Xingu, no Pará, vai abrigar hidrelétrica de Belo Monte, prevista para ser a segunda maior do país em capacidade (Foto: Mariana Oliveira)
Quatro especialistas foram consultados: dois engenheiros são favoráveis à obra e um biólogo e uma socióloga são contrários. No entanto, três deles sugerem mudanças no projeto da usina para que a população da Volta Grande não seja gravemente afetada.

Segundo dados do governo, o rio Xingu perde vazão – quantidade de água - no verão, época de seca. Por conta disso, a expectativa é de que Belo Monte, que terá capacidade instalada de 11.233 MW, tenha uma geração média de 4,5 mil MW. Em época de cheia pode-se operar perto da capacidade e, em tempo de seca, a geração pode ir abaixo de mil MW.

O biólogo Hermes Fonseca de Medeiros, doutor em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), diz que, com a instalação da barragem antes da Volta Grande, a água que normalmente segue para aquela região terá vazão reduzida a ponto de impossibilitar a reprodução de peixes e favorecer a proliferação de doenças.


Fonseca analisou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte juntamente com 40 especialistas de várias áreas - ele se aprofundou nos aspectos de impacto para a fauna que habita as águas do Xingu.

O EIA, com mais de 20 mil páginas, contém o projeto da hidrelétrica no qual o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) se apoiou para conceder, com condicionantes, a licença ambiental para a usina. Entre as condicionantes, está a necessidade do empreendedor de monitorar a vazão da água na Volta Grande para não prejudicar as populações indígenas e ribeirinhas que vivem nas margens.

"Em mais de cem quilômetros do rio [na Volta Grande], há corredeiras, terras indígenas, ribeirinhos, e a vazão vai descer tanto com a barragem que os peixes podem não conseguir se reproduzir. E essas pessoas dependem da pesca para sobrevivência, alimentação. Não vai mais ter Xingu na Volta Grande, vai ter um filete de água. Os moradores não terão como navegar. Em época de seca, devem se formar grandes poças que podem produzir focos de doenças, como a malária. Os índios e não índios da Volta Grande estão condenados a enfrentar uma situação que ninguém pode prever."

O biólogo diz ainda que dentro do plano de mitigação, que prevê compensação pelos danos ambientais e sociais, não há previsão de ações pelo empreendedor, mas somente o monitoramento da situação. "Não há compromisso permanente em compensar os problemas que forem surgindo. Quando se diz que a energia elétrica das hidrelétricas é mais barata é porque o povo paga as consequências e o Brasil empobrece. Você perde uma nação se você perde a biodiversidade."

Foto: Mariana Oliveira / G1 
Família da tribo maia durante a refeição (Foto: Mariana Oliveira)
‘Conflito’

Para a doutora em Antropologia e Sociologia Sonia Maria Magalhães, professora da UFPA que coordenou o painel de especialistas que analisou o EIA, pode haver um "conflito" no uso da água ao se optar entre gerar energia e manter o mínimo para a Volta Grande. "Mesmo supondo que o mínimo seja assegurado, estarão modificadas todas as condições de vida no rio, cujas vazões naturais serão substituídas por vazões artificiais drasticamente diferentes e sequer garantidas."

Sônia avalia que falta informação para a população afetada pela obra, principalmente a que será deslocada. "Efetivamente não há nem informação suficiente nem a divulgação necessária das consequências, riscos e incertezas. Num empreendimento deste porte, a informação e a divulgação necessárias devem chegar a todos e, sobretudo, àqueles que dispõem de menores condições para acessá-las e processá-las. Mais especialmente aqueles que sofrerão a tragédia do deslocamento compulsório. (...) Em minhas pesquisas pude concluir que o deslocamento compulsório é uma das maiores tragédias que pode ser vivida por um grupo social, similar apenas aos episódios de guerra. Estamos, pois, no anteato de uma tragédia social."

