Desmatamento, obras e doenças ameaçam índios isolados brasileiros

Foto: Gleylson Miranda/Funai 
Malocas de índios isolados do Acre. Segundo a Funai, eles podem desaparecer se entraram em confronto com grupo que foge de madeireiras peruanas. (Foto: Gleylson Miranda/Funai) 
 

Eles ainda falam suas línguas, preservam seus costumes e – por opção própria e por obra do acaso – não têm praticamente nenhum contato com o mundo externo. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Brasil tem hoje pelo menos 25 grupos de índios isolados, seis grupos contatados recentemente e mais 38 referências não confirmadas de povos que não querem aparecer.

“O isolamento deles não significa que eles não tenham tido contato – na maioria traumáticos – com a sociedade envolvente”, explica Antenor Vaz, chefe substituto da Coordenação Geral de Índios Isolados, seção da Funai criada especialmente para cuidar desses casos.



Segundo Vaz, um dos maiores riscos que esses povos correm hoje são as doenças trazidas de fora. Como não têm anticorpos para lidar com doenças comuns, como a gripe, os índios morrem facilmente. “No Vale do Javari, por exemplo, existe uma epidemia de hepatite. É do tipo C e D.”, revela.

Outra ameaça para esses povos ainda desconhecidos é o desmatamento. Cada vez mais cercados por terras abertas, eles são obrigados a migrar e acabam invadindo terras de outras tribos. Em outubro deste ano, o sertanista José Carlos Meirelles, que atua no Acre, alertou para o risco de confronto entre tribos brasileiras e grupos que vinham do Peru, fugindo de madeireiros.

Ambas as comunidades não têm contato com o homem branco e nem com outras tribos da região. “O pau pode estar comendo dentro do mato e a gente não vai nem ficar sabendo”, disse ele na ocasião.
Proteção de longe
Ao contrário do que ocorreu ao longo de toda a história brasileira, desde 1987 a Funai decidiu não fazer mais contato com tribos que ainda estavam isoladas. “Chegamos à conclusão de que o contato sempre foi prejudicial. Se eles sabem onde está o branco e os outros índios e não procuram, é porque eles não querem o contato”, afirma Vaz.

Desde então, muitas tribos passaram a viver, sem saber, dentro de reservas indígenas. Segundo levantamento do Instituto Socioambiental (ISA), há hoje 10 terras reservadas aos índios isolados, e mais 19 onde tribos contatadas dividem espaço com eles.

Para cuidar desses povos, a Funai tem em campo cinco frentes de proteção, localizadas no Amazonas, Acre, Pará, Rondônia e Mato Grosso. Os pesquisadores desses locais vivem divididos entre a vontade de saber mais sobre a cultura das tribos e a necessidade de evitar qualquer tipo de contato.

“As pessoas passam meses na selva, longe da família. O mais importante é saber se o grupo [indígena] está exposto a algum perigo, e como se deve desenvolver um sistema de vigilância e fiscalização”, relata Vaz.

Como se fossem arqueólogos que estudam pessoas vivas, os servidores da Funai analisam flechas, fogueiras e rastros deixados pelas populações. O trabalho é feito com muito cuidado, pois os índios percebem com muita facilidade as marcas deixadas por grupos de fora, e podem reagir com violência.


Imagens de satélite
 
No Acre, é Meirelles quem cuida da frente de proteção. Ele sobrevoa a região pelo menos uma vez por ano, para localizar e identificar as tribos, que são pelo menos três. “Agora, por meio de imagens que têm resolução boa, poderemos saber melhor. Com o tempo, poderemos monitorar cada vez mais a terra deles”, prevê Fany Ricardo, Coordenadora do programa de monitoramento de áreas protegidas do ISA.

A falta de conhecimento sobre a localização de povos indígenas isolados tem ameaçado a existência desses povos. Em outubro, uma reportagem publicada pelo jornal O Globo revelou que a Funai tem registro de populações desse tipo vivendo em local muito próximo à construção da usina de Santo Antônio, no Rio Madeira.

De acordo com Vaz, situação semelhante pode ocorrer na usina de Jirau, que será construída no mesmo rio. “Existe referência [a povos isolados] em local próximo a Jirau, mas até agora não temos nenhum documento oficial informando onde vai ser o canteiro [de obras], o traçado das linhas de transmissão, a área alagada. Sem isso, não temos como proceder o estudo [para identificar os povos]”, afirma.

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