Entrevista a Hylton Murray-Philipson, assessor especial do Projeto de Florestas Tropicais do Príncipe Charles



O empresário e banqueiro inglês Hylton Murray-Philipson, ex-CEO do Morgan Grenfell Bank no Brasil, é um homem simples e informal. Na semana passada, pela quarta vez, trocou a vida cheia de compromissos em Londres pelo convívio com seus amigos yawanawá da Terra Indígena do Rio Gregório, no município de Tarauacá (AC).
Hylton Murray-Philipson, que é assessor especial para o Projeto de Florestas Tropicais do Príncipe Charles da Inglaterra, veio com um grupo de amigos participar em plena floresta amazônica da inauguração do Centro Cerimonial de Curas e Terapias Yawanawá.
Depois de uma uma longa noite tomando uni (ayahuasca), quando dançou e cantou com a tribo até o amanhecer, Hylton Murray-Philipson desceu o Rio Gregório numa pequena canoa até a localidade de São Vicente, depois, na BR-364, prosseguiu de carro até Cruzeiro do Sul. E de lá retornou para Rio Branco de avião, para uma série de reuniões de trabalho com autoridades do governo do Acre e com a liderança Joaquim Tashka Yawanawá.
Além de ter instalado a Morgan Grenfell no Brasil, Hylton Murray-Philipson também foi diretor-executivo do banco de investimentos Henry Ansbacher, em Nova Iorque. Fundou, em 1990, a Wingate Ventures oferecendo serviços financeiros corporativos às empresas que ofereciam uma contribuição positiva ao meio ambiente, incluindo as iniciativas Carbon Conservation e Canopy Capital, que estão liderando a captação de capital para as florestas remanescentes.

Antes de retornar para Londres, Hylton Murray-Philipson conversou com exclusividade com o Blog da Amazônia sobre as preocupações dele em relação às florestas tropicais, serviços ambientais e mudanças climáticas.

Leia alguns trechos da conversa:


Hylton
Hylton Murray-Philipson, assessor especial do príncipe Charles

Desmatamento e soberania
“Tratamos desse assunto no nível mundial. Existem três grandes florestas: a floresta amazônica, que não é somente brasileira, e as florestas da África e da Ásia. Nós já visitamos oficialmente o Brasil, sete países na África, inclusive o Congo, que é o maior, e a Indonésia, na Ásia. Estamos tentando criar uma ponte entre os países que têm as florestas, que estão oferecendo serviços, e, do outro lado, os países que têm o dinheiro que poderia ser aplicado na manutenção e conservação dessas florestas. Não adianta todo o investimento do mundo em energia renovável ou para diminuir as emissões de carbono se no mesmo instante nada for feito para a conservação de florestas. Se o Brasil está fazendo um grande esforço para resolver o problema do desmatamento e gerar vida sustentável para quem vive na Amazônia e os serviços  da floresta amazônica estão sendo fornecidos para o mundo em geral, o mundo deve contribuir nos custos desses investimentos domésticos brasileiros. Isso não tem nada a ver com soberania. Se o Brasil está fazendo a coisa certa, deveria receber pagamento lá de fora.”

Agência de Florestas
“Nossa idéia é consolidar uma entidade totalmente independente, a Agência de Florestas Mundiais, talvez ligada ao Banco Mundial, que receberia dinheiro dos 20 países mais ricos como contribuição para manutenção de florestas. Do outro lado, países que têm essas florestas, fariam aplicações para o fundo pedindo recursos. A entidade chegaria a um acordo diferente com cada país, pois cada país um tem realidade diferente. Uma Guiana é totalmente diferente em termos de desenvolvimento, tamanho e pressões sobre a floresta. Praticamente não começaram a desmatar, ainda. A realidade deles é diferente. Precisam de dinheiro para que sejam incentivados a não começar o desmatamento.  Nós estamos dizendo que a floresta tem valor e é vital para a sobrevivência de nossa raça.”

Obstáculos

“O maior obstáculo é a realidade. A política no mundo é dirigida num nível de países independentes. A arquitetura internacional é muito… Basicamente só temos as Nações Unidas e o Banco Mundial. O mundo está dirigido num nível nacional. E aí temos uma Inglaterra, uma Alemanha, uma Itália, uma Espanha, um Brasil… Todos se preocupam apenas com a situação doméstica e não se pensa na situação global. Esse é o maior desafio desse projeto, mas temos alcançado muitos progressos, inclusive com o próprio Brasil.”

Iniciativa independente

“Não conheço os detalhes porque estava na aldeia indígena, aqui no Acre, mas eles [os integrantes da comitiva do Príncipe Charles] tiveram reuniões na semana passada em Brasília. No mês que vem, durante a reunião do G-20, em Londres, estaremos todos na primeira grande reunião internacional deste ano. Nós somos totalmente independentes e estamos sempre lutando pela defesa das florestas. Não temos nenhuma ligação com o governo britânico. É uma iniciativa privada e independente do Príncipe Charles. Nós fazemos lobby para salvar as florestas e argumentamos que o fim delas pode resultar em lágrimas para todo mundo.”