O G1 conversou com agricultores, índios e ribeirinhos da área do Xingu que alegaram falta de informações sobre a obra. O governo informou que todas as famílias que serão retiradas de suas casas já foram avisadas e serão indenizadas ou receberão outro imóvel.

Secretário-geral do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), o engenheiro Luiz Pereira de Azevedo Filho também ressaltou que a Volta Grande do Xingu "vai ficar praticamente vazia". "Devido aos dois canais que serão abertos, em época de estiagem quem mora na Volta Grande vai ter prejuízo. Aldeias indígenas e os ribeirinhos serão atingidos. Era melhor ter feito uma obra menor que não prejudicasse tanto a população local."

Para Azevedo Filho, porém, Belo Monte é necessária pensando no futuro do país. "Evidentemente que Belo Monte pelo seu porte, potencial, é necessária pensando em termos de futuro para o fornecimento de energia no Brasil. Vai ser a usina nacional com maior potência, já que Belo Monte é binacional. Mas creio que foram cometidos muitos erros, não precisava correr tanto com essa obra, podia ter discutido mais com a população local. O governo atropelou tudo."

Ao G1, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, informou que todas as audiências públicas necessárias foram cumpridas.




  • Aspas Isso pode acontecer mesmo sem a construção da barragem. Fenômenos de mudanças climáticas afetam o índice pluviométrico e isso pode acarretar secas."

Seca independe da obra

A engenheira Brígida Ramati, professora da Faculdade de Engenharia Elétrica da UFPA e coordenadora de um grupo de pesquisa sobre Planejamento Energético na Amazônia, afirmou ao G1 que a seca no Xingu pode ocorrer independentemente da hidrelétrica de Belo Monte.

"Isso pode acontecer mesmo sem a construção da barragem. Fenômenos de mudanças climáticas afetam o índice pluviométrico e isso pode acarretar secas. Se a hidrelétrica for construída, um período de seca secará o rio e, portanto, secará a Volta Grande. Se não houverem períodos de seca, os rios continuarão com aporte de água e a Volta Grande continuará recebendo água."

Brígida acrescenta que Belo Monte é necessária para atender ao crescimento da demanda por energia no Brasil. "A energia gerada deverá atender a uma área muito mais ampla do que a área de impacto direto pois a energia é um dos insumos mais estratégicos para o crescimento de uma região. No caso a região de abrangência da energia gerada inclui o pais todo pois a demanda de energia cresce no país a índices maiores que o crescimento do PIB e da população."

Para ela, as hidrelétricas emitem menos gases poluentes do que as térmicas e, em sua opinião, devem ser privilegiadas por conta da conta do domínio da tecnologia por parte do país.

"A opção pela fonte hídrica, quando possível, representa uma garantia de estabilidade no fornecimento de energia a preços muito razoáveis sendo estratégico para o crescimento de qualquer pais."


  • Aspas Em dez anos, pode haver aumento de pressão para novo barramento. Se o Brasil precisar de energia e Belo Monte estiver produzindo pouco, eles podem tomar essa decisão."
Novas barragens no Xingu
O biólogo Hermes Fonseca de Medeiros destacou que Belo Monte pode gerar uma pressão por nova barragem no Rio Xingu, antes de Belo Monte. Isso porque uma nova barragem poderia aumentar o volume do rio entre as duas, e Belo Monte teria mais água para gerar energia.

"Em dez anos, pode haver aumento de pressão para novo barramento. Se o Brasil precisar de energia e Belo Monte estiver produzindo pouco, eles podem tomar essa decisão. E a população que vier para a região em busca de trabalho na hidrelétrica de Belo Monte que não conseguir novo emprego, também vai pressionar por uma nova obra."

Consultado pelo G1, o Ministério de Minas e Energia informou que o governo não planeja novas hidrelétricas no Xingu. "Não há previsão de novas usinas no Rio Xingu. O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) definiu que Belo Monte será o único aproveitamento hidrelétrico no rio", respondeu o ministério por e-mail.

Dossier: Hidrelétrica de Belo Monte



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