Percepção européia
“Na Europa, nós somos sempre mais preocupados com as emissões de carbono. Mas, se eu fosse brasileiro, estaria mais preocupado com as chuvas. A geração de chuvas é um dos serviços que as florestas da Amazônia oferecem para a humanidade, especialmente para o Brasil, onde 70% da energia vem da hidroeletricidade, uma fonte renovável. Não existindo florestas, acabam as chuvas, os rios secam em São Paulo e as luzes da cidade se apagam. Além disso, o Sul do Brasil recebe irrigação da Amazônia, da chuva gerada pela floresta. Se continuar com o desmatamento, acaba com com a eletricidade e com a produção agrícola.  A imprensa na Europa aborda as mudanças climáticas diariamente. As pessoas estão chegando a ter medo. O último Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas nos alertou que, continuando como estamos, neste século vamos enfrentar um aumento médio de temperatura no planeta entre 6 e 7 graus.”

Crise econômica
“O primeiro grande problema é falta de estrutura internacional para tratar dessas coisas. O mundo está orientado para nações independentes. Outro problema, no curto prazo, é a crise econômica. Cada político no mundo, que precisa ser reeleito, está olhando para as prioridades domésticas. Cada um vai estar, mais uma vez, olhando a situação de dentro. Mas a situação climática está chegando a um ponto tão crítico que começa a superar esses problemas do curto prazo. Não adianta, mesmo que você seja o rei da Inglaterra, ou tenha 100 milhões dólares. O máximo que você terá é uma cabina de primeira classe enquanto o navio afunda.  O projeto do príncipe tenta chamar a atenção para os 20% das emissões mundiais de caborno, que é um problema que normalmente está ficando fora das prioridades. Carbono é só uma parte da situação.”

Rios aéreos
“Existe uma grande lista de serviços que as florestas oferecem para a humanidade. Aqui, no Acre, por exemplo, existem vidas sustentáveis através da borracha, dos seringueiros.  Mas existe também a manutenção de biodiversidade, conforme demonstrado por Antonio Nóbrega, pesquisador do Inpe. É essa biodiversidade que no final do dia fornece moléculas para a formação das chuvas. Aqui existe mais vida do que em qualquer outro lugar do mundo. É a biodiversidade que apóia a geração de chuvas. Os cientistas dizem que o Rio Amazonas é o maior do mundo, mas apenas 1/4 das chuvas que caem na bacia amazônica desce até Belém, no Pará. O restante, isto é, 75% da umidade da região, é exportada para o mundo, inclusive para o Sul do Brasil, para a Argentina e Uruguai. Até La Paz, na Bolívia, recebe água dos glaciais potencializados pela umidade que vem da Amazônia. Até na Inglaterra, parcialmente, as nossas chuvas vêm da Amazônia. Os ventos vêm até a Amazônia, batem contra as montanhas dos Andes, uma parte desce para o sul do continente e outra metade segue para a América Central  e Estados Unidos, e prosseguem até a Inglaterra. O nosso mundo é interligado. É por isso que temos que tratar a mudança do clima como uma crise mundial.”

Barack Obama

“Nós estamos num momento definitivo. Graças a Deus, agora nós temos o presidente Barack Obama, nos Estados Unidos, porque sem a liderança americana não existe otimismo para solução do problema. Sem a liderança americana, a China não vem para a mesa conversar. Até agora, Obama tratou de temas domésticos, mas a família dele vem parcialmente do Quênia. Ele morava na Indonésia. Obama é um ser humano internacional. Ele não surgiu de uma aldeia do meio do nada no Texas. Ele tem um pensamento moderno e eu estou cheio de esperança.”

Príncipe Charles

“O príncipe não precisa ganhar a vida dele porque ele nasceu príncipe. Não precisa ser reeleito porque ele é príncipe. É uma questão de liderança. Ele sente essa obrigação da posição dele, de contribuir no mesmo nível que ele recebeu da vida. A agenda dele é lotadérrima de interesses e pedidos, mas há 30 anos ele já estava interessado  nesse assunto de florestas. Em 2007 resolveu tocar esse projeto de chamar a atenção para a crise das florestas tropicais.”

Acre
“O Acre é um lugar muito especial, que era protegido em razão de extremas distâncias e falta de comunicação. É por isso que ainda hoje o Estado tem mais de 90% de cobertura natural de florestas originais. Além disso, existem povos indígenas muito especiais, especificamente os yawanawá, a quem tenho a honra  de estar ligado há mais de uma década. O Acre está num momento histórico. Daqui há alguns anos a gente vai olhar para trás e perceber que este é um momento definitivo para o Acre por causa da Estrada do Pacífico. A história mostra que por onde uma estrada passa, ela acaba destruindo a floresta. Seja a Estrada do Pacífico ou a BR-364, essas rodovias vão acontecer. Se o mundo em geral não tiver a capacidade intelectual de  perceber o valor dos serviços ambientais das florestas, eventualmente vão acabar, acontecendo o mesmo que aconteceu na Mata Atlântica, hoje reduzida a 7% da cobertura original. As estradas trazem oportunidades, mas também trazem ameaças. O que estou criticando é o sistema mundial que não valoriza as florestas. Eu acho ótimo que exista no Acre o “governo da floresta”. Existem boas iniciativas e tudo é muito bonito quando mostrado nos escritórios. Agora é o momento de valorizar essas florestas. Não é só uma questão de explorar a terra, mas de reconhecer os serviços ambientais que a floresta está oferecendo para a humanidade.”

TAG